Primeiramente, antes de passar ao
estudo do princípio do nível elevado de proteção do ambiente (também conhecido
por NEPE), cumpre fazer as seguintes advertências:
- O tema que irei explorar, tem
como base de estudo a tese de doutoramento da Professora Alexandra Aragão,“ O
Princípio do Nível Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do
Ambiente e dos Resíduos”. Não obstante, o objeto de estudo, centrar-se-á na
análise da aplicação prática do princípio, em casos concretos. Assim sendo, com
o estudo do NEPE, pretendo dar resposta as seguintes questões:
1) Qual
o papel do NEPE na proteção ambiental?
2) Como
saber qual o nível mais elevado de proteção? Quais os critérios utilizados?
3) Estará
a ser devidamente cumprido o nível de proteção elevada, em matéria ambiental?
Enquadramento Histórico
O Tratado de Maastricht, assinado
em 1992, consagrou a par de outros princípios de cariz ambiental, o princípio
do nível elevado de proteção, no artigo 130º - R nº2, preceituando o seguinte: “ a política da Comunidade no domínio do
ambiente visará um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das
situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade” [1].
É a partir deste momento, que os Estados Membros deixaram de puder dispor
daquilo que consideravam ser o nível mais adequado de proteção, uma vez que a
liberdade de que gozavam causava grave desequilíbrios em torno da política
ambiental[2].
Tome-se o exemplo, do Estados do Norte da Europa, seguindo uma política
ambiental mais rigorosa, em detrimento dos países do Sul para quem o ambiente
ainda era concebido como um bem de “luxo” e cujas atenções se centravam nos
problemas económicos e sociais. De outrora, com a revisão do Tratado, em 1997,
acentuou-se o papel do NEPE, sendo este atualmente um objetivo central da política
ambiental da Comunidade. Além desta alteração a somar em muito contribui a
introdução das deliberações por maioria[3],
pois até essa data era exigida unanimidade nas decisões, o que implicaria que a
política ambiental da Comunidade, ficasse subtraída ao chamado “ mínimo
denominador comum (o nível de proteção elevado era aquele que todos os Estados
Membros quisessem.
Assim, podemos afirmar que atualmente
por força do artigo 3 nº3 do TUE e no artigo 191 nº2 do TFUE, embora noutras
áreas da politica comunitária seja afirmado o nível de proteção elevado, é em matéria
ambiental que esse princípio/ objetivo é claramente enfatizado.
Qual será, portanto, a função que
o NEPE desempenha?
Tal como refere a Professora Alexandra Aragão «o princípio do nível
elevado de proteção ecológica é um princípio tipicamente hierarquizador que
vale para o direito ecológico como vale para todos os domínios em que a
eminência da proteção de bens jurídicos emergentes reclame a prevalência destes
sobre outros bens jurídicos conflituantes»[4].
É ainda na opinião da mesma, uma verdadeira regra de conflitos, por ser através
do NEPE que se decide, por exemplo, se irá proteger mais ou menos o bem
ecológico X OU Y.
Por outras palavras, o NEPE, intervém em situações em que existindo
dois ou mais níveis de proteção do ambiente se decide por um ou por outro com
base em alguns critérios de referência ( que iremos analisar).
Assim sendo, podemos distinguir duas vertentes no NEPE, sendo elas: a
vertente formal (judicativo e legislativo) e a vertente material (resolução de
conflitos entre os vários interesses em causa, como forma de apurar qual irá
prevalecer).
Primeiramente, quanto aos NEPE (formal) judicativo os conflitos que
suscitam a sua intervenção são de três espécies:
1-
Conflito de normas
Se perante um caso concreto, existem pelo menos duas normas de proteção
do ambiente diferente, a que conferir o nível mais elevado de proteção, será
esse o critério que dará prevalência à N1 ou N2.
Este critério se for cumprido escrupulosamente sobrepor-se-á, em
determinadas situações a que não seja respeitado o princípio do primado do
direito comunitário na ordem jurídica interna de cada um dos Estados Membros. É
o que acontece nas situações em que os Estados Membros fazem uso da cláusula de
opting out (artigo 176 do Tratado), ainda que essa prevalência só exista quando
a Comissão Europeia, aprova essas medidas.
Mas também poderá acontecer a situação inversa, isto é, de uma norma
comunitária se aplicar em detrimento da norma nacional. Aliás, cumpre mesmo
referir que para além dos casos em que a prevalência do direito comunitário é
claramente notório, por ter uma norma, com um nível de proteção mais elevado,
há ainda casos duvidosos, em que mesmo não estando reunidos todos os
pressupostos de prevalência do direito europeu (clareza, precisão e incondicionalidade)
o NEPE irá suprimir esses requisitos , ou seja, mandará aplicar o direito
comunitário por conter uma medida de elevada proteção do ambiente .[5]
1
Dúvidas interpretativas
Quando existir uma dúvida quanto
a interpretação de uma norma, escolher-se-á, de entre os sentidos possíveis
aquele que se traduz numa proteção da ambiente mais elevada. Por exemplo, se
houver operadores económicos que tenham a pretensão de obter uma licença
ambiental, mesmo que nos termos da legislação vigente, não lhes seja exigida
tal licença não se deve interpretar a lista de atividades constantes na lei,
num sentido taxativo, pois a única diferença que estes têm em relação aos
operadores económicos abrangidos, é uma garantia de que não pode a
Administração exigir-lhes o cumprimento rigoroso das condições previstas na lei[6].
Relativamente ao NEPE legislativo, que pode ser primária ou
secundário, quanto ao primeiro momento, entende a doutrina que a proteção do
ambiente tem de ser uma preocupação presente na legislação. Nesse pressuposto,
ainda que um país onde a qualidade ambiental seja perto daquilo que se
considera ótimo, não pode o Estado exonerar-se de tomar medidas de proteção do
mesmo.
Já em relação ao segundo
momento legislativo, tal implica que por força do princípio do não retrocesso
ecológico e do princípio do progresso ecológico, só poderá haver um retrocesso
por força de circunstâncias excecionais (por exemplo, o estado de sitio). Em
caso contrário, onde haja uma situação económica e financeira próspera deverá
ser reforçada a política ambiental (com recurso a novas tecnologias para a
proteção do ambiente e de novos conhecimentos científicos na matéria). A nível
internacional, vigoro o princípio de que o novo regime terá de ser pelo menos
igual ou superior à medida dos regimes individuais, dando cumprimento à
proibição do mínimo denominador comum.
NEPE MATERIAL
1-
Conflito de interesses
Relativamente, a atuação do NEPE, na solução de conflitos de
interesses intra ou extra-ecológicos, na base da resolução dos mesmos seguem-se
os seguintes critérios: 1- inventariação dos interesses presentes no conflito,
2- hierarquização dos interesses; 3- ponderação através do recurso a princípios
jurídicos[7]
e por fim a decisão.
Para melhor compreensão do problema, passo a fazer a análise do caso
do “ canis lupus ibérico ( lobo ibérico) “, sendo este um exemplo da ponderação
de interesses ecológicos e extra- ecológicos.
Em 1981, com a Convenção de Berna “ Proteção da Vida Selvagem e do
Ambiente Natural da Europa, o lobo ibérico foi considerado uma espécie “
vulnerável” e mais tarde Portugal na Lei nº 90/88 de 13 de Agosto, ditou o
regime para a proteção e conservação desta espécie.
Não obstante, a verdade é que a proteção desta espécie colide com
outros interesses:
1-
Em relação aos conflitos heterógenos, podemos
ter um interesse extra ecológico vital seja ele atual ou potencial (ex.
proteção de uma vida humana) em conflito com um bem ecológico ( ex. conservação
da espécie), sendo que, neste caso por
força do artigo 9/ 1º da Convenção de Berna, da ponderação dos dois far-se-á
uso da aplicação do princípio da prevalência vital da vida humana ; se, no
entanto, estiver em causa um conflito entre um interesse extra-ecológico não
vital (desenvolvimento de atividades lúdicas, turísticas ou interesses ligados
a agricultura) e um interesse ecológico (proteção da espécie), vale a
prevalência biológica , ou seja, a sobrevivência da espécie .
2- Nos
casos de conflitos homogéneos: a lei nacional e a Convenção de Berna (no artigo
9/1º) permitem a derrogação do regime de proteção do lobo ibérico, quando
esteja em causa a prevenção de danos para a flora e a fauna, nas pescas,
agricultura, florestas.
Desta forma, na hierarquização e
ponderação dos interesses, quando existe uma oposição entre a sobrevivência da
espécie da fauna ou flora e de outra espécie, sendo que uma delas não conste da
lista do anexo I e II da Convenção, prevalecerá, por via do princípio da
supremacia, aquela que é objeto de proteção.
No caso de não serem espécies
protegidas, não existe uma solução consagrada nos diplomas, pelo que atendendo à ratio do regime “ preservação e transmissão
da fauna e flora para as gerações futuras” (Preâmbulo, parágrafo 3 da Convenção),
deverá prevalecer o bem ecológico, cuja sua preservação seja mais urgente, por
estar em risco a sua não sobrevivência – prevalência da biodiversidade.
Já quando esteja em conflito, bens
bióticos e abióticos, em colisão, não se poderá afirmar, sem mais, que
prevalecerá o bem biótico, deverá ser feita uma análise concreta da situação
subjacente, até porque alguns dos habitats são objeto de proteção na Convenção
(cavidades, rochas, água, ninhos , etc ) e a proteção dos bens abióticos , em
geral, não constam de normas convencionais[8].
Conclusão:
Depois do estudo do princípio, na sua vertente prática, podemos
afirmar que o NEPE é um princípio conformador do Estado de Direito Ambiental,
isto é, aquele Estado que tem uma política ambiental de proteção elevada.
No entanto, a densificação e concretização do princípio, ainda é
insuficiente, pelo que seria fundamental proceder a uma revisão da legislação
ambiental à luz do NEPE, podendo este princípio ter uma vertente ainda mais
antecipatória dos riscos ambientais.
Além disso, em relação as práticas de “ gold-plating”[9],
previstas no artigo 193 do TFUE, pela qual os Estados podem optar por tomar
medidas de proteção reforçadas desde que compatíveis com o Tratado ( e
devidamente notificadas à Comissão Europeia), essas práticas essenciais, pois tal asseguraria alcançar a tão desejada
“ proteção elevada do ambiente “. Não obstante, o que tem acontecido é que os
Estados não fazem uso dessa possibilidade[10],
não indo por isso além das exigências mínimas das Diretivas.
De entre muitos motivos que podem ser invocados, as razões europeias
poderão estar na génese da não adoção de uma proteção reforçada, uma vez que a
prática da jurisprudência do TJCE tem sido rejeitar algumas dessas medidas,
justificando essas rejeições com base nas liberdades fundamentais da União Europeia,
veja - se por exemplo, o acórdão de 16 de Julho de 2009, processo C- 165/08, na
qual o TJCE apoia a Comissão Europeia, no sentido de negar à Polónia a
possibilidade de proibir a libertação voluntária no ambiente de organismos
geneticamente modificados e ainda no caso da Chipre[11]
que pretendia colocar estes alimentos em prateleiras separados dos alimentos
convencionais (equivalentes), proposta essa que Comissão rejeitou.
Desta forma, entendo que a aplicação do NEPE nas suas vertentes: princípio
da precaução e prevenção, tem ficando aquém das expectativas, como é
demonstrado por estas duas recusas de proteção mais elevada. Se a Comissão
Europeia tem conhecimento dos riscos da produção destes alimentos, deveria
adotar uma política de proteção ambiental mais rigorosa, e se não o fez, pelo
menos que não rejeitasse que tais medidas fossem levadas a cabo pelos Estados
Membros. Por todas estas razões urge fazer uma reponderação da eficácia do NEPE,
quer a nível interno quer comunitário.
[1] Até a
revisão do Tratado em 1997, tal como a doutrina entende, não faz sentido exigir
um elevado nível de proteção.
[2] A
doutrina entende, que o NEPE estabelece um limite de conformação dos Estados à
política comunitária.
[3] Há ainda
que referir que a obrigação de estabelecer níveis de proteção elevado em
matéria ambiental, passa a ser obrigatório não só as propostas da Comissão como
ás decisões finais do Parlamento e do Conselho ( art.º 192 TFUE)
[4]
Alexandra Aragão, em “ O Principio do Nível Elevado de Proteção e a Renovação
Ecológica do Direito do Ambiente e dos Resíduos, Almedina, Coimbra, 2006, pág.
150- 152. É de referir ainda que a autora refere-se a “ direito ecológico” e
não a “ direito do ambiente”, devido a uma distinção em que a mesma concebe o
“direito ecológico”, não como um direito relacional, entre Homens por causa do
ambiente, mas sim um direito que estabelece condutas juridicamente relevantes
do Homem com vista a sustentabilidade ambiental.
[5] Veja-se
o caso apresentado pela Professora Alexandra Aragão: “ Um local para deposito
de lamas que se encontra incluído na Diretiva 85/337 com as alterações da
Diretiva 97/11, sendo uma obra publica está sujeito a uma prévia avaliação de
impacto ambiental, mas o mesmo projeto sendo uma obra particular não estaria
abrangido por esse procedimento e não se poderia intentar uma ação contra o
particular, uma vez que as Diretivas teriam como destinatário os Estados ( pág.
155-157)
Entende a Professora, que o NEPE impõe ao julgador a
aplicação imediata, mesmo aos particulares, da norma jurídica que, sendo valida
e vigente no ordenamento jurídico e diretamente aplicável, garanta um nível
mais elevado de proteção, em “ O
Principio do Nível Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do
Ambiente e dos Resíduos, Almedina, Coimbra, 2006
[6] Veja-se
os casos apresentados, pela Professora Alexandra Aragão, em “ O Principio do
Nível Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e dos
Resíduos, Almedina, Coimbra, 2006 pág. 158-164
[7] Esses
princípios que estão na base da resolução são : o princípio da equivalência
intra-ecológica; o princípio da equivalência intra-ecologica in situ, o
princípio da paridade ecológica do Homem ex situ e o princípio da justiça
ecológica intergeracional e além destes ainda têm o princípio da supremacia, da
precaução, da precedência temporal e da concordância prática. Para mais desenvolvimentos
sobre os mesmos, ver Alexandra Aragão em “ O Principio do Nível Elevado de
Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e dos Resíduos,
Almedina, Coimbra, 2006, pág. 171 e ss
[8] Alexandra Aragão em “ O Principio do Nível
Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e dos
Resíduos, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 229 a 232
[9]
Alexandra Aragão, em Dimensões Europeias do Principio da Precaução, in RFDUP,
ano 7, 2010 pág. 277 -280
[10] Veja se
o Caso do Direito Reunido, que adotou uma politica de “ no gold-plating” no
Guia sobre Transposição de Diretivas
[11] Decisão
2006/255/ CE, de 14 de Março de 2006
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