O Deferimento Tácito no RAIA
O RAIA ficou consagrado em Portugal através do Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de Junho e do Decreto Regulamentar n.º38/90, de 27 de Novembro, resultado da transposição da Directiva n.º 85/337/CEE, de 27 de Junho de 1985.
Esta, impôs a realização de avaliações de impactes ambientais, em todo o espaço europeu, de projetos que fossem suscetíveis de produzir danos ambientais.
Como consequência das alterações feitas à Directiva n.º 85/337/CEE, de 27 de Junho de 1985, pela Directiva n.º 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997, houve necessidade de proceder a uma alteração global do regime, culminando com a criação do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio.
Atualmente, o RAIA consta do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011 (codificação da Diretiva n.º 85/337/CEE, do Conselho de 27 de junho de 1985).
Relativamente ao deferimento ou indeferimento tácito, é necessário referir desde logo, que a questão só se coloca quanto esteja em causa atos administrativos.
Assim, o primeiro problema é saber se é possível aplicar o mesmo regime a pareceres.
Para responder a esta questão teríamos que discutir a natureza jurídica da DIA, discussão essa que extravasa o tema deste post. De qualquer das formas, muito sucintamente, refira-se que, a Doutrina tem admitido a possibilidade de tratar-se de um verdadeiro ato administrativo, tendo em conta uma perspetiva orgânica, competencial e material.
Nos termos do artigo 19.º/1, do RAIA, decorrido o prazo em que devia ter sido emitida a DIA, verifica-se deferimento tácito, considerando-se que a DIA é favorável quando nada foi comunicado à entidade licenciadora. Analisemos este regime:
Em primeiro lugar, importa referir que o artigo 19.º/2, do RAIA, consagra um sistema dualista, na medida em que prevê deferimento tácito, nos casos de licenciamento industrial ao fim de 80 dias, enquanto que nos restantes casos, prevê um prazo de 100 dias.
Da mesma forma, o nº 3, prevê a redução em 30 e 20 dias, respetivamente, caso haja intervenção de entidade acreditada para verificação da conformidade da EIA.
Mais: anteriormente, previa-se a suspensão do decurso do prazo, quando não estivessem em causa licenciamentos industriais, sempre que a comissão de avaliação solicitasse ao proponente aditamentos, informações complementares ou reformulação do resumo técnico para efeitos de conformidade do EIA e o proponente não o apresentasse.
Dito de outra forma, sempre que o procedimento estivesse parado por motivo imputável ao proponente.
Por incrível que pareça, esta possibilidade de suspensão do prazo não estava prevista para os casos em que se excluia as situações de licenciamento industrial.
Atualmente, o artigo 19.º/5 prevê a suspensão em qualquer caso.
Também, não está prevista a possibilidade de deferimento tácito nos casos em que um Estado membro potencialmente afectado declare a sua pretensão em participar no procedimento de AIA de projetos com impacte no seu território, nos termos do artigo 33.º/3.
Parece que nem o próprio legislador teve a certeza da admissibilidade de deferimento tácito, excluindo-no nas hipóteses em que haja possibilidade de intervenção de um outro Estado, quando podia, por exemplo, ter simplesmente aumentado o prazo.
Em segundo lugar, tendo em conta o regime dos artigos 108.º e 109.º, do CPA, a regra deveria ser a de indeferimento tácito em caso de silêncio, uma vez que essa é a regra geral consagrada no artigo 109.º.
A hipótese de deferimento tácito apenas está prevista para os casos referidos no elenco do artigo 108.º, e ainda para os casos, referidos pela Doutrina, de autorizações permissivas.
Estas correspondem aos casos em que o particular já tem um direito pré-existente, mas o seu exercício está condicionado à respetiva autorização. Mas ele já existe! Ora, não é isso que acontece nos casos do RAIA!
Por consequência de todas as limitações decorrentes do licenciamento e autorização dos projetos submetidos a AIA, não se pode considerar que há um direito prévio, existente antes de iniciado qualquer precedimento. Muito pelo contrário, revelando-se como uma restrição intensa de construção e de iniciativa económica dos particulares, o ato de licenciamento ou autorização insere-se na categoria de autorizações constitutivas ou autorizações-licença.
Como tal, não é apenas o exercício do direito que está condicionado, mas o próprio direito, em si mesmo. Desta forma, o proponente não goza de qualquer direito antes da autorização ou da DIA.
Dito isto, se fosse para ser consagrada uma regra pelo silêncio, a mesma teria que ser a do indeferimento tácito, nos termos do artigo 109.º, do CPA, não podendo, NUNCA, subsumir-se aos casos do artigo 108.º, do CPA.
Em terceiro lugar, constata-se uma violação dos Princípios da Prevenção, obrigando a que as possíveis agressões ambientais sejam asseguradas segundo um juízo de prognóse, exigindo-se que tenha havido um procedimento completo e eficaz; e do Princípio da Precaução, que determina uma inversão do ónus da prova em matéria de ambiente.
Em caso de dúvida não se deve permitir atuações que possam causar danos ambientais - in dubio pro ambiente.
Em caso de dúvida não se deve permitir atuações que possam causar danos ambientais - in dubio pro ambiente.
Em quarto lugar, a Jurisprudência Europeia considerou inadmissível deferimentos tácitos no âmbito de avaliação de impactes ambientais, no Acordão do Tribunal de Justiça das comunidades Euopeias (Terceira Secção) , de 14 de Junho de 2010 - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica - Processo C-230/00.
Em causa estava a possibilidade de, indeferimento tácito caso a autoridade competente não se pronunciasse em primeira instância em relação a um pedido de autorização, e deferimento tácito em sede de recurso.
A Comissão entendeu que o Reino da Bélgica com este regime violava a necessidade de condições “detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações” e o dever de fixação pelas autoridades competentes de “um determinado número de elementos antes de deferir a autorização pedida”, tal como decorria das Directivas. Interpertando tais obrigações na exigência de um ato expresso.
O Tribunal deu razão à Comissão e condenou o Reino da Bélgica.
Sendo tal regime menos gravoso que o nosso, uma vez que apenas previa deferimento em caso de recurso, o que acontecia em pequeno número, facilmente se entende que no nosso ordenamento jurídico o mesmo é de todo, inadmissível.
Tendo em conta todas as razões enunciadas supra, entendemos que o legislador devia proceder, o mais rápido possível, a uma alteração legislativa e retirar a figura do deferimento tácito do RAIA.
A admitir a possibilidade de “pronúncia” tácita pela entidade competente, a mesma deveria ser a do indeferimento tácito, apesar de entendermos que, até essa hipótese mostra-se contrária com o próprio espírito do RAIA, uma vez que ao consagrar-se um procedimento especial, que visa à apreciação das consequências ecológicas de uma decisão, exigindo-se uma ponderação de interesses, não faz sentido atribuir valor jurídico ao silêncio.
A criação de tal regime exige um ato expresso, mas ainda assim a atribuir-se algum valor, o mesmo terá que ser, obrigatoriamente, o indeferimento tácito.
No entanto importa realçar que, a autorização, quer tácita, quer expressa, não significa que haja licenciamento do projecto. Há apenas, autorização. O pedido de licenciamento e a possivel concessão é sempre posterior.
Bibliografia:
Dias, José Figueiredo, O Deferimento Tácito da DIA, in Revista do CEDOUA, 8, ano IV, 2001
Gomes, Carla Amado, O Procedimento de Licenciamento Ambiental Revistado, in Estudo de Direito do Ambiente e de Urbanismo, Lisboa, ICJP, 2010
Gomes, Carla Amado, Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Proteção do Ambiente
Pina, Catarina Moreno, Os Regimes de Avaliação de Impacto Ambiental e Avaliação Ambiental Estratégica
Silva, Vasco Pereira, Verde Cor do Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002
Andreia Patrícia França nº20939
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