A Transação dos direitos a
poluir, em especial o comércio de emissões poluentes
A sua evolução e
compatibilidade com o Direito ao Ambiente
A possibilidade de comprar e vender poluição
deixou de ser uma ficção, para passar a ser uma realidade[1].
O comércio de emissões poluentes diz respeito a um instrumento de regulação
ambiental que recorre a técnicas de mercado de modo a conseguir controlar a
poluição de forma eficiente, em termos económicos.
É necessário compreender que de que na analise em
questão, centrar-nos-emos na comercialização das quotas de emissão de gases
poluentes nomeadamente : [2]Dióxido
de carbono (CO2), Metano (CH4), Óxido nitroso (N2O), Hidrofluorcarbonos (HFCs),
Perfluorcarbonos (PFCs), Hexafluoreto de enxofre (SF6) considerados os maiores
responsáveis pelo aumento do efeito de estufa, fenómeno potenciado pela
atividade industrial que por sua vez é causador de desastres naturais
relacionados com o sobreaquecimento do ar, como é o caso do : degelo das
calotes polares, aumento do nível médio das águas do mar, mudanças climatéricas,
, extinção de espécies protegidas, entre outros.
Não fazendo tenção de explorar estes fenómenos
“humano-naturais”[3]
exaustivamente, esta evidência demonstra a importância da criação de
instrumentos de controle de emissões a nível mundial, precisamente pela
natureza dos poluentes em causa. Contudo, e quando se fala em comercialização
de quotas de poluição, o problema muda figura, não só pela própria aparente
perversidade de um sistema onde o “mais rico, polui mais” como pelo facto de
isto conduzir a concentração de focos acessos de poluição (os tão mal afamados
Hot Spots) em determinadas zonas mundiais (nomeadamente pelo poder económico) o
que por sua vez significa uma violação de principio da igualdade (lato sensu)
dado que a medida da afetação do direito ao ambiente variará consoante a
localização no Globo.
Há portanto uma panóplia de problemas que
pretendemos analisar de um ponto de vista crítico, começando pela apresentação
do mecanismo de mercado de emissões poluentes numa perspetiva de objetivos e
vantagens face aos outros meios de contenção da poluição. Seguir-se-á a análise
sucinta do seu surgimento histórico, as sucessivas consagrações e por fim o seu
confronto face a alguns direitos fundamentais materialmente em causa com a sua
consagração.
O Instrumento
A Comercialização de emissões poluentes trata-se
de um instrumento que visa regular a afetação do ambiente pelos sujeitos
mediante um estabelecimento de um teto máximo global de poluição possível para
todos os sujeitos mas que pode sofrer redistribuições entre eles com base em
comercialização das quotas inicialmente distribuídas. Há, na verdade, a
instituição de um mercado, no qual se podem livremente negociar a transacionar
títulos que conferem aos seus titulares (em regra Estados) a possibilidade de
emitir substancias poluentes independentemente do seu estado ser gasoso, liquido,
sólido e da sua emissão afetar componentes ambientais naturais (ar, água, luz,
solo vivo e subsolo, flora ou fauna[4])
ou componentes ambientais humanos como são a paisagem, o património natural e
construído e a poluição.
O que ocorre é que se estabelece um teto máximo de emissões poluentes
global mas que de entre si podem ser redistribuído de acordo com o poder
económico dos diversos Estados e das suas necessidades de poluição.
Na verdade, a poluição industrial é um verdadeiro
exemplo de externalidades negativa, na medida em que é reflexo de uma
conduta/atividade económica que involuntariamente se projeta sobre terceiros,
sem que seja possível impor-lhe um preço ou determinado custo económico. Dentro
do pensamento do Professor Sousa Franco [5]
, a poluição inclui-se naquelas que se denominam “exterioridade negativas” dado
que representam, para os seus destinatários um elevado prejuízo, não pode ser
evitado (pelos destinatários), e é uma consequência/ resultado necessário da
atividade industrial (embora existam meios de diminuição acentuada desta,
nomeadamente a utilização de filtros em chaminés). A característica geral das
externalidades é a não associação de um custo. Isto porque tanto o causador
como o “ofendido (em linguagem penal) são indeterminados e porventura mesmo
indetermináveis dado à pluralidade de consequências e possíveis destinatários[6].
Na verdade, pensemos:
1-
Poluir é consequência necessária de produzir a
nível industrial
2-
Produzir
a nível industrial tem custos elevados
3-
Produzir
mais significa em regra poluir mais
4-
Procura-se
produzir em grandes quantidades
5-
Então
polui-se mais para produzir mais
6-
Poluir
é gratuito (desprovido de sanção)
7-
Logo
: produtores industriais irão faze-lo em ordem a atingir aquilo que pretendem a nível de produtividade,
dado que isto não incrementa os custos.
Vemos assim, portanto as consequências perniciosas da gratuitidade da
poluição.
Mecanismos dirigidos à
limitação da poluição:
1.1-
Os
instrumentos Administrativos
Com os tempos, proliferaram soluções com vista à
limitação da poluição nomeadamente : estabelecimento de limites geográficos à
construção de atividades industriais, obrigatoriedade de um Estudo de Impacte Ambiental
prévio ao licenciamento da atividade industrial (artigo 1° do DL 151-B /2013),
limitação na edificação e estrutura dos edifícios que decorrem da assunção na
Lei Fundamental de um “Direito fundamental ao ambiente” que é assegurado pelo
compromisso por parte do Estado de uma tarefa pública que busca a proteção da
natureza e que portanto regula e limita as ações suscetíveis de conduzir a uma
restrição do Direito fundamental ao ambiente ( vertente da proteção e promoção
do direito ao Ambiente). Estes instrumentos são os denominados instrumentos
administrativos.
1.2-
Os
instrumentos económicos
Simultaneamente, parece haver o surgimento de instrumentos económicos que,
por utilizarem um bem escasso para a sua efetivação, são instrumentos
aparentemente mais eficientes. Isto porque, na verdade a proibição ou limitação
autoritária da mesma não é tao eficaz como o desincentivo económico à poluição.
Quanto a estes pode- se dar o exemplo da taxa e de imposto ecológico os
denominados ‘’impostos sobre a poluição’’ que se associam ao principio do
poluidor pagador.
Efetivamente, e pegando no raciocínio acima utilizado, alterando uma
premissa nomeadamente o ponto (6) para “Poluir é oneroso”, quanto mais se
polui, mais se paga. Parece decorrer uma alteração do resultado material para :
7- Logo, o produtor industrial restringirá sua produtividade e nível de
poluição para não aumentar os custos ou não proceder ao pagamento de sanção, o
que naturalmente terá um impacto positivo na redução de emissões poluentes com
o benefícios de, tal como salienta Tiago Antunes de “se evitar a intervenção
autoritária e agressiva da Administração ”
1.3- Os instrumentos de mercado, em especial o Comércio de emissões poluentes
Por fim podemos referir-nos aos instrumentos de
mercado como forma de combate à poluição de onde o “Comércio de emissões poluentes/ direitos a
poluir”, se inclui.
Efetivamente, como pude salientar, o comércio de
emissões poluentes passa pela fixação de um teto máximo de poluição global e
pela possibilidade de dentro desta moldura de poluição máxima poderem
transacionar entre si quotas, a preços livremente fixados entre si, no uso da
sua autonomia negocial.
·
VANTAGENS
Por um lado, parece resultar que se reduzem os
custos de redução da poluição na medida em que estes direitos de poluir se
tenderão a concentrar na sua essencialidade nas indústrias por natureza mais
poluentes, o que por sua vez é custoso para estas o que inversamente as faz
querer reduzir a poluição. Já aquelas que têm menores “necessidades poluentes”,
veem neste método um incentivo a reduzir a sua poluição de modo a terem
excedentes de quotas que podem transacionar ao preço que bem entenderem fixar.
·
DESVANTAGENS
Efetivamente, de todas as possíveis, a que me
parece mais relevante é o aparecimento de Hot Spots. Na medida em que há a possibilidade
de comercialização de excedentes face aos limites estabelecidos nos
compromissos, os grandes poluidores, face à possibilidade de sofrerem sanções
por incumprimento, compram na verdade direitos a poluir o que na verdade
propicia absolutas desigualdades territoriais quanto à distribuição da poluição
ambiental. Assim alerta-se para o incremento de emissões poluentes em áreas
onde já ocorrem níveis elevado de emissão.
Por outro lado, a criação de “hotspots de poluição” tem implicações ao nível da justiça ambiental[7],
“já que as comunidades onde os níveis de
poluentes tóxicos são mais elevados são frequentemente aquelas onde as minorias
étnicas e/ou as classes baixas estão sobre- representadas”. Há quem saliente
igualmente a circunstância de ser indiferente
o contexto no qual foi gerada a licença de emissão o que pode por sua vez gerar
uma aparente invisibilidade das injustiças que possam estar na sua origem
(nomeadamente no encerramento compulsivo e obrigatório de fábricas para
aumentar o excedente e possibilitar a transação (Lohmann 2008).
Na verdade parece haver aqui uma incoerência no Protocolo
dado que, se o objetivo era a redução de emissões poluentes e a vinculação dos
países industrializados (aqueles que mais contribuem para este fenómeno) a
diminuir esse seu contributo nefasto, por outro lado institui este mecanismo de
flexibilização que permite o incremento local destas mesmas emissões na medida
em que permite que estes países, possam comprar aos países menos desenvolvidos
ou em desenvolvimento os seus créditos de carbono.
Há outra problemática assinalada por Narain e Riddle (2007) na medida em que este
comércio ignora a natureza das emissões esquecendo que por um lado, nos países
em desenvolvimento a generalidade das emissões é realizada com o fim de
prosseguir as atividades necessárias à melhoria das condições de vida (emissões
de sobrevivência) e por outro lado, as emissões dos países desenvolvidos e
extra à sua quota inicialmente distribuída, significam emissões de luxo
relacionadas com atividades de consumo acima do necessário.
Por fim e admitindo-se, haverá preço-certo para a
poluição? Certo é que este terá de ser o preço de internalização da
externalidades.
Contexto histórico:
·
O
Protocolo de Quioto
A nível internacional, o instrumento que logrou
criar originariamente o sistema de comércio de emissões poluentes foi o
Protocolo de Quioto. Ao fim de toda a negociação o que se conseguiu atingir na
COP 3 em 1997 foi na sua essencialidade 2 pontos: 1- os países desenvolvidos
tinham de se comprometer a reduzir as emissões de gases causadoras de efeito de
estufa; 2- Por sua vez haveria flexibilidade nas formas de atingir esse
objetivo. Do incumprimento das metas estabelecidas de redução das emissões
poluentes resultavam sanções (previstas no artigo 18° do Protocolo de Quioto)
na medida em que estas metas eram juridicamente
vinculativas.
Entrada em vigor do protocolo de Quioto / diretiva 2004/101/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Outubro de 2004
Efetivamente, previa-se com o Protocolo uma redução acentuada da poluição o
que era acompanhada por um possível impacto negativo nas principais economias a
nível mundial, com o retardamento económico e um possível incremento de
custos/prejuízos em virtude deste mecanismo. Com base nesta ponderação, a
própria administração Norte Americana divulgou na altura a sua intenção de não
ratificar o Protocolo de Quioto, o que por sua vez é absolutamente pernicioso
na medida em que nos dados da altura, os EUA eram responsáveis por
aproximadamente 25°/° do total mundial de emissões de dióxido de carbono –
DADOS ATUAIS
Quanto aos mecanismos de flexibilidade (o alegado 2° ponto dos resultados
do Provoca de Quioto) aquele ao qual nos vamos referir é o do Comércio
Internacional de Emissões que se
encontra previsto no artigo 17° do Protocolo de Quioto
‘’ARTIGO
17° DO PROTOCOLO DE QUIOTO “
A
Conferência das Partes deve definir os princípios, as modalidades, regras e
diretrizes apropriados, em particular para verificação, elaboração de
relatórios e prestação de contas do comércio de emissões. As Partes incluídas
no Anexo B podem participar do comércio de emissões com o objetivo de cumprirem
os compromissos assumidos sob o Artigo 3. Tal comércio deve ser suplementar às
ações domésticas com vistas a atingir os compromissos quantificados de
limitação e redução de emissões, assumidos sob esse Artigo.”
Em
conjunto com o artigo 3°/10 consagrao Internacional Emissions Trading.
Como se pode constatar, este comércio não é um meio isolado por si, devendo
os países, a nível interno consagrar medidas com vista a atingir os
compromissos e limitação e redução de emissões.
Contudo, é deste
que decorre, expressamente, a possibilidade de os Estados transacionarem entre
si a emissão de gases com efeitos de estufa, em ordem a conseguirem cumprir os
objetivos a que ficaram vinculados no Protocolo. É um mecanismos de
flexibilidade, porque pode ocorrer no limite que para se cumprir uma meta de
redução de emissões, um estado acabe por poluir 80 porcento enquanto que os
restantes sejam responsáveis pela poluição de apenas 20 porcento sendo que se dá a alternativa
ao estado de :ou cumpre ou compra quota de quem tenha excedente. Os Estados
passa a recorrer à compra de direitos de emissão a outros países, sendo
portanto benéfico para o Estado na medida em que não dá lugar ao pagamento de
sanções previstas no 18° altamente desincentivadoras previstas pelas próprias
partes.
Comércio europeu de licenças
de emissão (CELE) de gases com efeito de estufa
Na versão original, os tratados não continham
qualquer referência expressa ao ambiente, sendo que é em 1986 com o Ato Único Europeu
que se insere no Tratado de Roma um capitulo relativo à politica de ambiente,
titulo que foi alterado sucessivamente pelo Tratado de Maastricht, Amesterdão,
Nice e Lisboa (artigo 191°, antigo artigo 174° TCE ).
Quanto ao comércio de emissões poluentes, mais
especificamente, foi o Protocolo de Quioto e a necessidade do cumprimento das
suas metas (redução de 8 portento da União Europeia no seu conjunto) que
impulsionou os Estados Membros a considerarem seriamente a ideia de um mercado
de emissões poluentes e avançarem para a introdução, legalização e
institucionalização de um verdadeiro mercado dirigido ao comércio de licenças
de emissão de gases com efeito de estufa. A meta foi dividida pelos Estados Membros,
de forma variável e desigual sendo que aparentemente Portugal terá beneficiado
com a redistribuição acabando por poder aumentar as suas emissões em 27
porcento.
Foi em 2002 que decorreu a vinculação solene e definitiva
dos Estado Membros ao Protocolo. Esta vinculação não impediu por sua vez a Comissão
Europeia, de procurar meios de cumprimento dos objetivos de Quioto. É daqui que
surge o Livro Verde sobre o comércio de emissões poluentes e com base nas
conclusões e propostas decorrentes deste Livro, que se apresenta um projeto de
Diretiva relativa à criação do quadro de comércio de direitos de emissão de
gases com efeito de estufa.
Surge daqui a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho, [8]de
13 de Outubro de 2003 que obriga todos os Estados Membros a participar desde 1
de Janeiro de 2005 num Mercado Europeu de emissões poluentes. Esta Directiva
cria o mecanismo de Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), entretanto
transposta para a ordem jurídica interna pelo, comummente designado Diploma
CELE, Decreto-Lei n.º 233/2004, de 14 de Dezembro, alterado pelos Decretos-lei
n.º 243-A/2004, de 31 de Dezembro, 230/2005, de 29 de Dezembro, 72/2006, de 24
de Março e finalmente pelo n.º 154/2009, de 6 de Julho, que lhe conferiu a
última redação.
Nos termos deste Decreto, é a APA (Associação
Portuguesa do Ambiente) que se encontra com responsabilidade de coordenação
geral do processo do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).
O” Conselho
Europeu salientou que a União Europeia está empenhada em transformar a Europa
numa economia de alta eficiência energética e com baixas emissões de gases com
efeito de estufa e, até à celebração de um acordo global e abrangente para o
período pós-2012, assumiu o compromisso firme e independente no sentido de a EU
reduzir até 2020 pelo menos 20 % das emissões de gases com efeito de estufa em
relação a 1990[9].”
Sendo que a APA nos esclarece que a aviação representa um contributo especial
para emissão dos gases em causa.
Período pós- 2012 no comércio de emissões poluentes
É Importante
salientar que a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeia e do Conselho de 13
de Outubro foi alterada pela Diretiva 2009/29/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 23 de Abril de 2009 que visa por sua vez “melhorar e alargar o
regime comunitário de comércio de licenças de emissão de gás com efeito de
estufa (CELE)
Por sua vez,
esta Diretiva sofreu a transposição para o Direito português mediante a
publicação do DL n° 38/2013, de 15 de Março.
Esta
Diretiva é autora da inclusão de novos GEE (gases com efeito de estufa), novas
atividades, novas instalações.por outro lado a regra principal para a
atribuição de licenças passas a ser a de leilão, a nível comunitário. A nível
comunitário passa a ser por sua vez igualmente a quantidade total de licenças
de emissão. Havendo também previsão da atribuição gratuita de algumas destas
licenças.
Por sua vez,
a lista de instalações incluídas neste comércio deverá ser remetida à Comissão
Europeia.
Eventuais problemas da sua aplicação
Do exterior para o interior chegou o momento de aferir
o verdadeiro motivo da exposição das características e origem deste mercado : a
possível colisão com o Direito Fundamental ao Ambiente e ainda a sua
admissibilidade em face do Dever fundamental de defender o ambiente.
Numa perspetiva de análise argumentativa em face
de uma restrição de direitos fundamentais temos de nos debruçar sobre os
seguintes pontos : 1- Direitos fundamentais em causa (centrar-nos-emos no
Direito Fundamental ao ambiente); 2- Existência de uma restrição a um direito
fundamental; 3- Restrição admissível ou contundente/aniquiladora do dreito
fundamental?
1- O Direito Fundamental ao Ambiente, o
seu conteúdo
O direito fundamental ao ambiente encontra-se
consagrado no artigo 66° da CRP. Neste direito revelam-se inúmeras facetas
assumindo estrutura simultaneamente positiva e negativa , sendo um direito
variado a nível estrutural, envolve da parte do Estado uma multiplicidade de
atuações promotoras e protetoras da situação do particular. Parece que na Constituição
se adota uma conceção lata e humanamente centrada do direito do ambiente.
Surge aqui o problema : se há direito a “um
ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” e exige por parte
do Estado não só um dever de o prevenir, como de controlar e fomentar o
respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações ( artigo 66°/1 e 66°/2
alíneas a) e d) como podemos atribuir materialmente um direito a poluir e
esperar que com isso o verdadeiro direito fundamental fique restringido no seu
âmbito?
Na verdade há quem refira, e bem, que o ambiente
surge, na forma como se encontra consagrado como “fim e tarefa do Estado e da
comunidade” o que significa dizer que, este dever, subtrai à disponibilidade da
administração a discricionariedade em defender[10]
ou não defender material e legalmente esse direito. A assim ser, tem de a
administração encetar políticas de efetiva defesa e promoção do ambiente.
Assim, prosseguirmos. Parece que a nível
de direito não há uma verdadeira colisão entre estes, na medida em que não
existe um verdadeiro direito a poluir[11].
Não parece poder-se falar neste suposto “direito” uma vez que para além de
haver norma constitucional aparentemente oposta, expressa no artigo 66° da CRP,
não há norma expressa constitucional, nem como direito fundamental atípico ou
extravagante se poderia consagrar dado que lhe falta a referência à ideia da
dignidade da pessoa humana.
É
deste raciocínio que decorre a conclusão de que não há um verdadeiro conflito
de direitos fundamentais dado que o segundo não se trata, pelas razões supra
expostas, de um direito fundamental.
Contudo, isto não é importante porque se
trata de questão meramente formal. Por outro lado, o que predomina no Direito
do ambiente enquanto disciplina é a ação material e as restrições materiais do
direito, pelo que na verdade, o que nos importa é responder à seguinte questão:
há ou não um risco de perversão do sistema? Se o que se pretende é a redução de
emissões pelos países industrializados, não parece que a comercialização de
quotas poderá levar a que no limite se aumente a quota de poluição desse país,
criando hot spots ambientais, injustiças na distribuição de emissões poluentes
com consequências para a qualidade ambiental de focos do Globo?
Por outro lado não se pode igualmente
levantar a questão relativa a impedimentos ao desenvolvimento de países menos
desenvolvidos na medida em que procurando o excedente em créditos de poluição
possam colocar em causa a produção industrial absolutamente necessária ao
desenvolvimento do país e diminuição das desigualdades?
[12]Tiago Antunes salienta que não podemos
olhar para o Direito ao Ambiente de forma irrestrita na medida em que, apesar
de não podermos falar em verdadeiros Direitos a Poluir, a verdade é que estes resultam
do exercício de um Direito de “Livre iniciativa económica privada” que protege
a liberdade de empresa e liberdade de indústria (artigo 61° da CRP). Para além
disso, nenhum direito é absoluto pelo que poderá ter de ser o Direito ao Ambiente
a ceder em confronto com outros valores constitucionalmente tutelados
nomeadamente a referida iniciativa económica privada.
Não
se tratando de um direito absoluto (de resto como nenhum direito fundamental
é), significa que a sua proteção constitucional não deverá ser feita suprimindo
e ofendendo em absoluto outros direitos conflituantes, nomeadamente os
relacionados com o desenvolvimento económico da população, que já tivemos
oportunidade de referir anteriormente.
Por outro lado, quando encontramos
referência à prevenção e controlo da poluição, mais uma vez, a consagração pelo
legislador constituinte, ofereceu ao legislador constituído uma liberdade de
conformação que só implica efetivamente controlo, e não eliminação do fenómeno.
Assim cumpre analisar como se articula o Direito
ao Ambiente e o Direito à Iniciativa económica privada, há um verdadeiro
conflito entre eles? Ou trata-se de um conflito meramente aparente?
Quanto à liberdade da iniciativa económica
privada, trata-se de uma liberdade cujo conteúdo depende de determinadas
políticas no contexto da sociedade, na medida em que se exerce conforme o
interesse social predominante. Isto é, ao contrario do que se poderia pensar
primeiramente, não visa este interesse salvaguardar as pretensões de apenas
agentes económicos mas sim um interesse geral sendo que o seu exercício está
limitado pela esfera dos demais direitos e das possíveis consequências.
Esta norma constitucional foi plasmada de
forma flexível, não absoluta e sob a forma de uma norma-princípio o que
significa que, tal com diz o Professor Doutor Reis Novais, todos os direitos são suscetíveis de ser limitados pelos poderes
constituídos porque sendo embora garantias jurídicas constitucionais, garantias
fortes, são todos eles dotados de uma reserva imanente de ponderação. De
ponderação com outros direitos. Faz parte da natureza do direito, um direito
como um todo é potencialmente afetado por outro direito.
Isto corresponde à própria natureza especial dos direitos fundamentais. O
legislador constituinte só consagrou na Constituição estes direitos porque
admitiu que podem estes sofrer limitações. No caso do artigo 61° da Lei
fundamental, há uma referencia lapidar ao Direito, o que revela ao legislador
constituído a flexibilidade do direito, a sua possibilidade de cedência face
aos restantes quando questões de interesse geral se vislumbrarem.
Perante a consagração constitucional podemos chegar
à conclusão que porventura não há aqui um impedimento direto da
emissão/produção de emissões poluentes.
A Constituição é realista! Na verdade não pode
admitir que se elimine absolutamente a poluição, na medida em que esta é
decorrência necessária do desenvolvimento económico do país e de uma liberdade
fundamental. Por outro lado, não se imiscui do seu controlo e prevenção, mas
adota quase que uma lógica de coexistência pacifica entre o direito e a
poluição em termos de razoabilidade face ao meio ambiente como bem jurídico
carente de tutela e de valor constitucional.
Para aqueles que qualificam o direito ao ambiente
como um direito social portanto eminentemente positivo (carecendo de ações do
estado promotoras e concretizadoras do mesmo), o seu controle por parte de uma
instância jurisdicional, de controlo, nomeadamente por parte do Tribunal Constitucional,
far-se-á em termos mais difíceis e incompletos na medida em que não há uma ação
lesiva, mas uma potencial omissão. Face a isto se salienta que, se “é o [13]Legislador-
com uma considerável margem de liberdade- que vai definir, em concreto, o conteúdo
dos direitos fundamentais em apreço, então é também ao Legislador que compete
estabelecer até onde se aplica cada um dos direitos (…)”
Olhando para o direito à iniciativa privada em
especial, verificamos que se trata de um Direito especialmente caracterizado
pela necessidade de consagração e densificação legislativa, consagração esta
que se encontra limitada, moldada pelo direito do ambiente, na medida em que
com este não pode bulir. Desta forma, mesmo entre estes não chega a existir um
verdadeiro conflito de direitos.
No que diz respeito em especial ao comércio de
emissões poluentes, resulta que o exercício da liberdade de indústria fica
sujeito ao ónus de detenção de um determinado número de quotas de poluição
equivalentes ao total de gases poluentes emitidos. Sendo que isto não se
encontra como um verdadeiro limite restritivo ao direito de iniciativa privada,
embora os industriais tenham de suportar um custo económico em virtude da
própria atividade em muito similar a todos os ouros custos associados à
produção. Por outro lado e como o mercado pressupõe um montante máximo,
inultrapassável e inflexível global de poluição emitida, isto significa a
possibilidade de atingir os objetivos ambientais supostos incrementa potencialmente
com a implementação deste mercado.
A Lei fundamental estabelece não só direitos como deveres, posições
jurídicas ativas aos sujeitos, que os vinculam a agir de determinado modo
perante a coletividade, nomeadamente quando existam bens que violados por um
sujeito, condicionam por sua vez um número ilimitado e indefinido de outros
titulares de direitos bem como outras realidades não humanas merecedoras de
tutela.
O suposto dever a defender o ambiente..
Tiago Antunes[14],
se refere a um verdadeiro dever de defesa do ambiente autónomo ao próprio
direito constitucionalmente consagrado. Para este Autor, e bem, só este dever
fundamental pode obrigar de forma global, os sujeitos a adotarem comportamentos
de defesa do ambiente. Este dever
fundamental, tem na verdade efeitos positivos e alargadores do âmbito subjetivo
do mero Direito fundamental. Na medida em que vincula não apenas as entidades
públicas como entidades privadas e terceiros. Contudo, por inexistência de
consequências face à violação destes deveres, por ausência de consagração
constitucional e legal expressa destes deveres e pela consagração de mecanismos
que controlam o exercício dos mesmos, não parece que seja de grande importância
alegar a violação deste suposto dever fundamental para atestar a
inadmissibilidade do mecanismos de mercado que vemos expor. Na medida em que não há imposição
constitucional do mesmo. De qualquer forma analisemos :
A existência de um dever de respeitar o ambiente
tem evoluído no sentido de o considerar um dever autónomo[15]
que vincula todos os sujeitos particulares.
A assim ser não parecerá estranho que comprando mais quotas diminua
proporcionalmente este dever ou no limite o elimine?
Poder-se-á alegar que transacionando-se quotas, se
compram isenções ao cumprimento de deveres ambientais o que por sua vez viola,
em termos abstratos a universalidade dos deveres fundamentais consagrada no
artigo 12° da CRP.
Contrapondo-se e a este pensamento, Tiago Antunes, numa visão original[16]
considera que o comércio de emissões poluentes pode ser olhado como uma forma
de cumprimento desse mesmo dever. Dado que este pagamento cobre a emissão
destas emissões. Explica-nos que não têm os deveres uma única modalidade de cumprimento,
sendo que podem os industriais optar para cumprir o mesmo dever, encetar uma
das duas possíveis atuações : 1- pagar, 2-deixar de poluir sendo que ambos
conduzirão ao cumprimento dos mesmos, sendo que em qualquer dos casos o dever
de respeitar o ambiente comporta um encargo (se querem deixar de poluir têm de
pagar por filtros, meios técnicos de controlo e redução da poluição e por outro
lado se optarem por incumprir adquirirão as quotas, títulos de poluição). Assim
e se de qualquer das formas estão os industriais a incorrer em encargos só
poderá significar que estão a cumprir um dever por distintas modalidades, diz o
autor.
Não posso concordar com esta argumentação,
efetivamente, do facto de se incorrer em encargos independentemente de uma
atuação cumpridora do dever ou incumpridora de um dever parece indicar pelo
contrário que a compra de títulos de
poluição não é uma forma de cumprimento, mas sim uma forma de se esquivar ao
cumprimento. Pelo contrário, o dever de cumprir, com os encargos que lhe são
inerentes parece indicar que de facto só por esta via (pelo menos das
explicitadas) se cumpre o dever. Se o dever é não poluir, ao poleiros (sem
sanção) não estamos a cumprir! Estamos simplesmente a evitar as consequências
do incumprimento.
Conclusões
Quanto ao mecanismo de mercado parece que as
vantagens do estabelecimento de um teto máximo de emissões de sobrepõem às
desvantagens. Isto revela que esforços têm de ser feitos na atribuição de
licenças e transação de quotas de forma indiferenciada. Há que ter em conta não
só as desigualdades económicas como a totalidade de quotas “locais” para evitar
a proliferação de hot spots ambientais.
Por outro lado, parece decorrer que a Constituição
não proíbe a instituição de um mecanismo de regulação ambiental como é o do
mercado de emissões poluentes. Contudo há relevantes afetações de Direitos
fundamentais, nomeadamente o Direito ao Ambiente.
Dado que o Direito ao ambiente é um Direito
fundamental flexível (como são todos), entende-se que este possa ceder em parte
face ao Direito à livre iniciativa económica privada e face a necessidades de
desenvolvimento do país.
O certo é que na medida em que este comércio
imponha um limite máximo, inultrapassável e inflexível de quota polutiva
global, conseguimos vislumbrar nele uma busca da qualidade ambiental global e
assim admitimos o mecanismo sem grandes problemas.
Assim concluímos pela admissibilidade embora
incompletude do mecanismo de mercado : comércio de emissões poluentes.
Rita Ginestal, n° 20663, subturma 1, 4° ano
[1] Tiago Antunes, o comercio de
emissoes poluentes à luz da CRP pago 7
[2] Gases previstos no Anexo V do Protocolo de Quioto
[3] Expressão por mim utilizada para designar
fenómenos de causa humana, mas de expressão natural
[4] Componentes previstos na Lei Bases
do Ambiente (Lei n°11/87 de 7 de Abril) nomeadamente no artigo 6° e artigo 17°
[5] António Sousa Franco, Finanças
Públicas e Direito Financeiro, 4ª edição, volume I, Coimbra, 1996 pp.28
[6] Tiago Antunes, pago 18
[7] Ricardo Sequeiro Coelho in
“questionando a comensuração do carbono : algumas emissões são mais iguais que
outras. Disponível em http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CDMQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.ces.uc.pt%2Fmyces%2FUserFiles%2Flivros%2F1097_RCCS%252095_Ricardo%2520Sequeiros%2520Coelho.pdf&ei=T_tGU5HLLqLW7QbHkYDgBw&usg=AFQjCNGjSVhiQ5pR0-qgjdiT8QHA9WHa9A
[8] Site da AssociaçãoPortuguesa do
Ambiente http://www.apambiente.pt/index.php?ref=17&subref=295&sub2ref=548
[9] In
http://www.apambiente.pt/index.php?ref=17&subref=295&sub2ref=548
[10] Gomes Canotilho, in Estudos sobre Direitos fundamentais – O
Direito ao ambiente como Direito subjetivo, pag. 181
[11] Tiago Antunes - O comércio de emissões
poluentes à luz da CRP pag.135
[12] Tiago Antunes, Comércio de emissões
poluentes à luz da CRP pago. 136
[13] Tiago Antunes, pg143
[14] Tiago Antunes in Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor António Marques dos Santos – Ambiente como um
direito mas também como um dever
[15] Assim Tiago Antunes, Gomes
Canhotinho, entre outros.
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