Introdução
ao regime de avaliação de impacte ambiental (doravante, AIA)
O ambiente, sendo insusceptível
de apropriação individual, pertence à colectividade. Trata-se de um verdadeiro
direito colectivo, tal como consta do artigo 66º da Constituição da República
Portuguesa e do artigo 2º/1 da Lei de Bases do Ambiente. Logo, todos têm um
direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o
dever de o defender.
A política de ambiente
tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos
naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um
desenvolvimento sustentado, nos termos do artigo 2º/2 da Lei de Bases do
Ambiente. Conclui-se pela necessidade de apelar à utilização racional dos
recursos naturais. Assim, é essencial fazer referência à ideia de actuação
preventiva, uma vez que a antecipação dos conflitos ambientais permite uma
correcta correcção dos mesmos. De frisar que esta actuação preventiva deve
anteceder qualquer acto que possa pôr em risco o ambiente e o Homem, na
perspectiva da saúde – deve promover-se a qualidade de vida das populações.
É indispensável proceder
a uma ponderação de bens e interesses. Muitas vezes, há valores colectivos que
têm de ser equacionados e cuja protecção implica o equilíbrio e, eventualmente,
o sacrifício de outros valores.
O estudo da figura de AIA
é relevante para o conhecimento da realidade político-jurídica ambiental. Tem
vindo a assumir grande importância enquanto “instrumento procedimental de gestão
e decisão na construção de um desenvolvimento sustentado com a institucionalização
de prognósticos, ao permitir trazer para o foro das questões de desenvolvimento
económico e social a ponderação de elementos ambientais”, nas palavras da
Professora Rute Saraiva1.
Encontra-se consagrada,
enquanto princípio, nos artigos 30º e 31º da Lei de Bases do Ambiente,
consistindo num instrumento que salvaguarda a intervenção preventiva.
Martin Mateo2
define a AIA como: “procedimento participativo para a ponderação antecipada das
consequências ambientais para uma decisão em direito público”.
Podemos sintetizar,
referindo que o regime de AIA materializa duas pretensões, nomeadamente:
1) conciliação
dos princípios primordiais da avaliação dos efeitos ambientais – como exemplo,
principio da prevenção/precaução, princípio do zelo, da integração,
desenvolvimento sustentado, responsabilidade, entre outros;
2) estabelecimento
de regras mais limitativas quanto à matéria de protecção do ambiente pelos
Estados membros.
Exige-se uma maior coordenação
institucional, já que é preciso respeitar a diversidade de culturas, apelar à
participação do público para garantir a não discriminação e harmonização dos
diversos estudos de impacto ambiental nacionais.
A AIA deve consistir num
procedimento capaz de auxiliar e conduzir à tomada de decisões ambientais apropriadas
em sede de licenciamento e, ainda, autorização de projectos.
O actual regime jurídico
de avaliação de impacte ambiental encontra-se instituído pelo Decreto-Lei n.º
151-B/2013, de 31 de Outubro. Transpõe a Directiva n.º 2011/92/UE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à avaliação
dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente.
Análise
do problema dos impactes transfronteiriços
Os seres humanos têm
vindo a lutar contra problemas ambientais transfronteiriços desde o início da
civilização. Temos, como exemplo,
o desvio de rios verificado há 5000 anos entre duas cidades da Mesopotâmia.
Antes de se iniciar um
projecto, é imposto que se estude as consequências ecológicas, sendo necessário
avaliar os custos/benefícios. Caso esse projecto não possa proceder, deve ser
adoptada uma alternativa ambiental mais favorável.
Contudo, apesar da
recente proliferação da AIA em contexto transfronteiriços, os Estados poderão não
respeitar verdadeiramente estes acordos. Note-se que, muitas vezes, a alteração
no projecto não é feita apenas devido ao impacte ambiental que poderá ter, mas
também por outras razões, nomeadamente cortes orçamentais.
Antecedentes históricos
Até o início
da década de 1970, o pensamento que dominava no Mundo era o de que o ambiente
seria fonte inesgotável de recursos. Como todos sabemos, essa não é a
realidade. Assim, foi preciso dar certos passos.
A Conferência de Estocolmo,
de 1972, realizou-se com o intuito de melhorar a relação do Homem com o meio
ambiente. A Declaração, no seu princípio 21, indica que os Estados têm a
responsabilidade de assegurar que as actividades dentro da sua área de jurisdição
ou controlo, não causem danos ambientais noutros Estados ou em áreas fora do
seu limite de jurisdição.
O
Decreto-Lei n.º 151-B/2013 reflecte também os compromissos assumidos pelo
Governo Português no quadro da Convenção sobre Avaliação dos Impactes
Ambientais num Contexto Transfronteiriço (Convenção de Espoo), aprovada pelo
Decreto n.º 59/99, de 17 de Dezembro.
A
Convenção de Espoo foi concluída a 25 de Fevereiro de 1991, na Finlândia. Constitui
o primeiro tratado multilateral que especifica direitos e deveres nos procedimentos
das Partes, tendo em conta os impactes transfronteiriços de cada actividade
proposta na sua primeira fase de planeamento. Obriga os Estados a notificar e
consultar cada um nos projectos que poderão ter um impacte ambiental considerável,
sendo fulcral a qualidade das informações fornecidas aos responsáveis, de modo
a permitir tomar decisões racionais.
Tem como principal objectivo integrar o ambiente
e o processo de desenvolvimento, rumo à sustentabilidade.
As partes, na Convenção, têm consciência da necessidade
e importância do desenvolvimento de políticas de prevenção, atenuação e
controlo de todos os impactes ambientais. É fundamental intensificar a cooperação
internacional nesta matéria.
Quanto ao diploma, cabe definir a palavra “impacte”.
Tal como consta do artigo 1º/7 da Convenção, este termo serve para designar
todos os efeitos da actividade proposta sobre o ambiente. É uma definição
bastante ampla ao ponto de incluir aspectos arquitectónicos , culturais e
socioeconómicos.
O
artigo 1º/8 dá-nos a definição da expressão «impacte transfronteiras» - designa
qualquer impacte e não exclusivamente um impacte de carácter mundial, que a
actividade proposta é susceptível de exercer dentro dos limites de uma zona
abrangida pela jurisdição de uma Parte e cuja origem física se situa, no todo
ou em parte, dentro da zona abrangida pela jurisdição de uma outra Parte.
Note-se
que as Partes devem tomar todas as medidas adequadas para prevenir, reduzir e
combater os impactes ambientais transfronteiriços prejudiciais.
Antes
da tomada de decisão relativa à autorização ou início de uma actividade
proposta incluída na lista do apêndice I, a Parte de origem deve proceder à
avaliação do impacte ambiental. De seguida, deve notificar as Partes afectadas
da proposta que possa exercer um impacte transfronteiriço prejudicial
importante.
O
artigo 2º/5 indica que as Partes envolvidas debaterão, por iniciativa de
qualquer uma delas, se uma ou diversas actividades propostas que não se
encontram mencionadas no apêndice I são susceptíveis de exercer um impacte transfronteiras
prejudicial importante e que devem ser consideradas como se fizessem parte
deste apêndice. O apêndice III enumera os critérios necessários (aplicando um
ou mais, ao caso concreto) para determinar se uma actividade é ou não susceptível
de exercer um impacte prejudicial importante.
Quais
são estes critérios?
1)
amplitude – actividades
que são de grande amplitude;
2)
localização –
actividades que se propõe desenvolver numa zona ou proximidade de uma zona
particularmente sensível ou importante do ponto de vista ecológico (exemplo:
reservas naturais), bem como em locais onde as características do projecto são
susceptíveis de exercer efeitos importantes sobre a população;
3)
efeitos: actividades
propostas cujos efeitos são particularmente complexos e podem ser prejudiciais.
Há,
ainda, a possibilidade de participação pública, nos termos do artigo 2º/6.
O
artigo 3º abarca a notificação. Assim, conclui-se que a Parte de origem deve
notificar qualquer Parte que considera poder vir a ser afectada, o mais
brevemente possível. A notificação deve conter informações relativas à
actividade proposta, informações relativas à natureza eventual da decisão e a
indicação de um prazo razoável para a comunicação de uma resposta. A Parte
afectada tanto pode escolher participar ou não no processo de avaliação dos
impactes ambientais.
Quanto à documentação, a Parte de origem deve providenciar à
afectada toda a documentação de avaliação de impacte ambiental transfronteiriço
em concordância com o artigo 4º e o apêndice II da convenção.
A Parte de origem deve
comunicar à Parte afectada a decisão definitiva tomada a respeito da actividade
proposta. Necessita, ainda, indicar as razões em que se apoiou. (artigo 6º/2)
Capítulo
IV do Decreto-lei n.º 151-B/2013
É necessário ter em conta que, dada a localização
geográfica de Portugal, apenas certos projectos podem ter impactes ambientais
mais significativos noutros Estados-membros, nomeadamente: projectos que
envolvem actividades perigosas, projectos de grandes dimensões ou projectos
localizados próximo da fronteiras
O
Estado Português tem o encargo de consultar o Estado ou Estados potencialmente
afectados quanto aos efeitos ambientais de um projecto nos respectivos territórios
e quanto às medidas previstas para evitar,
minimizar ou compensar esses efeitos. Pode pronunciar-se quando, em semelhantes
eventualidades, for consultado por outro Estado.
Os artigos 33º e 34º
regulam a participação de outros Estados membros da União Europeia em
procedimento de AIA a decorrer em território português. Assegura-se a importância
da autoridade de AIA enviar às autoridades do Estado potencialmente afectado as
informações enunciadas no artigo 33º/1. Nos termos do artigo 33º/2, o Estado
afectado pode declarar o seu desejo de participar no procedimento de AIA, tendo
de se manifestar no prazo de 15 dias.
O artigo 33º/3 constitui
uma norma “derrogatória” das claúsulas de deferimento tácito previstas no
decreto-lei, nomeadamente as dos artigos 19º/2 e 21º/5.
Assim, quando estamos perante um impacto ambiental transfonteiriço e quando um
Estado-membro manifesta o seu desejo de participar no procedimento de AIA, não
há lugar a deferimento tácito.
Se o
Estado-membro manifestar a intenção de participar no procedimento, devem ser
enviados todos os elementos objecto de publicitação obrigatória, acompanhados
do projecto, do EIA e do resumo não técnico.
A
APA, I.P., deve enviar às autoridades do Estado-membro, a DIA e a decisão final
sobre o licenciamento ou a autorização do projecto.
Já o artigo 35º
refere-se, expressamente, à participação de Portugal em procedimentos de AIA de
projecto que, apesar de situados noutros EM, possam ser susceptíveis de
produzir impactes ambientais em território português. Deve ser desencadeado o
procedimento de participação pública.
Como
exemplo de um projecto com impacte ambiental transfronteiriço, temos a barragem
de Sela. Em 1968, Portugal e Espanha assinaram um Convénio Internacional
Luso-Espanhol que previa a construção de uma barragem no troço internacional do
Rio Minho.
Todavia, os Governos de
Portugal e Espanha consideraram o projecto de construção da barragem inviável a nível ambiental, com impactos irreversíveis sobre o meio ambiente.
Assim, como projecto afectava a fauna, flora, água e recursos naturais, não teve
parecer positivo.
Conclui-se que muitos
riscos ambientais constituem desafios que não podem ser superados, unicamente,
pela acção de um Estado, uma vez que pode ser preciso auxílio material ou
financeiro. Exige-se, assim, a coordenação dos diversos Estados para resolver
problemas desta ordem, através de deveres de informação, negociação, auxílio mútuo,
entre outros. Contudo, o passo mais importante é a prevenção.
Peter Sand3
defende que, em vez de internacionalizar um problema local, a solução mais económica
é adaptar os processos locais de decisão, de modo a que possam ser aplicados a
problemas transfronteiriços. Por outras palavras, se os problemas ambientais puderem
ser resolvidos unilateralmente, não há necessidade de desenvolver leis
internacionais.
Pensar globalmente, agir localmente
1 – Rute
Saraiva in “Revisitando a avaliação de impacte ambiental”, 30 de Outubro de
2013, ICJP, coordenação de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
2 - Tratado de derecho ambiental, vol. I,
Ed. Trivium Madrid 1993, pg 303
3 – Peter
Sand, “The Role of Domestic Procedures in Transnational Environmental Disputes”
in OECD, Legal Aspects of Transfrontier
Pollution
Outros
elementos
Kersten, Charles M.; Rethinking Transboundary Environmental Impact Assessment
Craik, Neil; The International Law of Environmental Impact Assessment, Cambridge
University Press 2008
Albegaria,
Rita Moreira Soares, Avaliação de de Impactes Ambientais Transfronteiriços: Experiências num
contexto ibérico
https://ria.ua.pt/bitstream/10773/3957/1/2007001380_Rita%20Albergaria.pdf
Mónica Pita n.º20616
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