domingo, 13 de abril de 2014

Impactes ambientais transfronteiriços



Introdução ao regime de avaliação de impacte ambiental (doravante, AIA)

O ambiente, sendo insusceptível de apropriação individual, pertence à colectividade. Trata-se de um verdadeiro direito colectivo, tal como consta do artigo 66º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 2º/1 da Lei de Bases do Ambiente. Logo, todos têm um direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
A política de ambiente tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento sustentado, nos termos do artigo 2º/2 da Lei de Bases do Ambiente. Conclui-se pela necessidade de apelar à utilização racional dos recursos naturais. Assim, é essencial fazer referência à ideia de actuação preventiva, uma vez que a antecipação dos conflitos ambientais permite uma correcta correcção dos mesmos. De frisar que esta actuação preventiva deve anteceder qualquer acto que possa pôr em risco o ambiente e o Homem, na perspectiva da saúde – deve promover-se a qualidade de vida das populações.
É indispensável proceder a uma ponderação de bens e interesses. Muitas vezes, há valores colectivos que têm de ser equacionados e cuja protecção implica o equilíbrio e, eventualmente, o sacrifício de outros valores.

O estudo da figura de AIA é relevante para o conhecimento da realidade político-jurídica ambiental. Tem vindo a assumir grande importância enquanto “instrumento procedimental de gestão e decisão na construção de um desenvolvimento sustentado com a institucionalização de prognósticos, ao permitir trazer para o foro das questões de desenvolvimento económico e social a ponderação de elementos ambientais”, nas palavras da Professora Rute Saraiva1.
Encontra-se consagrada, enquanto princípio, nos artigos 30º e 31º da Lei de Bases do Ambiente, consistindo num instrumento que salvaguarda a intervenção preventiva.
Martin Mateo2 define a AIA como: “procedimento participativo para a ponderação antecipada das consequências ambientais para uma decisão em direito público”.
Podemos sintetizar, referindo que o regime de AIA materializa duas pretensões, nomeadamente:
1)    conciliação dos princípios primordiais da avaliação dos efeitos ambientais – como exemplo, principio da prevenção/precaução, princípio do zelo, da integração, desenvolvimento sustentado, responsabilidade, entre outros;
2)    estabelecimento de regras mais limitativas quanto à matéria de protecção do ambiente pelos Estados membros.
Exige-se uma maior coordenação institucional, já que é preciso respeitar a diversidade de culturas, apelar à participação do público para garantir a não discriminação e harmonização dos diversos estudos de impacto ambiental nacionais.
A AIA deve consistir num procedimento capaz de auxiliar e conduzir à tomada de decisões ambientais apropriadas em sede de licenciamento e, ainda, autorização de projectos.

O actual regime jurídico de avaliação de impacte ambiental encontra-se instituído pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro. Transpõe a Directiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente.


Análise do problema dos impactes transfronteiriços

Os seres humanos têm vindo a lutar contra problemas ambientais transfronteiriços desde o início da civilização.  Temos, como exemplo, o desvio de rios verificado há 5000 anos entre duas cidades da Mesopotâmia.

Antes de se iniciar um projecto, é imposto que se estude as consequências ecológicas, sendo necessário avaliar os custos/benefícios. Caso esse projecto não possa proceder, deve ser adoptada uma alternativa ambiental mais favorável.
Contudo, apesar da recente proliferação da AIA em contexto transfronteiriços, os Estados poderão não respeitar verdadeiramente estes acordos. Note-se que, muitas vezes, a alteração no projecto não é feita apenas devido ao impacte ambiental que poderá ter, mas também por outras razões, nomeadamente cortes orçamentais.


Antecedentes históricos

Até o início da década de 1970, o pensamento que dominava no Mundo era o de que o ambiente seria fonte inesgotável de recursos. Como todos sabemos, essa não é a realidade. Assim, foi preciso dar certos passos.

A Conferência de Estocolmo, de 1972, realizou-se com o intuito de melhorar a relação do Homem com o meio ambiente. A Declaração, no seu princípio 21, indica que os Estados têm a responsabilidade de assegurar que as actividades dentro da sua área de jurisdição ou controlo, não causem danos ambientais noutros Estados ou em áreas fora do seu limite de jurisdição.

O Decreto-Lei n.º 151-B/2013 reflecte também os compromissos assumidos pelo Governo Português no quadro da Convenção sobre Avaliação dos Impactes Ambientais num Contexto Transfronteiriço (Convenção de Espoo), aprovada pelo Decreto n.º 59/99, de 17 de Dezembro.
 A Convenção de Espoo foi concluída a 25 de Fevereiro de 1991, na Finlândia. Constitui o primeiro tratado multilateral que especifica direitos e deveres nos procedimentos das Partes, tendo em conta os impactes transfronteiriços de cada actividade proposta na sua primeira fase de planeamento. Obriga os Estados a notificar e consultar cada um nos projectos que poderão ter um impacte ambiental considerável, sendo fulcral a qualidade das informações fornecidas aos responsáveis, de modo a permitir tomar decisões racionais.
Tem como principal objectivo integrar o ambiente e o processo de desenvolvimento, rumo à sustentabilidade.
As partes, na Convenção, têm consciência da necessidade e importância do desenvolvimento de políticas de prevenção, atenuação e controlo de todos os impactes ambientais. É fundamental intensificar a cooperação internacional nesta matéria.

Quanto ao diploma, cabe definir a palavra “impacte”. Tal como consta do artigo 1º/7 da Convenção, este termo serve para designar todos os efeitos da actividade proposta sobre o ambiente. É uma definição bastante ampla ao ponto de incluir aspectos arquitectónicos , culturais e socioeconómicos.
O artigo 1º/8 dá-nos a definição da expressão «impacte transfronteiras» - designa qualquer impacte e não exclusivamente um impacte de carácter mundial, que a actividade proposta é susceptível de exercer dentro dos limites de uma zona abrangida pela jurisdição de uma Parte e cuja origem física se situa, no todo ou em parte, dentro da zona abrangida pela jurisdição de uma outra Parte.
Note-se que as Partes devem tomar todas as medidas adequadas para prevenir, reduzir e combater os impactes ambientais transfronteiriços prejudiciais.
Antes da tomada de decisão relativa à autorização ou início de uma actividade proposta incluída na lista do apêndice I, a Parte de origem deve proceder à avaliação do impacte ambiental. De seguida, deve notificar as Partes afectadas da proposta que possa exercer um impacte transfronteiriço prejudicial importante.
O artigo 2º/5 indica que as Partes envolvidas debaterão, por iniciativa de qualquer uma delas, se uma ou diversas actividades propostas que não se encontram mencionadas no apêndice I são susceptíveis de exercer um impacte transfronteiras prejudicial importante e que devem ser consideradas como se fizessem parte deste apêndice. O apêndice III enumera os critérios necessários (aplicando um ou mais, ao caso concreto) para determinar se uma actividade é ou não susceptível de exercer um impacte prejudicial importante.
Quais são estes critérios?
1)    amplitude – actividades que são de grande amplitude;
2)    localização – actividades que se propõe desenvolver numa zona ou proximidade de uma zona particularmente sensível ou importante do ponto de vista ecológico (exemplo: reservas naturais), bem como em locais onde as características do projecto são susceptíveis de exercer efeitos importantes sobre a população;
3)    efeitos: actividades propostas cujos efeitos são particularmente complexos e podem ser prejudiciais.

Há, ainda, a possibilidade de participação pública, nos termos do artigo 2º/6.
O artigo 3º abarca a notificação. Assim, conclui-se que a Parte de origem deve notificar qualquer Parte que considera poder vir a ser afectada, o mais brevemente possível. A notificação deve conter informações relativas à actividade proposta, informações relativas à natureza eventual da decisão e a indicação de um prazo razoável para a comunicação de uma resposta. A Parte afectada tanto pode escolher participar ou não no processo de avaliação dos impactes ambientais.
Quanto à documentação, a Parte de origem deve providenciar à afectada toda a documentação de avaliação de impacte ambiental transfronteiriço em concordância com o artigo 4º e o apêndice II da convenção.
A Parte de origem deve comunicar à Parte afectada a decisão definitiva tomada a respeito da actividade proposta. Necessita, ainda, indicar as razões em que se apoiou. (artigo 6º/2)


Capítulo IV do Decreto-lei n.º 151-B/2013

É necessário ter em conta que, dada a localização geográfica de Portugal, apenas certos projectos podem ter impactes ambientais mais significativos noutros Estados-membros, nomeadamente: projectos que envolvem actividades perigosas, projectos de grandes dimensões ou projectos localizados próximo da fronteiras
O Estado Português tem o encargo de consultar o Estado ou Estados potencialmente afectados quanto aos efeitos ambientais de um projecto nos respectivos territórios e quanto às medidas previstas para evitar, minimizar ou compensar esses efeitos. Pode pronunciar-se quando, em semelhantes eventualidades, for consultado por outro Estado.
Os artigos 33º e 34º regulam a participação de outros Estados membros da União Europeia em procedimento de AIA a decorrer em território português. Assegura-se a importância da autoridade de AIA enviar às autoridades do Estado potencialmente afectado as informações enunciadas no artigo 33º/1. Nos termos do artigo 33º/2, o Estado afectado pode declarar o seu desejo de participar no procedimento de AIA, tendo de se manifestar no prazo de 15 dias.
O artigo 33º/3 constitui uma norma “derrogatória” das claúsulas de deferimento tácito previstas no decreto-lei, nomeadamente as dos artigos 19º/2 e 21º/5. Assim, quando estamos perante um impacto ambiental transfonteiriço e quando um Estado-membro manifesta o seu desejo de participar no procedimento de AIA, não há lugar a deferimento tácito.
Se o Estado-membro manifestar a intenção de participar no procedimento, devem ser enviados todos os elementos objecto de publicitação obrigatória, acompanhados do projecto, do EIA e do resumo não técnico.
A APA, I.P., deve enviar às autoridades do Estado-membro, a DIA e a decisão final sobre o licenciamento ou a autorização do projecto.

         Já o artigo 35º refere-se, expressamente, à participação de Portugal em procedimentos de AIA de projecto que, apesar de situados noutros EM, possam ser susceptíveis de produzir impactes ambientais em território português. Deve ser desencadeado o procedimento de participação pública.


        Como exemplo de um projecto com impacte ambiental transfronteiriço, temos a barragem de Sela. Em 1968, Portugal e Espanha assinaram um Convénio Internacional Luso-Espanhol que previa a construção de uma barragem no troço internacional do Rio Minho.
      Todavia, os Governos de Portugal e Espanha consideraram o projecto de construção da barragem inviável a nível ambiental, com impactos irreversíveis sobre o meio ambiente. Assim, como projecto afectava a fauna, flora, água e recursos naturais, não teve parecer positivo.

Conclui-se que muitos riscos ambientais constituem desafios que não podem ser superados, unicamente, pela acção de um Estado, uma vez que pode ser preciso auxílio material ou financeiro. Exige-se, assim, a coordenação dos diversos Estados para resolver problemas desta ordem, através de deveres de informação, negociação, auxílio mútuo, entre outros. Contudo, o passo mais importante é a prevenção.
Peter Sand3 defende que, em vez de internacionalizar um problema local, a solução mais económica é adaptar os processos locais de decisão, de modo a que possam ser aplicados a problemas transfronteiriços. Por outras palavras, se os problemas ambientais puderem ser resolvidos unilateralmente, não há necessidade de desenvolver leis internacionais.


Pensar globalmente, agir localmente


1 – Rute Saraiva in “Revisitando a avaliação de impacte ambiental”, 30 de Outubro de 2013, ICJP, coordenação de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
2 -  Tratado de derecho ambiental, vol. I, Ed. Trivium Madrid 1993, pg 303
3 – Peter Sand, “The Role of Domestic Procedures in Transnational Environmental Disputes” in OECD, Legal Aspects of Transfrontier Pollution

Outros elementos
Kersten, Charles M.; Rethinking Transboundary Environmental Impact Assessment

Craik, Neil; The International Law of Environmental Impact Assessment, Cambridge University Press 2008

Albegaria, Rita Moreira Soares, Avaliação de de Impactes Ambientais Transfronteiriços: Experiências num contexto ibérico
https://ria.ua.pt/bitstream/10773/3957/1/2007001380_Rita%20Albergaria.pdf

Mónica Pita n.º20616

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