A área do direito
do ambiente enquadra-se nas novas áreas caracterizadas pela grande complexidade
e contraposição de interesses públicos e privados, daí que o contrato tenha
vindo a ser a via cada vez mais preferencial para regular matérias ambientais,
e não só. “Ora o contrato, permitindo à Administração outorgar através dele as
licenças ou autorizações necessárias ou assumir o compromisso de as emitir no
futuro, emerge, aqui, como instrumento idóneo a garantir aos particulares a
segurança jurídica reclamada”. [1]
No fundo
lembrando a conhecida ideia de que “se não os podes vencer, junta-te a eles”, a
contratação pública (na qual se inserem os acordos sectoriais) pode
perfeitamente ser uma forma mais simples, e até menos dispendiosa, da
Administração garantir as metas ambientais a cumprir na defesa dos interesses comuns,
uma vez que permite um contacto directo com os agentes poluidores, de forma a
possibilitar uma concordância entre agentes que nunca existirá na via coerciva e unilateral
de actuação da Administração fora da contratação pública. Será muito mais fácil
celebrar um acordo com uma indústria potencialmente poluidora acerca da
produção de um determinado produto, do que recorrer à via contenciosa, mais
tarde, por consequências nefastas para o ambiente, criadas por essa mesma
indústria, através desse mesmo produto.
Os
instrumentos consensuais podem ter muitas formas (protocolos, códigos de
conduta, etc.), entre as quais estão os acordos e contratos administrativos.
Os acordos
sectoriais são celebrados com vários sectores produtivos/industriais. São muito
usuais no espaço europeu já desde 1970, e visam alcançar objectivos ambientais
através da via consensual. A “velha” actuação administrativa unilateral e
autoritária foi ultrapassada por meios de acção complementares, que permitem
uma concretização mais focada das políticas ambientais. Muito porque “a
actuação pela via unilateral e coactiva (…) nem sempre se revela o melhor
método de intervenção, pelos custos económico-sociais elevadíssimos que acarreta”.
[2]
A autora
Fernanda Maçãs revela mesmo que o diálogo entre o Governo e os “sectores alvo”
tem constituído um dos meios mais eficazes e eficientes para tratar os
problemas ambientais. Aliás, trabalhar em conjunto com os agentes poluidores,
encorajando-os no cumprimento das suas responsabilidades, pode ser a melhor
forma de alcançar os objectivos ambientais; já que grande parte das campanhas
ambientais passa pela consciencialização dos agentes.
Por todas
estas razões estes acórdãos acabam por demonstrar a “inoperância dos
instrumentos tradicionais de política ambiental”. [3]
A distinção
dentro dos instrumentos consensuais pode ser feita quanto às partes, já que
estas podem ser só entidades públicas ou englobar também associações ambientais
ou representantes de uma indústria.
Quanto ao seu
objecto, os acordos podem versar apenas sobre determinado produto (substâncias
usadas nas pilhas, aerossóis, etc.), ou sobre a informação a ser utilizada num
produto. Existem ainda acordos cujo objecto é a poluição ambiental causada por
determinado produto: estes envolvem muitas vezes a organização representativa
do sector.
Quanto ao seu
regime:
a)
Podem
não ser juridicamente vinculativos (os chamados “gentlemen´s agreements”), em
que os esforços acordados não têm força legal;
b)
Ou
podem ser juridicamente vinculativos- geram obrigações para as partes
accionáveis em tribunal, já que assumem a natureza de verdadeiros contratos;
Estes acordos
podem surgir como meio prévio utilizado antes de existir disciplina legal sobre
a matéria (a mesma autora chama-lhes função de ponte), uma vez que podem
existir incertezas quanto ao momento a legislar e quanto à forma como legislar.
Ou, podem surgir como complemento da legislação existente (função suporte).
Mas, podem também substituir a legislação (função independente), sendo que esta
última ratio será de evitar visto a
estrutura destes acordos ser altamente negociável!
A sua
execução contém elementos fundamentais que vão para além do conteúdo comum dos
contratos, isto com vista a garantir a sua eficácia, credibilidade e
transparência. Exemplos disso são o facto de preverem a possibilidade de
admissão de sujeitos que não intervieram na sua conclusão; os objectivos dos
acordos são quantificados em números e não segundo cláusulas de máxima diligência;
a sua abordagem é feita por etapas e devem definir com clareza a forma como o
cumprimento das obrigações assumidas e os objectivos a alcançar serão
controlados.
No seu
procedimento estes acordos prevêem também uma prévia consulta do público interessado,
sendo possível emitirem-se comentários sobre o respectivo projecto, por parte
do público em geral.
A versão
final do acordo deve ser publicada no diário oficial e cabe igualmente ao
ministro competente decidir enviar a versão final ao Parlamento.
Em Portugal a
figura mais próxima são os denominados Acordos Voluntários de Adaptação à
Legislação Ambiental, doravante chamados de Acordos Sectoriais.
Surgiram no
nosso país em 1994 com a assinatura do Acordo
Global em Matéria de Ambiente e Recursos Naturais, da Indústria e Energia e
as Confederações dos Agricultores de
Portugal e da Indústria Portuguesa.
Através dos
acordos as indústrias comprometeram-se a reduzir (ou eliminar) a poluição
causada pelas descargas de águas residuais no solo ou em meio aquáticas
(respeitando o DL.74/90, de 7 de Março).
Havia uma
série de sectores abrangidos pelo acordo, e a meta do projecto estabeleceu-se
para 31 de Dezembro de 1999. No entanto os objectivos ambientais esperados não
se concretizaram. Cada sector apresentava dificuldades de ordem técnica e
apresentaram-se imensas dificuldades financeiras provenientes, sobretudo, da
demora das candidaturas.
Os acordos
falavam em “moratória” pelo que a generalidade das empresas entendeu que os
objectivos ambientais não eram para cumprir! O desfasamento entre os acordos e
a legislação ambiental existente também colocou alguns entraves, mas no fundo
os primeiros servem, essencialmente, para complementar a segunda, e não para
substituí-la.
Todos os
objectivos a alcançar com aqueles acordos voluntários respeitavam o DL 74/90 de
7 de Março, sendo que o seu fundamento legal era inequívoco.
Como
conclusão, penso que estes acordos sectoriais podem ser importantes
instrumentos para cumprimento da legislação ambiental por parte dos sectores
industriais. No entanto seria muito pouco cauteloso esquecer a sistemática
necessidade de legislação no sector, substituindo-a por estes acordos, uma vez
que tal como referi a sua função suporte
pode ser, e é, importante para concretização da legislação existente, mas a sua
função independente representa o
perigo de um certo “abandono” legislativo na área. Tem de haver uma efectivação
do regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico, reforçando o papel
da fiscalização e da inspecção, e não utilizando estes acordos para verdadeira
substituição do legislador. Eles são sobretudo instrumentos complementares à
legislação, e só assim o seu sucesso futuro está garantido.
Bibliografia:
[1] Maçãs,
Fernanda – Os acordos Sectoriais como
Instrumento da Política Ambiental, in CEDOUA, pg. 38
2] Idem, pg. 41
[3] Idem, pg. 42
Sofia
Dias, aluna nº 20997
Sem comentários:
Enviar um comentário