domingo, 13 de abril de 2014

A contratação pública como forma de cumprir metas ambientais- os acordos sectoriais


A área do direito do ambiente enquadra-se nas novas áreas caracterizadas pela grande complexidade e contraposição de interesses públicos e privados, daí que o contrato tenha vindo a ser a via cada vez mais preferencial para regular matérias ambientais, e não só. “Ora o contrato, permitindo à Administração outorgar através dele as licenças ou autorizações necessárias ou assumir o compromisso de as emitir no futuro, emerge, aqui, como instrumento idóneo a garantir aos particulares a segurança jurídica reclamada”. [1]

No fundo lembrando a conhecida ideia de que “se não os podes vencer, junta-te a eles”, a contratação pública (na qual se inserem os acordos sectoriais) pode perfeitamente ser uma forma mais simples, e até menos dispendiosa, da Administração garantir as metas ambientais a cumprir na defesa dos interesses comuns, uma vez que permite um contacto directo com os agentes poluidores, de forma a possibilitar uma concordância entre agentes que nunca existirá na via coerciva e unilateral de actuação da Administração fora da contratação pública. Será muito mais fácil celebrar um acordo com uma indústria potencialmente poluidora acerca da produção de um determinado produto, do que recorrer à via contenciosa, mais tarde, por consequências nefastas para o ambiente, criadas por essa mesma indústria, através desse mesmo produto.

Os instrumentos consensuais podem ter muitas formas (protocolos, códigos de conduta, etc.), entre as quais estão os acordos e contratos administrativos.
Os acordos sectoriais são celebrados com vários sectores produtivos/industriais. São muito usuais no espaço europeu já desde 1970, e visam alcançar objectivos ambientais através da via consensual. A “velha” actuação administrativa unilateral e autoritária foi ultrapassada por meios de acção complementares, que permitem uma concretização mais focada das políticas ambientais. Muito porque “a actuação pela via unilateral e coactiva (…) nem sempre se revela o melhor método de intervenção, pelos custos económico-sociais elevadíssimos que acarreta”. [2]

A autora Fernanda Maçãs revela mesmo que o diálogo entre o Governo e os “sectores alvo” tem constituído um dos meios mais eficazes e eficientes para tratar os problemas ambientais. Aliás, trabalhar em conjunto com os agentes poluidores, encorajando-os no cumprimento das suas responsabilidades, pode ser a melhor forma de alcançar os objectivos ambientais; já que grande parte das campanhas ambientais passa pela consciencialização dos agentes.
Por todas estas razões estes acórdãos acabam por demonstrar a “inoperância dos instrumentos tradicionais de política ambiental”. [3]

A distinção dentro dos instrumentos consensuais pode ser feita quanto às partes, já que estas podem ser só entidades públicas ou englobar também associações ambientais ou representantes de uma indústria.

Quanto ao seu objecto, os acordos podem versar apenas sobre determinado produto (substâncias usadas nas pilhas, aerossóis, etc.), ou sobre a informação a ser utilizada num produto. Existem ainda acordos cujo objecto é a poluição ambiental causada por determinado produto: estes envolvem muitas vezes a organização representativa do sector.

Quanto ao seu regime:
 a)    Podem não ser juridicamente vinculativos (os chamados “gentlemen´s agreements”), em que os esforços acordados não têm força legal;

 b)    Ou podem ser juridicamente vinculativos- geram obrigações para as partes accionáveis em tribunal, já que assumem a natureza de verdadeiros contratos;

Estes acordos podem surgir como meio prévio utilizado antes de existir disciplina legal sobre a matéria (a mesma autora chama-lhes função de ponte), uma vez que podem existir incertezas quanto ao momento a legislar e quanto à forma como legislar. Ou, podem surgir como complemento da legislação existente (função suporte). Mas, podem também substituir a legislação (função independente), sendo que esta última ratio será de evitar visto a estrutura destes acordos ser altamente negociável!

A sua execução contém elementos fundamentais que vão para além do conteúdo comum dos contratos, isto com vista a garantir a sua eficácia, credibilidade e transparência. Exemplos disso são o facto de preverem a possibilidade de admissão de sujeitos que não intervieram na sua conclusão; os objectivos dos acordos são quantificados em números e não segundo cláusulas de máxima diligência; a sua abordagem é feita por etapas e devem definir com clareza a forma como o cumprimento das obrigações assumidas e os objectivos a alcançar serão controlados.

No seu procedimento estes acordos prevêem também uma prévia consulta do público interessado, sendo possível emitirem-se comentários sobre o respectivo projecto, por parte do público em geral.

A versão final do acordo deve ser publicada no diário oficial e cabe igualmente ao ministro competente decidir enviar a versão final ao Parlamento.

Em Portugal a figura mais próxima são os denominados Acordos Voluntários de Adaptação à Legislação Ambiental, doravante chamados de Acordos Sectoriais.

Surgiram no nosso país em 1994 com a assinatura do Acordo Global em Matéria de Ambiente e Recursos Naturais, da Indústria e Energia e as Confederações dos Agricultores de Portugal e da Indústria Portuguesa.

Através dos acordos as indústrias comprometeram-se a reduzir (ou eliminar) a poluição causada pelas descargas de águas residuais no solo ou em meio aquáticas (respeitando o DL.74/90, de 7 de Março).

Havia uma série de sectores abrangidos pelo acordo, e a meta do projecto estabeleceu-se para 31 de Dezembro de 1999. No entanto os objectivos ambientais esperados não se concretizaram. Cada sector apresentava dificuldades de ordem técnica e apresentaram-se imensas dificuldades financeiras provenientes, sobretudo, da demora das candidaturas.
Os acordos falavam em “moratória” pelo que a generalidade das empresas entendeu que os objectivos ambientais não eram para cumprir! O desfasamento entre os acordos e a legislação ambiental existente também colocou alguns entraves, mas no fundo os primeiros servem, essencialmente, para complementar a segunda, e não para substituí-la.

Todos os objectivos a alcançar com aqueles acordos voluntários respeitavam o DL 74/90 de 7 de Março, sendo que o seu fundamento legal era inequívoco.

Como conclusão, penso que estes acordos sectoriais podem ser importantes instrumentos para cumprimento da legislação ambiental por parte dos sectores industriais. No entanto seria muito pouco cauteloso esquecer a sistemática necessidade de legislação no sector, substituindo-a por estes acordos, uma vez que tal como referi a sua função suporte pode ser, e é, importante para concretização da legislação existente, mas a sua função independente representa o perigo de um certo “abandono” legislativo na área. Tem de haver uma efectivação do regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico, reforçando o papel da fiscalização e da inspecção, e não utilizando estes acordos para verdadeira substituição do legislador. Eles são sobretudo instrumentos complementares à legislação, e só assim o seu sucesso futuro está garantido.



Bibliografia:
[1] Maçãs, Fernanda – Os acordos Sectoriais como Instrumento da Política Ambiental, in CEDOUA, pg. 38

2] Idem, pg. 41

[3] Idem, pg. 42


  
Sofia Dias, aluna nº 20997

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