sábado, 31 de maio de 2014


OS CONTRATOS DE ADAPTAÇÃO AMBIENTAL, A LEGALIDADE E A TUTELA DE TERCEIROS


O presente texto irá versar sobre os contratos de adaptação ambiental e do seu enquadramento no ordenamento jurídico português. Não nos comprometemos a fazer aqui um extenso estudo sobre o tema, debruçar-nos-emos apenas sobre alguns pontos que nos parecem relevantes e merecedores de análise.


Os contratos de adaptação inserem-se nos instrumentos preventivos[1] de que fala Carla Amado Gomes e como tal seguem a lógica subjacente ao princípio da prevenção. Têm consagração específica no artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto, que versa sobre a qualidade ambiental da água. É de notar que a admissibilidade destes contratos resulta do artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos (CPP), que prevê a possibilidade de a Administração os poder celebrar[2]. O artigo 35.º/2 da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril) dispunha que "O Governo poderá celebrar contratos-programa com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das atividades poluidoras”, mas é curioso constatar que na nova Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril) não há correspondência expressa a este artigo.

Tendo por base o artigo 78.º/3 do Decreto-Lei n.º 236/98 podemos afirmar que os contratos de adaptação visam a concessão de um prazo e a fixação de um calendário para a adaptação da legislação em vigor. Na verdade o que se pretende é o não exercício do poder sancionatório da Administração[3],[4], havendo um acordo em relação ao não cumprimento das normas legais a Administração não poderá vir dizer depois que a lei não está a ser cumprida. Coloca-se, portanto, um problema relacionado com o princípio da legalidade visto que estes contratos têm um sentido derrogatório do regime legalmente previsto, o que parece contrariar o artigo 112.º/5 da Constituição da República Portuguesa[5] (CRP). Carla Amado Gomes vem pronunciar-se pela inconstitucionalidade destes contratos precisamente por violarem o artigo 112.º/5 CRP, na medida em que são contratos públicos a alterar normas legais. Para a Autora, se estes contratos apenas tivessem eficácia inter partes a sua constitucionalidade estaria salvaguardada. Mark Kirkby vem também pronunciar-se pela inconstitucionalidade, afirmando que o 78.º do Decreto-Lei n.º236/98 vem permitir à Administração, por via contratual, suspender os efeitos de normas que ela própria consagrou o que viola o artigo 112.º/5 CRP, desprezando-se a hierarquia dos atos normativos que o artigo consagra. Num sentido mais benevolente pronuncia-se o Professor Vasco Pereira da Silva[6] que defende que deve fazer-se uma ponderação de princípios (por um lado os princípios da constitucionalidade, da legalidade e da tipicidade, e por outro os princípios da eficácia da realização da política do ambiente pela via contratual, da participação e colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente e o da tutela da confiança dos particulares). Se por um lado não pode haver contratos administrativos que violem os princípios constitucionais, por outro não se pode negar por completo a possibilidade de celebração destes contratos. Para o Professor os contratos de adaptação serão possíveis quando: a) caibam na margem de livre decisão da Administração; b) encontrem cabimento na previsão legislativa; c) não correspondam a uma situação de fraude à Constituição ou à lei; d) não coloquem em causa princípios fundamentais da atuação administrativa. Parece-nos que a posição do Professor Vasco Pereira da Silva é a mais sensata uma vez que não se limita a “declarar” a inconstitucionalidade dos contratos de adaptação ambiental fazendo um esforço para encontrar soluções que se enquadrem no ordenamento jurídico português. O que se pretende, no fundo, com estes contratos é evitar que as entidades infratoras acumulem sanções pelo não cumprimento das normas legais a que ainda não se adaptaram. O infrator não deixa de o ser só porque celebrou um contrato de adaptação com a Administração, o que acontece é que lhe é conferido um prazo para que consiga chegar à zona da legalidade. Mas não ignoremos o facto de que se no prazo acordado o infrator não chegar a essa zona de legalidade já nada o poderá “salvar” dessas sanções pecuniárias.

Como bem nota o Professor Vasco Pereira da Silva é possível fazer a divisão destes contratos em dois momentos chave. Primeiro temos um contrato-tipo entre as Associações representativas dos sectores agroindustriais e agroalimentares, por um lado, e o Ministério do Ambiente e o Ministério responsável pelo sector de atividade económica, por outro. Depois temos uma segunda fase de adesão em que as unidades empresariais do sector podem aderir ao contrato de adaptação, desde que nos três meses seguintes à assinatura do contrato-tipo (art.º 78.º/4 do Decreto-Lei n.º 236/98).

Cumpre clarificar a natureza dos contratos de adaptação uma vez que é a partir dela que saberemos que regime seguir na reação contra lesões decorrentes deles. Parece-nos claro que os contratos de adaptação são verdadeiros contratos administrativos, pois que se apresentam como um acordo de vontades que tem obrigatoriamente como contratante uma autoridade pública e são geradores de direitos e deveres de direito público (vide artigo 1.º/6 CPP). Fernanda Maças acaba por delimitá-los como "contratos com obrigações bem definidas para ambas as partes e cominando sanções para o não cumprimento das prescrições e prazos constantes do cronograma de adaptação". O Professor Vasco Pereira da Silva defende a utilização de um conceito amplo de contrato administrativo de modo que este abranja todos os acordos de vontade decorrentes do exercício da função administrativa. Deste modo possibilita-se a unificação do regime jurídico da atividade da Administração Pública. Tratando-se de um contrato administrativo aplicam-se, naturalmente[7], as regras gerais dos contratos administrativos.

Agora que temos como assente a natureza jurídica do contrato de adaptação, passemos à análise da tutela jurisdicional de terceiros. Antes de mais é necessário identificar quem são os terceiros a estes contratos, ou melhor, que terceiros têm legitimidade para os impugnar. Sendo o ambiente um dos interesses protegidos pelo artigo 1.º/2 da Lei de Participação Procedimental e Ação Popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto - LAP), os terceiros[8] encontram legitimidade no artigo 2.º/2 da referida Lei, não sendo necessário qualquer interesse direto na demanda qualquer particular tem legitimidade para agir na defesa do ambiente. A Ação Popular, aqui, compreende a ação para defesa do ambiente e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer atos administrativos lesivos.

A tutela de terceiros ao contrato de adaptação relativamente à legalidade deste tem de ser feita no âmbito da teoria do ato destacável, permitindo-se a impugnação dos atos destacáveis prévios à celebração do contrato. A teoria dos atos destacáveis[9] assegura a impugnabilidade do ato de forma autónoma[10], afirmando a autonomia dos atos pré-contratuais ao contrato para efeitos substantivos e processuais. Nos dias de hoje é indiscutível que os atos pré-contratuais são destacáveis do contrato (que venha a ser) celebrado (vide artigo 100.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA). E qual é o ato pré-contratual (destacável) dos contratos de adaptação ambiental? Em última instância, na ausência de um ato administrativo, invoca-se o ato administrativo implícito[11] em que a própria decisão de contratar se consubstancia.

Assim, qualquer cidadão pode reagir contra atos destacáveis para defesa do interesse ambiente através de uma ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, aferindo-se a sua legitimidade através do artigo 12.º/1 da LAP.



Bibliografia:
GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012
KIRKBY, Mark Bobela-Mota, Os Contratos de Adaptação Ambiental, Lisboa, AAFDL, 2001
MAÇÃS, Maria Fernanda, Os Acordos Sectoriais como um Instrumento da Política Ambiental, in Revista do CEDOUA, 5, ano III, 2000,
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002



[1] Para além destes, Carla Amado Gomes faz a distinção também entre instrumentos reparatórios, repressivos e de fomento.
[2] A este propósito é importante referir a opção de escolha entre ato e contrato resultante deste artigo.
[3] Fernanda Maçãs, Os Acordos Sectoriais…
[4] Mark Kirkby: "O acordo entre as partes é preferível à utilização de procedimentos sancionatórios"
[5] Artigo 112.º Atos normativos: 5. Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
[6] Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente pp. 217ss
[7] Nas palavras de Mark Kirkby.
[8] Também é reconhecida legitimidade às Associações de defesa do ambiente (artigo 2.º/2 da LAP)
[9] Contrapõe-se a esta, a Teoria da Incorporação que preceitua que os atos pré-contratuais se dissolvem no contrato e só são impugnáveis através deste.
[10] Como se retirava do artigo 185.º Código de Procedimento Administrativo, entretanto revogado com a entrada em vigor do CCP (Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro)
[11] Ainda que não esteja previsto na lei um ato expresso prévio à celebração do contrato, depreende-se que existiu um, que está implícito na celebração do contrato pela Administração: a decisão de contratar.


Graça Silva, 19629

Desenvolvimento Sustentável

“Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come.” 
―Greenpeace


Para percebermos o verdadeiro significado da expressão "desenvolvimento sustentável" temos que perceber, em primeiro lugar, em que consiste a sustentabilidade. A  sustentabilidade é a característica ou condição do que é sustentável, isto é, de algo que reúne as condições necessárias para se manter e conservar de determinada forma, por um determinado período de tempo. Este conceito deu origem a um princípio, o do desenvolvimento sustentável, que consiste na ideia de que  a utilização para a satisfação de necessidades presentes dos recursos naturais disponíveis não pode comprometer a satisfação das necessidades futuras.
Assim, o "desenvolvimento sustentável" tem como objectivo não só preservar o meio ambiente a curto, médio e, sobretudo, a longo prazo, como também melhorar as condições de vida dos indivíduos (tanto os das gerações actuais, como os das gerações vindouras). Isto traduz-se, no fundo, num triplo objectivo: um desenvolvimento economicamente eficaz, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável.


Porquê a necessidade deste conceito?

Embora a ideia subjacente a este conceito e anteriormente indicada possa parecer simples e praticamente lógica, a verdade é que é essencial pensarmos duas vezes sobre o tema. A ideia de que devemos satisfazer as nossas necessidades sem colocarmos em risco a satisfação das necessidades das gerações futuras parece ser demasiado óbvia para dar lugar a um princípio mas vejamos a questão do seguinte prisma:
O planeta Terra existe há milhares de milhões de anos, bem como a existência de vida que surgiu "pouco" depois. O planeta foi, ao longo de todo este tempo, evoluindo, desenvolvendo-se e diversificando sem nunca perder a capacidade de sustentar a vida. No entanto, o ser humano, num "curto" espaço de tempo da sua existência no planeta, "quebrou" essa harmonia que existia até então, desde logo com o desenvolvimento da agricultura, que influenciou directamente e desde logo os solos e as águas e, mais tarde, com o inicio da civilização e seu consequente (ou deveremos dizer antes "inconsequente", numa outra acepção da palavra?) crescimento e desenvolvimento a velocidades vertiginosas. Esta evolução foi sem dúvida um enorme benefício para a humanidade em vários campos, como a economia, a medicina, a tecnologia  e muitos outros, no entanto influenciou negativamente a Terra  de uma forma que nenhuma outra forma de vida tinha feito anteriormente, afectando tanto o ambiente como a quantidade e a qualidade de outras formas de vida.
Tendo em conta estas ameaças ambientais provocadas pelo Homem, existe a necessidade de novas políticas que promovam o desenvolvimento económico, mas que, por outro lado, tenham em conta estes factores e que se preocupem com os mesmos.
É assim que surge o "desenvolvimento sustentável", que tem precisamente como função proporcionar e promover o desenvolvimento humano (qualidade de vida, tecnologia e sociedade em geral) mas atendendo a uma distribuição justa de recursos naturais, que, por sua vez, também proporcionam qualidade de vida, de um outro prisma.
Assim, o objectivo deste princípio do "desenvolvimento sustentável" é precisamente encontrar um "equilíbrio" perfeito, do ponto de vista de vários factores (ambientais, económicos e culturais) entre a satisfação das necessidades presentes e a possibilidade de satisfação das necessidades futuras, com vista à desaceleração do processo de destruição ao qual o planeta tem vindo a ser sujeito pelas mãos do Homem e que lhe está a retirar a sua capacidade intrínseca de sustentar a vida.


Como concretizar o conceito?

Em primeiro lugar, cada um de nós tem que saber "fazer a sua parte", isto é, esta é (ou pelo menos deve ser) uma preocupação de cada um de nós enquanto indivíduos e não um tema que apenas importa à sociedade como um todo. Um clássico e simples exemplo disto é a reciclagem: se cada um de nós fizer a sua parte, as consequências são gigantescas, no entanto não chegaremos a lado algum se cada um continuar a pensar: "não sou eu que farei a diferença".
Com isto não se quer defender, de todo, que o único caminho é, cada um de nós, enquanto indivíduo, fazer a sua parte. São também as entidades públicas que devem prosseguir estes fins, começando por adoptar medidas, principalmente de prevenção, para reduzir estes efeitos. Passemos a dar alguns exemplos de pequenos passos que podem mudar em muito a mentalidade e a actuação individual, mas que apenas é possível se for incentivada ou criadas as condições para tal:

- Educação ambiental das crianças nas escolas - É extremamente importante que as crianças sejam incentivadas desde cedo a não terem comportamentos lesivos do meio ambiente, como deitarem lixo na rua, ou a terem comportamentos positivos neste sentido, como por exemplo fazerem a reciclagem;
- Criação de ciclovias - Se for promovida a criação de ciclovias nas grandes cidades e os utilizadores de carros incentivados a utilizarem-nas, a poluição será muito inferior;
- Carpooling - Aqui pode não existir uma intervenção tão directa por parte das entidades públicas mas é um conceito que podia, pelo menos, ser muito mais divulgado em Portugal, pois apesar de ser melhor para o ambiente (pois permite a circulação de menos veículos) tem também o incentivo financeiro para os particulares;
- Controlo apertado da emissão de poluição.

Estes são apenas alguns dos infinitos exemplos de práticas, por vezes muito simples e até benéficas directamente para o indivíduo que podem ser tidas em conta para, no mínimo, atrasar o processo de degradação do nosso planeta.
O princípio da sustentabilidade aplica-se desde um único indivíduo, a uma pequena comunidade, a uma pequena fábrica, a uma grande empresa, ao planeta inteiro. E é esta a ideia que temos que ter em mente para ser possível avançarmos para a mudança.
Outra ideia que é extremamente necessária reter é a frase que imortalizou Lavoisier: "Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.", a partir daqui somos nós que escolhemos no que é que queremos "transformar" a nossa intervenção na Natureza, pois algo que é essencial para que seja possível o desenvolvimento sem destruição, é o reaproveitamento dos bens.


Conclusão

Com a crescente preocupação com as questões que estão em causa, como por exemplo a perda da biodiversidade ou as alterações climáticas, o ambiente assume particular importância nos temas centrais da União Europeia, que tem como um dos seus objectivos atingir níveis de elevada protecção relativamente a estes aspectos, de forma a contribuir para questões como a saúde pública, a utilização prudente e racional de recursos naturais e a preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente.

No entanto, além destes aspectos e das sugestões acima apresentadas, é essencial a alteração de mentalidade de cada indivíduo, é necessário que surja um novo paradigma económico que permita conciliar a continuação de um forte crescimento mas que, ao mesmo tempo, obrigue este a ir ao encontro das limitações ecológicas do planeta, para evitarmos que o ego humano permita que o "viver agora com qualidade" retire às gerações futuras essa mesma possibilidade.
Assim, há que reter os seguintes conceitos, nos quais se baseia o desenvolvimento sustentável: satisfação das necessidades básicas e continuação da qualidade de vida, solidariedade e preocupação com as gerações futuras, participação e promoção pela parte de todos e cada um de nós tanto nas nossas acções diárias como na consciencialização dos outros acerca da importância do respeito pelo ambiente e da preservação dos recursos naturais.



Telma Silva
18431


Mecanismos Voluntários de Protecção Ambiental



Rótulo ecológico
            1. Apontamento histórico
O Sistema de Atribuição do Rótulo Ecológico (SCARE I) foi criado em 1992, pelo Regulamento (CEE) 880/92, de 23 de Março de 1992. Tinha como objectivos: 1) criar um sistema comunitário de atribuição do rótulo ecológico facultativo, destinado a promover produtos com um impacto ambiental reduzido e; 2) fornecer aos consumidores informações exactas e cientificamente estabelecidas relativas ao impacto ambiental dos produtos.

O Regulamento (CE) 1980/2000 de 17 de Março de 2000, surge na sequência de o Regulamento anterior prever, no seu artigo 18º, uma cláusula que estabelecia que após a entrada em vigor deste, ao fim de cinco anos, a Comissão deveria examinar o sistema, tendo em conta a experiencia adquirida à luz do SCARE I. O Regulamento (CE) 1980/2000 procedeu à revogação do anterior, nos termos do seu artigo 19º.
Este regulamento foi posteriormente revogado pelo Regulamento (CE) 66/2010, de 25 de Novembro de 2010, e que se encontra agora em vigor.

            2. Regime geral
O rótulo ecológico consiste numa modalidade de prestação de informações e orientações aos consumidores de forma a «promover produtos susceptíveis de contribuir para a redução de impactos ambientais negativos, por comparação com outros produtos do mesmo grupo, contribuindo, deste modo, para a utilização eficiente dos recursos e para um elevado nível de protecção do ambiente» (artigo 1º/1º do Regulamento 198/2000 de 17/07/2000).

As características do Sistema do Rótulo Ecológico Comunitário que se destacam são as seguintes: 1) voluntário (o produtor decide da apresentação ou não de candidatura); 2) selectivo (premeia os produtos com menor impacto ambiental); 3) multicritério (a sua atribuição supõe a verificação de um conjunto alargado de critérios que têm como objectivo limitar os principais impactos ambientais ao longo de todo o ciclo de vida do produto); 4) atribuição independente (a candidatura é avaliada por entidades independentes); 5) dimensão europeia (trata-se de um símbolo de excelência ambiental reconhecido em todos os Estados-Membros).




Os bens abrangidos por este mecanismo são, essencialmente, bens de consumo corrente (com excepção de medicamentos) e serviços (artigo 2º/1º e 2º do Regulamento (CE) 66/2010).

O sistema de atribuição do rótulo ecológico europeu permite, então, aos consumidores europeus identificar os produtos ecológicos oficialmente aprovados em toda a União Europeia (e ainda, Noruega, Liechtenstein e Islândia). A atribuição faz-se mediante critérios que tem em conta vários aspectos de impacto ambiental.

Os critérios que permitem a atribuição do Rótulo Ecológico baseiam-se em estudos científicos e em consultas alargadas no âmbito do Comité do Rótulo Ecológico da União Europeia (CREUE). Este Comité é composto pelos organismos competentes dos Estados-Membros (em Portugal é a Direcção Geral das Actividades Económicas), representantes de ONG ambientais, associações industriais e de consumidores, sindicatos e representantes de PME e do comércio – artigo 5º do Regulamento (CE) 66/2010.

Estes critérios baseiam-se em aspectos que têm em conta o consumo de energia, a poluição da água e do ar, a produção de resíduos, a gestão sustentável dos recursos naturais, a poluição sonora e dos solos, prevenção do aquecimento global, protecção da camada de ozono, segurança ambiental e, ainda, em critérios de desempenho – artigo 6º do Regulamento (CE) 66/2010. Para além disso, os critérios para cada grupo de produtos são definidos em função do ciclo de vida dos mesmos, ou seja, identifica os seus efeitos no ambiente em cada fase do seu ciclo de vida, desde da extracção de matérias-primas até à eliminação final, passando pelos processos de transformação, de distribuição, que inclui a embalagem, e a utilização.
Trata-se de um sistema selectivo, uma vez que o rótulo ecológico só é concedido a produtos com impacte ambiental reduzido, sendo os critérios fixados de forma a abranger, no máximo, 30% dos produtos disponíveis no mercado.
Os critérios para um grupo de produtos devem ser aprovados pelos Estados-Membros e pela Comissão Europeia, por maioria qualificada, antes de ser utilizados na atribuição do rótulo ecológico, podendo ser revistos reforçados em função do mercado e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, por forma a garantirem a melhoria do desempenho ambiental dos produtos que contemplam o rótulo ecológico – artigo8 do Regulamento (CE) 66/2010 e Anexo I. Após a adopção dos critérios a serem utilizados, segundo o procedimento previsto no ponto A. do Anexo I do Regulamento (CE) 66/2010, os fabricantes ou importadores que desejem candidatar-se ao rótulo ecológico devem contactar um organismo competente nacional e apresentar provas de que os seus produtos satisfazem os critérios impostos.

A atribuição do rótulo ecológico, prevista no artigo 9º, é presidida por duas fases. Na primeira, temos o contacto por parte do fabricante, importador ou retalhista ao organismo nacional competente, dado que este sistema é um sistema voluntário. Nesta primeira fase, o interessado preenche um formulário de candidatura, paga a respectiva taxa – ponto 1º, anexo III – e fornece todos os elementos necessários à comprovação de que o seu produto preenche os critérios.
Na segunda fase, o organismo competente nacional vai avaliar a candidatura e se os requisitos estiverem preenchidos, informa a Comissão Europeia da atribuição, que, posteriormente, publica a atribuição do rótulo ecológico no site da Web.
Após a atribuição, a empresa paga uma taxa anual pela utilização do rótulo ecológico, que está fixada em € 1.500,00 – ponto 2º, anexo III –, não podendo exceder, no caso pequenas e médias empresas, € 750,00, e das micro-empresas,  € 350,00.

3. O rótulo ecológico e os actos administrativos
A relação jurídica duradoura do rótulo ecológico inicia-se com um acto administrativo de atribuição da eco-etiqueta, na sequência de um pedido apresentado pelo respectivo fabricante (artigo 9º do Regulamento (CE) 66/2010), à qual se segue a celebração de um contrato com o particular, que estabelece as «condições de utilização do rótulo» e as «condições relativas à revogação de amortização do título» (artigo 9º/8 do Regulamento (CE) 66/2010 e Anexo IV). Existe, depois, um conjunto de actuações administrativas informais, prolongadas no tempo, que se destinam a intervir sobre o mercado de produção e de consumo de bens, promovendo o rótulo ecológico através de campanhas de sensibilização junto dos consumidores, comerciantes, produtores, retalhistas e grande público (artigo 12º) e, além disso, também se destinam a fiscalizar o mercado e controlar a utilização do rótulo ecológico (artigo 10º).
Assim, estamos perante uma combinação de um acto administrativo com um contrato e uma multiplicidade de actuações administrativas informais, que vão desde o controlo da qualidade dos bens à promoção do rótulo ecológico.


Ecogestão e sistema de auditorias (EMAS)
1. Apontamento histórico
A primeira norma a regular a matéria do sistema de ecogestão e de auditorias, surgiu em 1993 – Regulamento (CEE) 1836/1993 de 29 de Junho.
Em 1997, começou o impulso para a criação de uma nova regulamentação, que consistiu num alargamento do âmbito de aplicação do EMAS, na adopção do logótipo EMAS, no reforço do papel da declaração ambiental, na consideração mais completa dos efeitos indirectos, na integração do ISSO 14001 e no envolvimento dos trabalhadores.
Foi, então, em 2001 que surgiu o novo Regulamento 761/2001 de 19 de Março, que institui o Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria (EMAS), que tinha como objectivos a avaliação e a melhoria do comportamento ambiental das organizações e a prestação de informações relevantes ao publico e outras partes interessadas.
Este regulamento foi revogado pelo Regulamento (CE) 1221/2009 de 25 de Novembro de 2009, nos termos do seu artigo 51º, com o fim de envolver mais organizações e com o objectivo de promover o desempenho ambiental das organizações.

2. Regime legal
O EMAS é um mecanismo voluntário que, segundo o artigo 1º do Regulamento 1221/2009, «visa promover a melhoria contínua do desempenho ambiental das organizações mediante o estabelecimento e implementação pelas mesmas de sistemas de gestão ambiental, a avaliação sistemática, objectiva e periódica do desempenho de tais sistemas, a comunicação de informações sobre o desempenho ambiental e um diálogo aberto com o público e com outras partes interessadas, bem como a participação activa do pessoal das organizações e a sua formação adequada».
Assim, temos que o EMAS se distingue do REC, uma vez que o segundo se destina a produtos (bens e serviços) e o primeiro dirige-se a organizações interessadas em melhorar o seu comportamento ambiental.
As organizações abrangidas integram sociedades, pessoas colectivas, empresas, autoridades ou instituições, situadas dentro ou fora da Comunidade, ou parte ou uma combinação destas entidades, dotada ou não de personalidade jurídica, de direito publico ou privado, com funções e administração próprias – artigo 2º/21º
Assim, sendo um mecanismo voluntário, o procedimento para quem uma organização fique registada neste sistema, começa com o pedido do registo (artigo 5º). Nos termos do artigo 4º, os actos prévios a este registo devem consistir: a) num levantamento de todos os aspectos ambientais da organização, de acordo com os requisitos dos Anexo I e Anexo II, ponto 4.3; b) tenho em conta os resultados do levantamento, implementar um sistema de gestão que abranja todos os requisitos do Anexo II e tenha em conta as melhores práticas de gestão ambiental, nos termos do artigo 46º/1º; c) realizar uma auditoria interna, segundo o Anexo II, ponto A.5.5 e Anexo III; d) elaborar uma declaração ambiental, nos termos do Anexo IV e do artigo2º/18.

O pedido de registo é efectuado nos termos do artigo 5º, e deve ser feito ao organismo competente nacional (artigo 3º), que em Portugal é a Agencia Portuguesa do Ambiente (APA, IP), de acordo com os artigos 2º e 6º/1 a) do DL. 95/2012. Este pedido deve conter os elementos referidos no artigo, nomeadamente: a) a declaração ambiental validada em formato electrónico ou impresso; b) a declaração de validação emitida pelo verificador ambiental; c) o formulário com as informações constantes do Anexo VI preenchido; d) a prova de pagamento de taxas, se aplicável.
Depois do registo, de três em três anos, a organização registada tem algumas obrigações que deve cumprir, segundo o artigo 6º, como a verificação de todo o sistema de gestão ambiental e do programa de auditoria e a elaboração da declaração ambiental. Tem também algumas obrigações nos anos intercalares, nomeadamente, a realização de auditorias internas e o envio de declaração ambiental validada.
As pequenas organizações, podem ver o prazo de 3 anos alargado para 4 e o das obrigações intercalares, que é anual, para dois anos, segundo o artigo 7º, desde que o verificador ambiental tenha concluído que não existem riscos ambientais significativos, que não se prevê alterações substanciais nos termos do artigo8º e que não existem problemas ambientais locais significativos.

Quanto aos verificadores ambientais, de acordo com o artigo 2º/20º, estes podem ser: a) um organismo de avaliação, tal como definido no Regulamento (CE) 765/2008, ou qualquer associação ou grupo de pessoas singulares ou colectivas que tenha obtido acreditação; b) qualquer pessoa singular ou colectiva, associação ou grupo de pessoas singulares ou colectivas, que tenham obtido autorização para proceder a uma verificação e validação. As referidas autorizações ou acreditações são feitas pelos órgãos nacionais competentes (artigo20º), que no caso de Portugal é o Instituto Português de Acreditação (IPAC, IP), segundo o DL 95/2012. Para que poder ser verificador ambiental, é necessário seguir os requisitos do artigo 20º, nomeadamente proceder ao pedido (nº1), fazendo prova da sua competência para proceder às verificações (nº2), tendo em atenção as alíneas presentes nesse numero, e ainda demonstrando um aperfeiçoamento profissional continuo nos domínios do numero anterior (nº3).
Nos termos do artigo23º e do 7º do DL. 95/2012, cabe ao IPAC proceder à supervisão dos verificadores ambientais em Portugal.
Os verificadores têm as funções estabelecidas no artigo 18º, das quais podemos destacar, a título exemplificativo: o cumprimento pelas organizações dos requisitos em matéria de levantamento ambiental, do sistema gestão ambiental, das auditorias; a fiabilidade das declarações e auditorias; e proceder à verificação para preparação do registo dos requisitos estabelecidos no nº5, e para renovação do registo, os requisitos do nº6 e 7º.

Para além destes aspectos, podemos destacar que no EMAS existem também obrigações dos Estados Membros, nomeadamente de assistência às organizações para o cumprimento dos requisitos legais (artigo 32º), de promoção do EMAS através de várias actividades (artigos 33º e 35º), de informação, tanto ao público como às organizações (artigo 34º). Têm também competência para proceder à aplicação de sanções em caso de incumprimento do Regulamento ou em caso de utilização indevida do logótipo do EMAS (art.40º).


3. Ecogestão e sistema de auditorias e os actos administrativos
São um exemplo de actos da administração pública (artigo 120º CPA), na sua vertente de operações materiais – de criação, promoção, manutenção e informação -, integrando os mecanismos de mercado e implicando a utilização de meios informais e consensualizados de actuação administrativa.

A participação nestes mecanismos compreende dois momentos: a) actuação da entidade económica privada aderente, através da sua submissão a um conjunto de condições de organização e de funcionamento e com o compromisso de melhorar a sua gestão ambiental; b) actividade administrativa de informação, promoção e controlo da adequação das entidades a esse sistema.

Tarefas administrativas no âmbito destes sistemas:
1. Acreditar os verificadores ambientais independentes e supervisionar as suas actividades (Artigo 4º Regulamento 761/2001/CE de 19/03/2001)
2. Proceder ao registo das entidades económicas aderentes, assim como efectuar o seu cancelamento ou suspensão (artigo 5º e 6º do Regulamento 761/2001/CE de 19/03/2001)
3. Divulgar e promover a participação no sistema de ecogestão e auditoria, visando pequenas e medias empresas, através de fundos de apoio, acesso a instituições públicas ou a concursos públicos e, ainda, medidas de assistência técnica (artigo 12 Regulamento 761/2001/CE de 19/03/2001)
4. Fiscalizar e sancionar as entidades aderentes, em caso de incumprimento das regras do sistema de gestão ambiental (Artigo 13º Regulamento 761/2001/CE de 19/03/2001)

Outros instrumentos
Como outros instrumentos de mercado voluntários de protecção ambiental, temos: 1) o mercado de resíduos; 2) o mercado de licenças e concessões e de cedências temporárias de títulos de utilização do domínio hídrico; 3) o mercado de créditos da biodiversidade.
           
1. Mercado de resíduos
Este mercado foi criado pelo DL 210/2009 de 3 de Setembro, e pretende ser um modelo de agilização da negociação de vários tipos de resíduos, tendo em vista a sua valorização e reintrodução no mercado, de forma a diminuir a procura de matérias-primas e promover a modernização tecnológica.
O mercado é constituído por plataformas de negociação, acreditadas pela APA (artigo 3º), que consistem em entidades de direito privado, designadas de entidades gestoras (artigo 4º). Estas plataformas, nos termos do artigo 5º, são plataformas electrónicas, que suportam a negociação de resíduos, mediante o processamento de consultas ao mercado, de indicações de interesse e de transacções.

2. Mercado de licenças e concessões e de cedências temporárias de títulos de utilização do domínio hídrico
A sua criação está prevista no artigo 72º/4º da Lei 58/2005 e regulamentada não DL 226-A/2007, artigo 27º/8º, desde que respeitados os princípios da publicidade e livre concorrência. Os requisitos para a criação deste mercado estão previstos no artigo 27º/1º do DL 226-A/2007 e são: a) reportarem-se a utilizações situadas em diferentes locais dentro da mesma bacia hidrográfica e para as quais esteja prevista essa possibilidade no respectivo plano de gestão de bacia hidrográfica; b) a transacção ou cedência não pode envolver a transmissão de títulos de utilização relativos a abastecimento público para utilizações de outro tipo; c) estarem cumpridos os requisitos para atribuição do título de utilização.

3. Mercado de créditos da biodiversidade
A sua implementação nos termos dos artigos 2º/2º e) e 2º/3º do DL 171/2009 de 3 de Agosto, foi impulsionada pela tomada de posição da Comissão Europeia no Green paper on market-based instruments for environment and related policy, no qual se propricia a transmissão de créditos de biodiversidade de operadores que forneçam serviços ambientais a operadores que pretendam realizar intervenções lesivas cujo interesse socio-economico justifique o prejuízo ambiental. Deverão ser mercados múltiplos, e não únicos, criados dentro de cada unidade contínua de biodiversidade.


Conclusão
Depois de analisados os regimes legais acima referidos, podemos concluir que Portugal dispõe de diversos mecanismos voluntários de protecção ambiental. Destes mecanismos são de destacar o Rótulo Ecológico e o EMAS, que permitem que, voluntariamente, se atribuam “rótulos” a produtos e organizações, que são sustentáveis e tentam minimizar o seu impacto ambiental, submetendo-se ao cumprimento de critérios e avaliações que têm inúmeros aspectos em conta, como a poluição sonora, dos solos e águas; a utilização equilibrada de recursos naturais; o impacto na camada do ozono; a emissão de gases e resíduos tóxicos.

Estes mecanismos consubstanciam, portanto, actos administrativos, no âmbito de uma administração “infra-estrutural”, na medida em que a regulação e planeamento substituem a intervenção do Estado na vida social e existem actos materialmente públicos que são praticados por entidades privadas.
Estes desenvolvem funções de sinalização informativa junto da comunidade, nomeadamente dos consumidores, uma vez que através deles os cidadãos podem exercer uma escolha livre e esclarecida acerca dos inúmeros produtos existentes no mercado, podendo optar por aqueles que permitem um desenvolvimento sustentável do ambiente.

Bibliografia

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012, pp. 170-175;

SILVA, Mário Tavares da, O Rótulo Ecológico Comunitário (REC) e o Eco-Management and Audit Scheme (EMAS).

Ensaio sobre a sua qualificação jus-administrativa, in RJUA, n.º 31-34, Janeiro/Dezembro 2009-2010, pp. 303-373;

SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 173 -178, 220-231;

O rótulo ecológico europeu em síntese (brochura da Comissão Europeia)

Procedimento de Registo das Organizações no Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria (EMAS) (Agência Portuguesa do Ambiente, SQ.E.O.01, maio de 2013)

Sites:






Rita Mordido, 20770


A Tutela Penal do Ambiente: o crime de poluição ao longo dos anos

1.     O Direito Penal do Ambiente: generalidades

A formulação de uma tutela penal do Ambiente vem sendo alvo de discussão ao longo dos anos, especialmente após a sua instituição expressa no Código Penal a partir de 1995, onde foram criadas três principais incriminações, a saber: o crime de danos contra a natureza (art. 278.º), o crime de poluição (art. 279.º) e o crime de poluição de perigo comum (art. 280.º).

Até 1995, era o Direito Administrativo e o Direito de Mera Ordenação Social que faziam as principais intervenções neste meio, o que de resto continua a acontecer, principal razão para a discussão que se faz nesta sede, ou por outra, será o ponto de partida para as discussões sobre a tutela ambiental penal.

No plano ambiental, tem-se assistido a um fraco recurso à resposta dada pelo Código Penal às actuações contrárias à lei, existindo uma acessoriedade deste em relação ao Direito de Mera Ordenação Social. De facto, o que se verifica é que, em face de uma actuação contrária à lei (ambiental), intervêm apenas as autoridades administrativas, proliferando a aplicação de coimas, ficando a tutela judicial para segundo plano. Uma das principais críticas feitas pela doutrina prende-se com a deficiente redacção dos artigos (na sua versão de 1995 que, como veremos, não foi a última), sendo os tipos penais demasiado abertos.1

De facto, a previsão dos crimes ligados à tutela do Ambiente no Código Penal mostrava-se complexa e difícil de enquadrar nos fins prosseguidos pela política ambiental, o que levantava a questão de sabermos se seria realmente necessário um Direito Penal do Ambiente, na medida em que o Direito de Mera Ordenação Social poderia dar uma resposta já eficiente nestas matérias, pela aplicação de coimas. Mais, tendo em conta os princípios da subsidiariedade e intervenção mínima do Direito Penal, vários Autores entenderam que, ainda que não se devesse pura e simplesmente afastar uma tutela penal do ambiente, esta deveria ser repensada e revista, de modo a servir melhor os fins específicos do Direito do Ambiente e a adequar-se melhor ao já existente meio de actuação do Direito Administrativo.2

O presente texto, contudo, não tem pretensões de maior aprofundamento ou sequer resolução do problema que acima se colocou, em termos algo simplistas. Na verdade, do que vamos tratar é de, em concreto, aferir da evolução histórica/dogmática do crime de poluição em concreto e, a final, fazer uma breve avaliação sobre a sua adequação a servir os fins da política ambiental, de modo a termos uma melhor percepção das soluções apresentadas pelo legislador para a discussão em torno deste ramo do Direito.

2.     O crime de poluição na redacção de 1995

O art. 66.º da Lei Fundamental, ao consagrar um direito fundamental a um “ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”, oferece uma legitimação material aos crimes previstos nos arts. 278.º, 279.º e 280.º CP, como defende a doutrina, embora não nos pareça ser aqui de entender que estamos perante uma visão antropocêntrica do bem jurídico ambiente, pois os arts. 278.º e 279.º punem a lesão do ambiente por si e não visam a protecção desse bem tutelando indirectamente valores das pessoas como a integridade física ou a saúde. A intenção do legislador em consagrar estes dois crimes foi a de, portanto, atribuir finalmente uma tutela penal efectiva às condutas ilícitas no âmbito do direito ambiental, embora se possa discutir a sua eficiência, como fazem vários Autores, como já acima indiciámos. O mesmo não pode ser dito do art. 280.º em que, aí sim, é relevada a visão antropocêntrica do bem jurídico ambiente, na medida em que pune quem, mediante conduta descrita no art. 279.º, crie “perigo para a vida ou para a integridade física de outrem”.

O bem jurídico tutelado no art. 279.º deve ser entendido como um bem jurídico complexo, que engloba vários interesses autónomos, como a qualidade do ar, da água ou do solo, tendo relevância entender em que medida merece cada um destes interesses uma tutela jurídica, para melhor compreender a incriminação aqui consagrada e as exigências de subsidiariedade que lhe podem ser associadas. De facto, os interesses que aqui se incluem neste bem jurídico complexo (ou de síntese) merecem uma tutela autónoma, mais que seja por via da Lei de Bases do Ambiente (LBA), que os enumera enquanto “componentes ambientais naturais”3, sendo que a Lei das Contra-ordenações Ambientais4 remete para os componentes ambientais naturais e humanos enumerados na LBA para concretizar as matérias a que dizem respeito as “disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente”, cuja violação constitui contra-ordenação ambiental (art. 1.º/2 e 3).

O art. 279.º, na sua fórmula de 1995, protege algumas destas componentes (água, solo, ar), punindo quem as contaminar nos termos definidos no artigo. No entanto, fá-lo apenas quando essa contaminação seja feita em “medida inadmissível”, sendo necessário recorrer ao n.º3 para concretizar essa expressão. Este número, por sua vez, remete-nos para “prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente em conformidade com as disposições legais ou regulamentares e sob a cominação de aplicação das penas previstas neste artigo”. A previsão da norma contém, portanto, uma conduta, que se traduz no acto de poluir (embora o artigo não concretize o conceito), uma norma penal em branco, na medida em que remete para limites concretizados em disposições legais e regulamentares, e um acto de desobediência em relação àquelas disposições.

Podemos desde logo, ao atentar na estrutura do crime apresentado, antever problemas práticos na sua aplicação: por um lado, a lei não define o conceito de “poluição”, que é por si de difícil definição; por outro lado, remete para disposições legais e regulamentares, entendidas, por certa doutrina, como normas abstractas – podem ser decretos, portarias… - e não actos administrativos concretos5, mas que a nosso ver exigem uma “intervenção concreta da administração a fazer a advertência ao agente poluidor”6, o que restringe o âmbito de aplicação deste tipo legal.

Quanto à classificação deste crime, a doutrina diverge entre as mais variadas classificações, desde um crime material de lesão, a um crime de perigo abstracto-concreto, a um crime perigo concreto, ou um crime de perigo abstracto com resultado autónomo. Da nossa parte, e não entrando em pormenor quanto à justificação das várias posições apresentadas ou quanto à dogmática da classificação dos crimes, não podemos deixar de ver no tipo legal do art. 279.º um crime de perigo abstracto-concreto: tendo em conta que o bem jurídico tutelado aqui é o ambiente, parece-nos ser excessivo que se forme uma presunção inilidível de perigo, o que de resto arrastaria consigo dúvidas sobre a sua constitucionalidade, por constituir uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico e estarmos no âmbito de um bem jurídico que, apesar da sua crescente importância, ainda não assume uma relevância fulcral (não obstante sermos da opinião de que deveria ter essa relevância), não é sempre possível identificar aqui o bem jurídico em causa e, mais importante neste caso, a conduta típica não está descrita de uma forma precisa e minuciosa, até porque estamos perante uma norma penal em branco.7 Assim, parece-nos ser de admitir que, nos casos do crime de poluição, embora se deva considerar, de um ponto de vista formal, que estamos perante um crime de perigo abstracto, pois o mero acto de poluição – que, de resto, continua a ser um conceito indeterminado que contribui para as diferentes classificações deste crime – deve ser suficiente para o preenchimento do tipo, pode acontecer que, no caso concreto, o bem jurídico não foi ou não poderia ter sido posto em perigo, pelo que deve a perigosidade ser objecto de um juízo negativo. Claro que, ainda assim, esta qualificação merece algumas reticências, visto que apenas podemos verdadeiramente determinar esta classificação no momento da aplicação do tipo.

Vistos os traços gerais do crime de poluição na sua redacção de 1995, vejamos em que medida a revisão de 2007 veio resolver os problemas levantados pela doutrina.

3.     O crime de poluição na reforma de 2007

A revisão de 2007 do Código Penal modificou o crime de poluição previsto no art. 279.º, alargando o seu âmbito de aplicação. Vejamos de que maneira.

Em primeiro lugar, o n.º1 do art. 279.º passa a admitir a “violação directa das disposições legais ou regulamentares em que estejam fixados limites e deveres para os operadores”.8 Na prática, existiu um alargamento do âmbito de aplicação do tipo legal, englobando muitas mais hipóteses de poluição do que aquelas incriminadas pela anterior redacção. Pegando em alguns dos exemplos dados por LUÍS BATISTA,9 está previsto o tipo legal do art. 279.º quando:

- Não se sujeite uma instalação de produção de adubos a avaliação de impacte ambiental, violando o art. 1.º/3 (em conjugação com o Anexo I/6, c)) do Decreto-Lei n.º69/2000, de 3 de Maio (Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental);

- Não sejam respeitados os valores-limite de exposição sonora previstos no art. 11.º do Decreto-Lei n.º9/2007, de 17 de Janeiro (Regulamento Geral do Ruído), com a utilização de aparelhos técnicos ou instalações;

- Alguém polua casualmente, por exemplo, por depósito de lixo em sítios indevidos, contaminando o solo, em violação de regulamentos municipais.

Assim, dá-se com esta revisão uma resposta à crítica apontada por diversos Autores, como LEONES DANTAS, o qual referenciámos supra, ampliando as situações de incumprimento às de violação directa de leis e regulamentos.

Quanto ao elemento objectivo poluição, este conceito indeterminado continua nessa mesma indeterminação desde a primeira redacção do artigo. Como podemos concluir, no caso concreto, que o agente poluiu o ar, a água, o solo?

Tendo em conta que poluir pode ser entendido como um acto ou um resultado, neste último existindo uma lesão ou, pelo menos, criação de perigo em relação aos componentes ambientais naturais, devemos chamar à colação o que acima dissemos sobre este crime ser um crime de perigo abstracto-concreto. Tomando apenas a parte que se refere a “poluição” no n.º1, para os efeitos da sua verificação, não se deve exigir, de todo, um dano, mas apenas a previsibilidade de criação de um perigo nos componentes aí referidos. Este perigo consistirá na afectação de um componente ambiental para pior, o que nos reconduz, aliás, ao conceito de “poluição” proposto por FREITAS DO AMARAL, com recurso aos artigos da LBA (antiga: Lei n.º 11/87, de 7 de Abril) sobre a poluição atmosférica, hídrica, do solo e subsolo, sonora (arts. 8.º, 10.º e 11.º, 13.º e 14.º, 22.º, respectivamente).10

Mas não basta, na fórmula de 2007, que o agente polua; ele tem de o fazer “de forma grave”. O que entender por “forma grave”?

O ponto de partida será o n.º3 do art. 279.º, que define o conceito por recurso a três alíneas que afirmam uma concepção antropocêntrica do tipo incriminador, visto que o agente actua de forma grave sempre que afecte, de algum modo, as pessoas, seja o seu “bem-estar na fruição da natureza” (alínea a)), seja impedindo, “de modo duradouro, a utilização de recurso natural” (alínea b)), ou seja criando “perigo de disseminação de microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas” (alínea c)).

Será de perguntar como se coaduna este n.º3 com o que dissemos supra sobre o tipo de crime aqui em causa – de perigo abstracto-concreto -, na redacção de 1995. De facto, ao ter sido acrescentado ao tipo incriminador uma exigência de actuação do agente ao poluir “de forma grave”, com a adição deste n.º3, deve ser de entender que possamos estar aqui perante um crime de perigo concreto, agora. Vejamos porquê: por um lado, a própria redacção do artigo e, em especial, do n.º3 não nos diz especificamente que seja exigido um dano, mas sim que exista, de alguma forma, a criação de um perigo, pelo que não será um crime de dano. Por outro lado, as alíneas do n.º3 não enumeram, a nosso ver, casos específicos em que existe um acto de poluição “de forma grave”. São, de certa forma, algo vagas, na medida em que recorrem a expressões como “prejudicar”, “impedir”, “criar o perigo”, que são por si conceitos algo indeterminados. No entanto, esta enumeração reduz o leque de casos em que a poluição é feita de forma grave, concretizando, de certa forma, o conceito de “poluição” também, que acima dissemos ser vago. Ao exigir que o agente actue dentro dos casos previstos nas alíneas, o preceito acrescenta um segundo nexo de imputação ao ilícito penal, para além do desrespeito por valores ou obrigações constantes de leis, regulamentos ou impostos por actos administrativos. Logo, deve entender-se estarmos, agora, perante um crime de perigo concreto, sendo exigível a efectiva criação de perigo (os casos que se retiram das alíneas do n.º3) para a verificação do tipo, sendo remetido para o juiz essa análise, no caso concreto, recorrendo em especial à prova pericial para o fazer.

Ainda que com avanços, notados pela doutrina, em relação à primeira redacção do art. 279.º, este crime não acautelava, ainda assim, de forma eficaz, a tutela penal do ambiente, sendo de lhe aplicar na mesma as críticas que haviam sido feitas à redacção anterior, de uma má redacção dos artigos, que resultava na erosão do Direito Penal e da sua quase inutilidade em face do Direito Administrativo Sancionatório.

4.     A alteração de 2011; Conclusões

A redacção do art. 279.º sofreu ainda mais uma alteração, com a Lei n.º 56/2011, de 15 de Novembro. O que há de diferente no crime de poluição?

A principal diferença que consideramos relevante notar nesta nova redacção é a supressão do conceito de poluir “de forma grave”, para vermos agora que é punido quem “provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes, causando danos substanciais”. O n.º2 pune ainda quem simplesmente cause “danos substanciais à qualidade do ar, da água, do solo, ou à fauna ou à flora”, enumerando quatro situações em que se considera existir danos substanciais com a actuação do agente.

O n.º3 dá relevância penal às situações em que as actuações descritas nos números anteriores sejam “susceptíveis de causar danos substanciais”, os n.ºs 4 e 5 relevam a conduta negligente e o n.º6 concretiza o conceito de “danos substanciais”, desta vez não recorrendo apenas a danos à saúde ou bem-estar das pessoas, mas também a danos que afectem tão somente os animais e o ambiente, num claro reconhecimento da protecção do Ambiente em si mesmo, por recurso a uma visão ecocêntrica, o que é, desde logo, de saudar.

Na medida em que seja exigido, na redacção actual, a criação de “danos substanciais”, é de rever tudo o que ficou acima dito sobre o tipo de crime em causa neste crime de poluição. O legislador parece ter optado expressamente por uma referência à expressão “danos”, pelo que se exige agora, não só a criação de perigo, mas a efectiva verificação de danos ao ambiente. Estamos então, na nossa opinião, perante um crime de dano, por um lado, visto que “a realização do tipo incriminador tem como consequência uma lesão efectiva do bem jurídico”,11 o que acontece quer se veja o bem jurídico ambiente de um ponto de vista antropocêntrico ou ecocêntrico, na medida do que acima dissemos sobre a inclusão nas alíneas do n.º 6 de danos causados a pessoas indirectamente ou ao Ambiente em si. Por outro lado, podemos admitir que exista aqui também um crime de mera actividade, visto que o agente lesa o bem jurídico ambiente, causando danos substanciais, através de uma actividade: a poluição.

Tudo dito, resta-nos tecer alguns comentários finais no que respeita a este crime e às suas sucessivas alterações, com especial atenção nesta última que descrevemos em traços gerais apenas.

É da nossa opinião que as sucessivas alterações ao crime de poluição, embora aperfeiçoando cada vez mais o tipo legal, continuam a deixar lugar à principal crítica que sempre foi feita, em geral, à tutela penal do ambiente. Parece-nos continuar a ser mais comum o recurso ao Direito de Mera Ordenação Social para resolução destes casos do que, propriamente, ao Direito Penal. Não que isso seja de todo mau, visto que existe obrigatoriamente uma acessoriedade do Direito Penal em relação ao primeiro, o que importa o esgotamento de todas as vias até à efectiva aplicação de penas criminais aos agentes.

Mas, ainda assim, cremos que uma possível maior aplicação destes crimes a agentes cuja actuação preencha os requisitos, agora em especial, do art. 279.º, poderia permitir que se levasse mais a sério a tutela do ambiente e a relevância que este bem jurídico deve ter no nosso ordenamento jurídico. Não somos, em geral, apologistas de “penas exemplares”, mas deve ser dado a estes crimes uma aplicação prática efectiva, o que passa também por análises no âmbito do Direito Processual Penal, o que não constituiu tema deste nosso texto.12

De todo o modo, não consideramos que devam ser retirados do Código Penal a previsão dos crimes ambientais, mas apenas um seu contínuo aperfeiçoamento, que beba dos ensinamentos doutrinais sobre o tema, para que, eventualmente, possamos ter uma tutela penal do ambiente eficaz e efectiva.


1 vid. LUÍS BATISTA, O crime de poluição antes e depois da revisão do Código Penal de 2007, in O Direito, 6, 2011, pág. 231 e FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Sentido e Limites da protecção penal do ambiente, in Direito penal económico e europeu: textos doutrinários, vol. 3, Coimbra, 2009, pág. 598-599.
2 Neste sentido, FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Sentido e Limites, cit., págs. 600-602 e MARIA FERNANDA PALMA, Direito Penal do Ambiente – Uma primeira abordagem, in Direito do Ambiente (coord. Freitas do Amaral/Marta Tavares de Almeida), Lisboa, INA, 1994, págs. 432-433.
3 Na nova LBA, Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril, o art. 10.º enumera os componentes protegidos pela política ambiental, que correspondem a alguns daqueles protegidos com a incriminação do art. 279.º.
4 Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.
5 vid. GERMANO MARQUES DA SILVA, A tutela penal do ambiente, in Estudos de Direito do Ambiente, Porto, UCP, 2003, págs. 16-17.
6 vid. LEONES DANTAS, A Poluição no Código Penal Português, disponível em: http://siddamb.apambiente.pt/publico/documentoPublico.asp?documento=9289&versao=1
7 Conceito e critérios de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, págs. 309-310.
8 A expressão é de LUÍS BATISTA, O crime de poluição…, cit, pág. 205.
9 Ob. cit., págs. 205-207.
10 vid. FREITAS DO AMARAL, Lei de Bases do Ambiente e Lei das Associações de Defesa do Ambiente, in Direito do Ambiente, Lisboa, INA, 1994, pág. 369 ss.
11 JORGE FIGUEIREDO DIAS, cit., pág. 309.
12 A este respeito, vid. HELOÍSA OLIVEIRA, Eficácia e Adequação na tutela sancionatória de bens ambientais, orient. Paulo Sousa Mendes, Relatório de estágio de mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais (Direito Penal e Contra-ordenacional do Ambiente), Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2009, em especial págs. 23 e segs.


Diana Rosa, aluna n.º 20820