domingo, 13 de abril de 2014

Os crimes ambientais – artigos 278º e 279º do Código Penal


Parte Geral

A Constituição da República Portuguesa consagra o Direito ao Ambiente no seu artigo 66º, tendo o mesmo uma vertente negativa e uma vertente positiva. A primeira consiste numa abstenção por parte do Estado e dos particulares de acções ambientais nocivas, e a segunda refere-se à obrigação de o Estado defender o ambiente e controlar as acções poluidoras.
O meio ambiente é definido como “a manutenção das propriedades do solo, do ar e da água, bem como da fauna e da flora e das condições ambientais de desenvolvimento das espécies, de tal forma que o sistema ecológico se mantenha com os seus sistemas subordinados e não sofra alterações prejudiciais”[i].
“A conceptualização do bem jurídico ambiente, mais correctamente "qualidade do ambiente", como algo com autonomia e que não se reduza à atomização doutros bens jurídicos, passa pela sua consideração como bem difuso que se apresenta de modo informal”.[ii] O que se pretende é assegurar um ambiente com determinada qualidade, porém, esta é uma tarefa difícil dado que não existe um critério universal e visto que o mesmo está sujeito a factores externos como a sensibilização das populações.


Justificação da intervenção penal

A intervenção do direito penal na área ambiental justifica-se por motivos de dignidade penal dos comportamentos – é uma questão de legitimação, na medida em que tem que existir um consenso sobre a gravidade das lesões em causa. Esta intervenção deve ser necessária, já que é subsidiária (e acessória ao direito administrativo), pelo que também deve ser eficaz.
Nesta medida, visa-se também a promoção de uma postura ética perante um interesse social, que é a conservação e preservação do ambiente natural.
Para além destas preocupações e necessidades, a intervenção penal está ainda relacionada com a criminalidade “white collar” e das empresas, que facilmente cobrem as sanções pecuniárias, devendo ser imposta uma maior responsabilização destes agentes.


Os artigos 278º e 279º do Código Penal

O artigo 278º do Código Penal (de ora em diante, CP) consubstancia um crime de dano, estando aqui em causa o bem jurídico “qualidade da natureza”, onde se inclui a fauna, a flora e os recursos do subsolo. Porém, há autores[iii] que consideram que o legislador não deve exceder a sua tarefa no que toca à defesa dos bens jurídicos e, por isso, se deve considerar fora do elenco dessas mesmas tarefas a promoção da qualidade do ambiente e também que o Direito Penal só deve intervir quando a actuação do agente se revele particularmente grave.
Aqui, pretende evitar-se o desaparecimento das espécies e de recursos abióticos, o que se consubstancia um interesse comum à população contemporânea, mas também se consubstanciam numa responsabilidade perante as gerações futuras de não as privar dos recursos naturais ainda disponíveis.
O crime de dano contra a natureza é cometido nas seguintes situações: a) eliminação, destruição ou captura de exemplares de espécies protegidas da fauna ou da floraa selvagens ou eliminação de exemplares das mesmas em número significativo; b) destruição ou deterioração significativa do habitat natural protegido ou habitat natural, tendo como consequência a perda de espécies protegidas da fauna e da flora selvagens ou em número significativo; afectar gravemente recursos do subsolo.
Para que o comportamento do agente seja considerado crime para efeitos do artigo 278º CP, tem que: i) preencher o tipo legal, ou seja, a destruição ou eliminação da espécie natural, ou outro comportamento danoso do ponto de vista ambiental, e ii) violar disposições legais ou regulamentares de caracter administrativo. Este último requisito faz com que se fale numa acessoriedade do Direito Penal face ao Direito Administrativo e que se refira a questão das normas penais em branco.
A acessoriedade surge, na medida em que, o direito penal passa a ter como função punir infracções de direito administrativo que protegem o ambiente. A questão das normas penais em branco é colocada, dado que a determinação do conteúdo das normas passa a depender do recurso a leis e regulamentos não penais.
Sendo o artigo 278º CP um crime de desobediência, a Professora Paula Ribeiro de Faria salienta a questão da eficácia das normas de direito administrativo sobre a tipicidade do comportamento do agente no âmbito do direito penal. Assim, preconiza três hipóteses: 1) a eficácia do acto administrativo é determinante – o agente, de acordo com as disposições legais ou regulamentares, carece, para poder actuar, de uma autorização, que lhe é indevidamente atribuída pela administração, o que faz com que deixe de existir uma tipicidade da força executiva do acto, pelo que não sendo válida a actuação, não se pode correctamente afirmar que o agente actuou contra as referidas disposições. 2) a validade do acto administrativo é apreciada segundo critérios de direito penal (critério da danosidade social), sendo consideraros inválidos aqueles actos que o seriam à luz do direito administrativo, como aqueles que se “opõem às valorações do direito penal”. Assim, nem todos os actos administrativos eficazes seriam susceptiveis de afastar a consideração do tipo legal. 3) A punibilidade do agente iria depender da validade do acto administrativo, que terá de ser avaliada unicamente sob um ponto de vista administrativo.
A conduta do agente deve ser lesiva do meio ambiente segundo normas legais ou regulamentares, pelo que se a sua observância impuser a existência de uma licença ou de uma autorização da autoridade administrativa, “o tipo legal só não será preenchido se a agressão tiver lugar com base numa autorização válida ou para quem o considerar suficiente, eficaz”.
O 278º/2º CP faz referência a um novo comportamento: a comercialização ou detenção para comercialização dos elementos acima referidos, podendo suscitar dúvidas, que não iremos desenvolver, no que se refere à aquisição de certos animais para jardins zoológicos ou circos.[iv]

Quanto ao artigo 279º CP, este consubstancia um crime de poluição de água, solo, ar e de poluição sonora ou de degradação da qualidade destes componentes ambientais. Trata-se, aqui, do bem jurídico ambiente, enquanto interesse geral da sociedade. Assim, os critérios politico-criminais de necessidade justificam a intervenção penal nos atentados ao ambiente, obedecendo a razões de subsidiariedade.
Também neste tipo de ilícito criminal existe a exigência de violação de disposições legais ou regulamentares que definam os valores e a natureza das emissões e imissões poluentes que são consideradas intoleráveis e que imponham aos agentes poluidores, através de prescrições ou limitações, o respeito por esses valores[v]. Mais uma vez, estamos perante uma questão de acessoriedade do direito penal face ao direito administrativo.
É questionado se se trata de um crime de dano ou de desobediência.[vi] A componente do dano consubstancia-se no facto de a poluição ser separável do comportamento. A componente da desobediência traduz-se no desrespeito pelas prescrições e limitações impostas pelas autoridades administrativas.
O Autor (José Souto Moura) considera que o artigo 279º secundariza a desobediência. Na medida em que a prevê apenas como mera possibilidade de preenchimento do tipo. Assim, a componente de dano torna-se mais expressiva, sendo este um crime de dano, ainda que com uma componente de desobediência.

O artigo 280º prevê o crime de poluição com perigo comum, em que o bem jurídico em causa já não se considera estar relacionado com o ambiente, mas sim com bens jurídicos como a vida, a saúde e o património.


Conclusão

Concluímos que, à criação dos crimes ambientais estão associadas preocupações e interesses da comunidade e sociedade, pretendendo com isso a subsistência de recursos naturais, a subsistência das gerações futuras, a manutenção de um ambiente saudável e com qualidade. Estes crimes ambientais são considerados normas penais em branco, dado que estão associados a normas legais e regulamentares. Isto significa que para que seja cometido um destes ilícitos penais é necessário não só o comportamento do agente no sentido aí descrito, como uma norma legal ou regulamentar, emitida pelas autoridades administrativas, que constitua uma valoração ou limitação de comportamentos ou os autorize.


Bibliografia

COSTA, Geyson Nunes da, A aplicação de penas substitutivas/alternativas nos crimes ambientais; 2007
DIAS, José Figueiredo; Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II; 1999; Coimbra Editora; Coimbra – pp. 934 a 943 e 944 a 979
DIAS, José Figueiredo; Direito Penal, Parte Geral; 2ª Reimpressão da 2ª Edição; 2012; Coimbra Editora; Coimbra
MARQUES, Pedro Marchão; Crimes Ambientais e Comportamento Omissivo; 1998
MARTINS, José Renato; Tutela Penal em Decorrência de Actividades Nucleares, 2010, Juruá Editora
MOURA, José Souto; Crimes Ambientais; Apontamentos para a ESTIG; 2007
MOURA, José Souto; O crime de poluição - A propósito do artigo 279.º do projecto de reforma do código penal  (retirado de: http://siddamb.apambiente.pt )
MOURA, José Souto; O Crime de Danos Contra a Natureza no Código Penal Português (retirado de: http://siddamb.apambiente.pt/ )



 Rita Tomás Mordido, 20770



[i] Pedro Marchão Marques, 1998 – Crimes Ambientais e Comportamento Omissivo; com remissão para Bacigalupo, La instrumentalización técnico-legislativa de la protección penal del medio ambiente, Estudios Penales y Criminológicos, p.200 (1982)
[ii] José Souto Moura - O crime de poluição - A propósito do artigo 279.º do projecto de reforma do código penal
[iii] Paula Ribeiro Faria – Comentário Conimbricense do Código Penal,Parte Especial, Tomo II – 1999, pp. 932 a 942
[iv] José Souto Moura – Crimes Ambientais (2007, Apontamentos para a ESTIG), p.11
[v] Anabela Miranda Rodrigues - – Comentário Conimbricense do Código Penal,Parte Especial, Tomo II – 1999, pp.944 a 978
[vi] José Souto Moura – Crimes Ambientais (2007, Apontamentos para a ESTIG), p.12

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