Parte Geral
A Constituição da República Portuguesa consagra o Direito ao
Ambiente no seu artigo 66º, tendo o mesmo uma vertente negativa e uma vertente
positiva. A primeira consiste numa abstenção por parte do Estado e dos
particulares de acções ambientais nocivas, e a segunda refere-se à obrigação de
o Estado defender o ambiente e controlar as acções poluidoras.
O meio ambiente é definido como “a manutenção das
propriedades do solo, do ar e da água, bem como da fauna e da flora e das
condições ambientais de desenvolvimento das espécies, de tal forma que o
sistema ecológico se mantenha com os seus sistemas subordinados e não sofra
alterações prejudiciais”[i].
“A conceptualização
do bem jurídico ambiente, mais correctamente "qualidade do ambiente",
como algo com autonomia e que não se reduza à atomização doutros bens
jurídicos, passa pela sua consideração como bem difuso que se apresenta de modo
informal”.[ii]
O que se pretende é assegurar um ambiente com determinada qualidade, porém,
esta é uma tarefa difícil dado que não existe um critério universal e visto que
o mesmo está sujeito a factores externos como a sensibilização das populações.
Justificação da
intervenção penal
A intervenção do direito penal na área ambiental
justifica-se por motivos de dignidade penal dos comportamentos – é uma questão de
legitimação, na medida em que tem que existir um consenso sobre a gravidade das
lesões em causa. Esta intervenção deve ser necessária, já que é subsidiária (e
acessória ao direito administrativo), pelo que também deve ser eficaz.
Nesta medida, visa-se também a promoção de uma postura ética
perante um interesse social, que é a conservação e preservação do ambiente
natural.
Para além destas preocupações e necessidades, a intervenção penal
está ainda relacionada com a criminalidade “white collar” e das empresas, que
facilmente cobrem as sanções pecuniárias, devendo ser imposta uma maior responsabilização
destes agentes.
Os artigos 278º e
279º do Código Penal
O artigo 278º do Código Penal (de ora em diante, CP)
consubstancia um crime de dano, estando aqui em causa o bem jurídico “qualidade
da natureza”, onde se inclui a fauna, a flora e os recursos do subsolo. Porém,
há autores[iii] que consideram que o
legislador não deve exceder a sua tarefa no que toca à defesa dos bens jurídicos
e, por isso, se deve considerar fora do elenco dessas mesmas tarefas a promoção
da qualidade do ambiente e também que o Direito Penal só deve intervir quando a
actuação do agente se revele particularmente grave.
Aqui, pretende evitar-se o desaparecimento das espécies e de
recursos abióticos, o que se consubstancia um interesse comum à população contemporânea,
mas também se consubstanciam numa responsabilidade perante as gerações futuras
de não as privar dos recursos naturais ainda disponíveis.
O crime de dano contra a natureza é cometido nas seguintes situações:
a) eliminação, destruição ou captura de exemplares de espécies protegidas da
fauna ou da floraa selvagens ou eliminação de exemplares das mesmas em número
significativo; b) destruição ou deterioração significativa do habitat natural
protegido ou habitat natural, tendo como consequência a perda de espécies protegidas
da fauna e da flora selvagens ou em número significativo; afectar gravemente
recursos do subsolo.
Para que o comportamento do agente seja considerado crime
para efeitos do artigo 278º CP, tem que: i) preencher o tipo legal, ou seja, a destruição
ou eliminação da espécie natural, ou outro comportamento danoso do ponto de
vista ambiental, e ii) violar disposições legais ou regulamentares de caracter
administrativo. Este último requisito faz com que se fale numa acessoriedade do
Direito Penal face ao Direito Administrativo e que se refira a questão das
normas penais em branco.
A acessoriedade surge, na medida em que, o direito penal
passa a ter como função punir infracções de direito administrativo que protegem
o ambiente. A questão das normas penais em branco é colocada, dado que a determinação
do conteúdo das normas passa a depender do recurso a leis e regulamentos não penais.
Sendo o artigo 278º CP um crime de desobediência, a
Professora Paula Ribeiro de Faria salienta a questão da eficácia das normas de
direito administrativo sobre a tipicidade do comportamento do agente no âmbito do
direito penal. Assim, preconiza três hipóteses: 1) a eficácia do acto
administrativo é determinante – o agente, de acordo com as disposições legais
ou regulamentares, carece, para poder actuar, de uma autorização, que lhe é
indevidamente atribuída pela administração, o que faz com que deixe de existir
uma tipicidade da força executiva do acto, pelo que não sendo válida a
actuação, não se pode correctamente afirmar que o agente actuou contra as
referidas disposições. 2) a validade do acto administrativo é apreciada segundo
critérios de direito penal (critério da danosidade social), sendo consideraros
inválidos aqueles actos que o seriam à luz do direito administrativo, como
aqueles que se “opõem às valorações do direito penal”. Assim, nem todos os
actos administrativos eficazes seriam susceptiveis de afastar a consideração do
tipo legal. 3) A punibilidade do agente iria depender da validade do acto
administrativo, que terá de ser avaliada unicamente sob um ponto de vista
administrativo.
A conduta do agente deve ser lesiva do meio ambiente segundo
normas legais ou regulamentares, pelo que se a sua observância impuser a existência
de uma licença ou de uma autorização da autoridade administrativa, “o tipo
legal só não será preenchido se a agressão tiver lugar com base numa autorização
válida ou para quem o considerar suficiente, eficaz”.
O 278º/2º CP faz referência a um novo comportamento: a
comercialização ou detenção para comercialização dos elementos acima referidos,
podendo suscitar dúvidas, que não iremos desenvolver, no que se refere à
aquisição de certos animais para jardins zoológicos ou circos.[iv]
Quanto ao artigo 279º CP, este consubstancia um crime de poluição
de água, solo, ar e de poluição sonora ou de degradação da qualidade destes
componentes ambientais. Trata-se, aqui, do bem jurídico ambiente, enquanto
interesse geral da sociedade. Assim, os critérios politico-criminais de
necessidade justificam a intervenção penal nos atentados ao ambiente,
obedecendo a razões de subsidiariedade.
Também neste tipo de ilícito criminal existe a exigência de
violação de disposições legais ou regulamentares que definam os valores e a
natureza das emissões e imissões poluentes que são consideradas intoleráveis e
que imponham aos agentes poluidores, através de prescrições ou limitações, o
respeito por esses valores[v]. Mais uma vez, estamos
perante uma questão de acessoriedade do direito penal face ao direito
administrativo.
É questionado se se trata de um crime de dano ou de desobediência.[vi] A componente do dano
consubstancia-se no facto de a poluição ser separável do comportamento. A componente
da desobediência traduz-se no desrespeito pelas prescrições e limitações impostas
pelas autoridades administrativas.
O Autor (José Souto Moura) considera que o artigo 279º
secundariza a desobediência. Na medida em que a prevê apenas como mera
possibilidade de preenchimento do tipo. Assim, a componente de dano torna-se
mais expressiva, sendo este um crime de dano, ainda que com uma componente de desobediência.
O artigo 280º prevê o crime de poluição com perigo comum, em
que o bem jurídico em causa já não se considera estar relacionado com o
ambiente, mas sim com bens jurídicos como a vida, a saúde e o património.
Conclusão
Concluímos que, à criação dos crimes ambientais estão associadas preocupações
e interesses da comunidade e sociedade, pretendendo com isso a subsistência de
recursos naturais, a subsistência das gerações futuras, a manutenção de um
ambiente saudável e com qualidade. Estes crimes ambientais são considerados
normas penais em branco, dado que estão associados a normas legais e
regulamentares. Isto significa que para que seja cometido um destes ilícitos penais
é necessário não só o comportamento do agente no sentido aí descrito, como uma
norma legal ou regulamentar, emitida pelas autoridades administrativas, que
constitua uma valoração ou limitação de comportamentos ou os autorize.
Bibliografia
COSTA, Geyson Nunes da, A
aplicação de penas substitutivas/alternativas nos crimes ambientais; 2007
DIAS, José Figueiredo; Comentário
Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II; 1999; Coimbra
Editora; Coimbra – pp. 934 a 943 e 944 a 979
DIAS, José Figueiredo;
Direito Penal, Parte Geral; 2ª
Reimpressão da 2ª Edição;
2012; Coimbra Editora; Coimbra
MARQUES, Pedro Marchão; Crimes
Ambientais e Comportamento Omissivo; 1998
MARTINS, José Renato; Tutela
Penal em Decorrência de Actividades Nucleares, 2010, Juruá Editora
MOURA, José Souto; Crimes
Ambientais; Apontamentos para a ESTIG; 2007
MOURA,
José Souto; O crime de poluição - A
propósito do artigo 279.º do projecto de reforma do código penal (retirado de: http://siddamb.apambiente.pt
)
MOURA,
José Souto; O Crime de Danos Contra a Natureza no Código Penal Português
(retirado de: http://siddamb.apambiente.pt/ )
Rita Tomás Mordido, 20770
[i]
Pedro Marchão Marques, 1998 – Crimes
Ambientais e Comportamento Omissivo; com remissão para Bacigalupo, La instrumentalización técnico-legislativa
de la protección penal del medio ambiente, Estudios Penales y
Criminológicos, p.200 (1982)
[ii]
José Souto Moura - O crime de poluição -
A propósito do artigo 279.º do projecto de reforma do código penal
[iii]
Paula Ribeiro Faria – Comentário Conimbricense
do Código Penal,Parte Especial, Tomo II – 1999, pp. 932 a 942
[iv]
José Souto Moura – Crimes Ambientais (2007,
Apontamentos para a ESTIG), p.11
[v]
Anabela Miranda Rodrigues - – Comentário Conimbricense
do Código Penal,Parte Especial, Tomo II – 1999, pp.944 a 978
[vi]
José Souto Moura – Crimes Ambientais (2007,
Apontamentos para a ESTIG), p.12
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