“O Direito do Ambiente é um filho do
Direito Administrativo, tendo por padrinhos outros ramos do Direito, dos quais
recebe dádivas importantes” Carla Amado Gomes
Um desses padrinhos é o Direito Penal que introduziu em 1995,
através da revisão feita pelo Decreto-lei nº48/95, de 15 de Março o artigo 279º
(crime de poluição) e o artigo 280º (crime de poluição com perigo comum) no seu
Código Penal, tutelando criminalmente, a título principal e de forma directa o
bem jurídico ambiente. Revisão esta impulsionada pela neocriminalização (novos
bens juridico-penais, novas modalidades de agressão ou perigo e também novos
compromissos internacionais que foram ou seriam assumidos por Portugal).
Redacção Original:
“Artigo 279.º Poluição 1 - Quem,
em medida inadmissível: a) Poluir
águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades; b) Poluir o
ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou c) Provocar
poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em
especial de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos
de qualquer natureza; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de
multa até 600 dias.
2 - Se a conduta referida no n.º 1 for
praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou
com pena de multa.
3 - A
poluição ocorre em medida inadmissível
sempre que a natureza ou os valores da emissão ou da imissão poluentes
contrariarem prescrições ou limitações impostas pela autoridade
competente em conformidade com disposições legais ou regulamentares e sob
cominação de aplicação das penas previstas neste artigo.”
Com a criação deste tipo de normas abandona-se a
concepção estritamente antropocêntrica dos bens jurídicos (o Direito penal
deixa de estar focado apenas na relação entre o agente e a vitima), passando a
abranger igualmente novos riscos que surgem nomeadamente devido à globalização,
massificação, constantes progressos tecnológicos, catástrofes ambientais que
ocorrem no final do sec XX. Riscos esses que são difusos tanto na sua origem
como projecção. Essas lesões ambientais criadas por esta nova sociedade de risco
necessitam de tutela penal.
Segundo a professora Teresa Quintela de Brito, esta
visão não sendo estritamente antopocêntrica leva-nos a concluir que no artigo 66º
da CRP e no artigo 5º/2, a) da LBA a busca pelo homem que uma qualidade de vida
melhor deve estar aliada a uma preocupação ambiental não afectando os
ecossistemas existendes e se o fizer, tanto os Estado como os cidadãos devem
reparar as lesões cometidas, sendo assim um antropocentrismo moderado.
Como a reprovação social (e emergente
consciencialização da protecção do ambiente) não chega como critério que
legitime a intervenção penal. Tem que haver uma efectiva ofensa sobre a forma
de dano ou perigo concreto para o bem jurídico protegido, PARA SE JUSTIFICAR O
RECURSO AO DIREITO PENAl, este ramo jurídico tinha de se adaptar aos novos
desafios, fosse pela visão ecocêntrica do bem jurídico ambiente (Figueiredo
Dias-“ Os bens jurídicos ecológicos devem ser gozados por todos e por cada um
de nós…”) ou a visão ecológia-antropocêntrica (existência de bens jurídicos
colectivos.) A nossa CRP apesar de consagrar constitucionalmente o ambiente
desde 1976, no seu artigo 66º, em nada previa uma obrigação de criminalização
das ofensas ambientais. Analisando a redacção original e a jurisprudência (caso
do aparelho de descarga de insecticida em 1996 e o caso de poluição sonora em 2002)
constatamos que era necessário como condição objectiva de punibilidade a PRÉVIA
IMPOSIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE PRECRIÇÕES OU LIMITAÇÕES EM CONSONÂNCIA COM
DISPOSIÇÕES LEGAIS OU REGULAMENTARES E SOB COMINAÇÃO DA APLICAÇÃO DE PENAS,
279º nº3. Isto é, a conduta lesiva de um componente ambiental só terá
relevância jurídico-penal quando contrarie uma ordenação extra-penal.
Logo, estaríamos perante um CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
para com a administração, só sendo o agente punido após a prévia intervenção
disciplinadora da autoridade administrativa. Tendo a administração o papel de
“educador” alertando o agente do que ele pode ou não fazer. Isto levanta sérias
questões: -Para ser punido o agente tem de ser informado que está a poluir?
Então e se o crime for de ofensa à integridade física? O agente tem de ser
informado que está a agredir? E só depois é que pode ser punido? - Então e se a
actividade exercida pelo agente for perigosa e nociva? O dever de consciência
não se intensifica? Outro foco é a questão “a medida inadmissível”, que ia ao
encontro desta desobediência. Visto que não seria quantificada pelo direito
penal mas sim avaliada pela administração quando esta regulava certa actividade
ou por exemplo concedia uma licença. É a administração que realiza a avaliação
e considera ser ou não uma lesão grave. NÃO sendo relevante o GRAU DE POLUIÇÃO
mas a desobediência em si (o desvalor da acção). Ora esta ideia entra também em
confronto com o princípio da ofensividade cujo elemento essencial do ilícito é
o desvlaor do resultado (tutela de interesses objectivos e não da mera violação
de um dever). Mas em que termos deveria ser feita essa comunicação (que consta
no 279/3) por parte da administração? Considerou-se pelos tribunais que não
deveria ser vaga nem genérica.
Luis Batista considera que estávamos perante uma
obrigação de notificação na qual a autoridade administrativa comunicava ao
agente a ocorrência de um facto (a pratica do crime de poluição) ou a abstenção
de um comportamento. Um dos efeitos relevantes desta notificação seria a
presunção de que o agente tomou conhecimento do acto. Vários autores (entre
eles, Vasco pereira da silva e Figueiredo dias) consideraram que a
administração seria o primeiro defensor do ambiente, seguida pelo legislador
penal com a sua norma penal em branco, o artigo 279º que se moldava aos
constantes desafios ambientais. Esta acessoriedade administrativa do direito
penal consta do próprio 279º/ nº3. Mas que tipo de acessoriedade administrativa
seria esta? Dependência absoluta, independência absoluta, ou dependência
relativa?
É uma dependência relativa visto que o legislador
penal necessita da administração para aferir quando é que uma conduta lesiva ao
meio ambiente é suficientemente grave para ser punida (a punibilidade depende
não da inobservância das normas administrativas mas sim das prescrições e
limitações impostas pela administração, como defende Paulo Sousa Mendes), daí
se justifica o recurso à norma penal em branco. Este modelo de acessoriedade
relativa subsiste com a revisão de 2007.
A intervenção do direito penal apresenta-se submetida
ao principio da oportunidade, visto que aquele só intervém quando há uma desobediência
aos limites impostos pela administração, mas “nem tudo são rosas”, visto que é
a administração que seleciona os casos, estaria ao critério da administração o
que se consideraria desobediência ou não independentemente da gravidade da
lesão ambiental. Sendo assim, uma substituição do princípio da legalidade e de intervenção
obrigatória pelo princípio da oportunidade dessa intervenção tornando o direito
penal maleável a todo o tipo de interesses sociais, económicos e principalmente
políticos perdendo-se de vista a finalidade do direito penal, que é confirmar
valores e garantir limites imperativos às lesões de bens jurídicos. Por tudo
isto, há que realçar os limites ao princípio da actividade administrativa e um
desses é precisamente o princípio da legalidade, isto porque até mesmo a
actuação da administração encontra-se subordinada ao principio da legalidade na
medida em que esta não pode emitir limitações ou prescrições ilegais, sob pena
de nulidade.
Mas surge-nos outras questões:
E se não existir este acto administrativo, a conduta
do agente não constitui crime? Nesta situação podemos responder que ao abrigo
da antiga redacção o agente não seria punido.
E se o acto autorizativo fosse invalido?
Figueiredo dias considerou que, caso o acto fosse
favorável (por exemplo: a Administração concedeu erradamente uma licença) e o
particular não tivesse contribuído para o erro da administração, este não seria
responsabilizado criminalmente. Se o acto fosse desfavorável (recusa indevida
de uma pretensão requerida pelo particular), e o agente actuasse à margem do
acto recusado só não constituiria crime se não houvesse lesão ambiental.
A doutrina maioritária não faz esta distinção consoante
a natureza favorável ou desfavorável do acto mas sim em função da causa de
invalidade do acto administrativo.
Muito sucintamente, se o acto for considerado nulo,
nos termos do artigo 134º/1 CPA serão extintos todos os efeitos jurídicos que o
acto produziu, ou seja, é como se o acto nunca tivesse existido (os efeitos são
eliminados ex tunc) como é óbvio esta consagração não pode ser levada à letra
visto que o acto existiu e pode ter provocado na ordem jurídica e material modificações
irreversíveis, julgo que este 134º/1 deve ser interpretado conjuntamente com o
seu nº 3. Por conseguinte, actuando o agente ao abrigo de um acto nulo e
poluindo um dos componentes mencionados no artigo 279º do Codigo Penal, o elemento
objectivo “poluição” encontra-se preenchido mas como o acto é nulo, como pode o
agente praticar o crime de desobediência relativamente a um acto que nunca
existiu? Logo não esta preenchido o elemento do 279º/3, o agente “viola um nada
jurídico”.
Se o acto for anulável, 135º CPA, segundo Fernanda
Palma, o agente também não seria punido visto que a licença anulável actuaria
como causa de exclusão da ilicitude ao afastar a desobediência, podendo o
agente poluir como bem entendesse.
O crime de poluição revisto em 2007
Artigo 279.º
Poluição
1 — Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou
obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas
disposições:
a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas
qualidades; b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de
instalações; ou c) Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos
técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos terrestres,
fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza; de forma grave, é punido com
pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 — Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o
agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
3 — Para os efeitos dos números anteriores, o agente actua de forma
grave quando:
a) Prejudicar, de modo duradouro, o bem -estar das pessoas na fruição
da natureza; b) Impedir, de modo duradouro, a utilização de recurso natural; ou
c) Criar o perigo de disseminação de microrganismo ou substância prejudicial
para o corpo ou saúde das pessoas.
Para além das hipóteses em que o agente possua licença para exercer as
actividades poluentes mas mesmo assim viole os limites impostos pela autoridade
administrativa também estão abrangidas as hipóteses em que esse agente não
possua o acto autorizativo correspondente e viole as normas legais existentes
para determinada actividade poluente. Isto é, o agente será punido mesmo que
actua “à margem do acto autorizativo” e viole nomeadamente regulamentos, leis
ou actividades para as quais a lei exija avaliações de impacte ambiental.
O acto administrativo já não possui o anterior efeito “balizador” para
imputar ou não a conduta do agente ao crime de poluição.
Verifica-se na nova redacção que o elemento desobediência permanece
mas está mais abrangente, não se limitando ao acto autorizativo.
Outra questão pertinente é o termo poluir, em que consiste poluir para
efeitos penais?
Será poluir como acto de poluir ou como resultado (lesar ou por em
perigo componentes do meio ambiente)?
Partindo da LBA nos seus artigos, 8º, 10º,11º,13º,14º e 22º, encontramos
um elemento comum: uma lesão grave para a componente ambiental identificada em
cada um destes artigos, levando à primeira vista a um desvalor do resultado.
Teresa Quintela de Brito, no ano em que o artigo 279º entrou em vigor
no Código Penal, considerou impossível uma análise individual de cada artigo da
LBA onde se referisse um componente ambiental, visto que essa análise levaria a
um conceito não penal de poluição diferente consoante o elemento ambiental em
causa, devendo-se recorrer às normas 21º e 26º da LBA visto que são gerais, estas
sim teriam o conceito chave: a degradação do ambiente (21º/1) não olvidando que
em consonância com o que já foi afirmado, essa afetacção negativa das
diferentes formas de vida, e dos ecossistemas está relacionada com a qualidade
de vida do homem (66º/1 da CRP e 4º da LBA). E chegou à conclusão que POLUIR é:
“criar a possibilidade de uma alteração das características das águas, do solo
ou do ar; ou de tornar impróprios para as suas utilizações estes componentes
ambientais ou provocar ruido, afectando negativamente a qualidade de vida do
homem, maxime, a sua saúde e bem-estar.
Mas o desvalor da acção também se integra na ilicitude, sem ter que
necessariamente olvidar o princípio basilar para a definição de uma conduta
como crime, o princípio da ofensividade, até mesmo porque há que adaptar o
mesmo aos novos desafios que o direito penal tem que enfrentar na actual
sociedade de risco. Sendo por isso necessário criminalizar condutas que possuam
uma elevada probabilidade de causarem um dano (desvalor na acção).
Teremos então em consonância com o principio da ofensividade crimes de
dano, de perigo concreto, já os crimes de perigo abstracto mesmo ainda contendo
na sua materialidade subjacente este principio constitucional, devem ser os
menos utilizados pelo legislador visto que não há uma lesão efectiva do bem
jurídico, nem uma certeza posterior de que o bem jurídico foi efectivamente
posto em perigo mas sim uma conduta em si mesma, considerada perigosa (avaliada
de forma abstracta).
Podemos concluir que para o direito penal, poluir é tanto agir para
criar o perigo concreto como lesar efectivamente a componente ambiental.
Em 2007, teremos um crime de dano ou de perigo?
Para aferir tal resposta há que conjugar os dois elementos objectivos
da punibilidade, o elemento “poluir” e o elemento “de forma grave”.
Este segundo elemento encontra-se no nº3 do artigo 279º e separado do elemento “desobediência” que
consta apenas no proemio do nº1 do mesmo artigo.
Nota: A perspectiva pessoal-dualista encontra-se esplanada neste
artigo- condutas lesivas de bens jurídicos colectivos de forma a proteger a
qualidade de vida e reflexamente de forma a salvaguardar também os interesses
pessoais.
Neste sentido, ao consagrar um “resultado poluente danoso e de carácter
duradouro”, a acessoriedade do acto administrativo deixa de ser uma condição
objectiva de punibilidade e o juízo de intolerabilidade da poluição constante
no artigo 26º/3 da LBA, deixa de assentar exclusivamente no elemento
desobediência. Isto é, mais uma vez deixa de ser necessário que sejam violadas
as prescrições ou limites impostos pelo acto, para que consideremos a poluição
como grave. Os elementos desobediência e gravidade deixam de estar interligados.
Deste modo, para se encontrar verificada a tipicidade da norma têm de
ser desrespeitados os valores, obrigações que constem de leis, regulamentos ou
actos autorizativose e se cause um dano grave para o ambiente. Encontramos assim
2 nexos de imputação objectiva, 279º/1 conjugado com o 279º/3.
Esta conclusão leva-nos a um
considerar o crime de poluição como um crime de dano? “Também… “, o Mestre Luís
Batista considera que podemos ter um crime de dano ou de perigo, consoante a
actuaçao do agente, se o agente actuar segundo as alíneas: a e b teremos
um crime de dano se actuar segundo a alínea c, já teríamos um crime de perigo,
não obstante da relevância dada pelo legislador relativamente ao desvalor do
resultado.
Já o mestre André Santos alerta para a divergência doutrinária entre o
professor Souto de Moura e Figueiredo dias:
José Souto de moura considera o crime de poluição um crime de dano,
não devendo estar incluído no capitulo referente aos crimes de perigo comum,
mas por outro lado entende a razão (não há um capitulo autónomo).
Jorge figueiredo dias defende que os crimes ecológicos deveriam
constar em legislação penal extravagante de modo a que a tutela penal possa ter
mais eficácia e acompanhar a constante evolução destes novos crimes e ate mesmo
uma melhor eficácia da responsabilização penal de pessoas colectivas, sendo o
direito penal secundário o mais adequado neste sentido.
A professora Teresa Quintela alerta para o facto de o artigo 279º, pelo
menos no ano de 1995, apontar para um único conceito de poluição , dando enfase
à efectiva degradação (alteração nociva ou diminuição das qualidades dos
componentes ambientais) para haver tutela penal, tendo deste modo restringido a
noção extra-penal de poluição. Curioso é que nesse artigo a alínea a) não referiu
a poluição atmosférica visto que essa só poderia ser realizada através de
aparelhos técnicos ou instalações não sendo um crime de forma livre mas sim um
crime de forma vinculada. Então e se estivéssemos perante uma queimada a céu
aberto? Essa afectação do ar já seria criminalmente atípica.
A professora Fernanda Palma conclui que se entendermos que afectar
negativamente o meio ambiente é contribuir para o efeito e não produzir um dano
material, o crime de poluição será um crime de perigo pelo menos
abstracto-concreto para a saúde e bem-estar da comunidade afectada, da mesma
opinião temos a Professora Teresa Quintela nomeadamente devido à dificuldade em
provar o nexo causal entre a emissão da substancia poluente e a criação do
perigo concreto para o bem-estar de uma comunidade. Bastando a comprovação que
esses bens dessa comunidade foram concretamente colocados em perigo.
Este artigo sofreu uma última alteração com a Lei nº56/2011, de 15-11,
através de uma maior pormenorização de condutas aptas a lesar o meio ambiente,
e no seu nº 6 define o conceito de danos substanciais.
"A natureza tem uma estrutura feminina: não se sabe defender mas sabe se vingar como ninguém". M. S.
Bibliografia:
Batista Luís-
O crime de poluição antes e depois da revisão do Código Penal de 2007
Santos,
André Teixeira dos- O crime de Poluição (artigo 279º): o conceito de “poluição
em medida inadmissível”
Brito,
Teresa Quintela de- Anuário de Direito do Ambiente-1995
Trabalho
realizado por : ANA CRISTINA VARGAS, aluno nº 16456, subturma 1.
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