domingo, 13 de abril de 2014

CRIME DE POLUIÇÃO





  
“O Direito do Ambiente é um filho do Direito Administrativo, tendo por padrinhos outros ramos do Direito, dos quais recebe dádivas importantes” Carla Amado Gomes

Um desses padrinhos é o Direito Penal que introduziu em 1995, através da revisão feita pelo Decreto-lei nº48/95, de 15 de Março o artigo 279º (crime de poluição) e o artigo 280º (crime de poluição com perigo comum) no seu Código Penal, tutelando criminalmente, a título principal e de forma directa o bem jurídico ambiente. Revisão esta impulsionada pela neocriminalização (novos bens juridico-penais, novas modalidades de agressão ou perigo e também novos compromissos internacionais que foram ou seriam assumidos por Portugal). 

Redacção Original:
 “Artigo 279.º Poluição 1 - Quem, em medida inadmissível: a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades; b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou c) Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
 2 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa.
3 - A poluição ocorre em medida inadmissível sempre que a natureza ou os valores da emissão ou da imissão poluentes contrariarem prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente em conformidade com disposições legais ou regulamentares e sob cominação de aplicação das penas previstas neste artigo.”

Com a criação deste tipo de normas abandona-se a concepção estritamente antropocêntrica dos bens jurídicos (o Direito penal deixa de estar focado apenas na relação entre o agente e a vitima), passando a abranger igualmente novos riscos que surgem nomeadamente devido à globalização, massificação, constantes progressos tecnológicos, catástrofes ambientais que ocorrem no final do sec XX. Riscos esses que são difusos tanto na sua origem como projecção. Essas lesões ambientais criadas por esta nova sociedade de risco necessitam de tutela penal.
Segundo a professora Teresa Quintela de Brito, esta visão não sendo estritamente antopocêntrica leva-nos a concluir que no artigo 66º da CRP e no artigo 5º/2, a) da LBA a busca pelo homem que uma qualidade de vida melhor deve estar aliada a uma preocupação ambiental não afectando os ecossistemas existendes e se o fizer, tanto os Estado como os cidadãos devem reparar as lesões cometidas, sendo assim um antropocentrismo moderado.
Como a reprovação social (e emergente consciencialização da protecção do ambiente) não chega como critério que legitime a intervenção penal. Tem que haver uma efectiva ofensa sobre a forma de dano ou perigo concreto para o bem jurídico protegido, PARA SE JUSTIFICAR O RECURSO AO DIREITO PENAl, este ramo jurídico tinha de se adaptar aos novos desafios, fosse pela visão ecocêntrica do bem jurídico ambiente (Figueiredo Dias-“ Os bens jurídicos ecológicos devem ser gozados por todos e por cada um de nós…”) ou a visão ecológia-antropocêntrica (existência de bens jurídicos colectivos.) A nossa CRP apesar de consagrar constitucionalmente o ambiente desde 1976, no seu artigo 66º, em nada previa uma obrigação de criminalização das ofensas ambientais. Analisando a redacção original e a jurisprudência (caso do aparelho de descarga de insecticida em 1996 e o caso de poluição sonora em 2002) constatamos que era necessário como condição objectiva de punibilidade a PRÉVIA IMPOSIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE PRECRIÇÕES OU LIMITAÇÕES EM CONSONÂNCIA COM DISPOSIÇÕES LEGAIS OU REGULAMENTARES E SOB COMINAÇÃO DA APLICAÇÃO DE PENAS, 279º nº3. Isto é, a conduta lesiva de um componente ambiental só terá relevância jurídico-penal quando contrarie uma ordenação extra-penal.
Logo, estaríamos perante um CRIME DE DESOBEDIÊNCIA para com a administração, só sendo o agente punido após a prévia intervenção disciplinadora da autoridade administrativa. Tendo a administração o papel de “educador” alertando o agente do que ele pode ou não fazer. Isto levanta sérias questões: -Para ser punido o agente tem de ser informado que está a poluir? Então e se o crime for de ofensa à integridade física? O agente tem de ser informado que está a agredir? E só depois é que pode ser punido? - Então e se a actividade exercida pelo agente for perigosa e nociva? O dever de consciência não se intensifica? Outro foco é a questão “a medida inadmissível”, que ia ao encontro desta desobediência. Visto que não seria quantificada pelo direito penal mas sim avaliada pela administração quando esta regulava certa actividade ou por exemplo concedia uma licença. É a administração que realiza a avaliação e considera ser ou não uma lesão grave. NÃO sendo relevante o GRAU DE POLUIÇÃO mas a desobediência em si (o desvalor da acção). Ora esta ideia entra também em confronto com o princípio da ofensividade cujo elemento essencial do ilícito é o desvlaor do resultado (tutela de interesses objectivos e não da mera violação de um dever). Mas em que termos deveria ser feita essa comunicação (que consta no 279/3) por parte da administração? Considerou-se pelos tribunais que não deveria ser vaga nem genérica.
Luis Batista considera que estávamos perante uma obrigação de notificação na qual a autoridade administrativa comunicava ao agente a ocorrência de um facto (a pratica do crime de poluição) ou a abstenção de um comportamento. Um dos efeitos relevantes desta notificação seria a presunção de que o agente tomou conhecimento do acto. Vários autores (entre eles, Vasco pereira da silva e Figueiredo dias) consideraram que a administração seria o primeiro defensor do ambiente, seguida pelo legislador penal com a sua norma penal em branco, o artigo 279º que se moldava aos constantes desafios ambientais. Esta acessoriedade administrativa do direito penal consta do próprio 279º/ nº3. Mas que tipo de acessoriedade administrativa seria esta? Dependência absoluta, independência absoluta, ou dependência relativa?
É uma dependência relativa visto que o legislador penal necessita da administração para aferir quando é que uma conduta lesiva ao meio ambiente é suficientemente grave para ser punida (a punibilidade depende não da inobservância das normas administrativas mas sim das prescrições e limitações impostas pela administração, como defende Paulo Sousa Mendes), daí se justifica o recurso à norma penal em branco. Este modelo de acessoriedade relativa subsiste com a revisão de 2007.
A intervenção do direito penal apresenta-se submetida ao principio da oportunidade, visto que aquele só intervém quando há uma desobediência aos limites impostos pela administração, mas “nem tudo são rosas”, visto que é a administração que seleciona os casos, estaria ao critério da administração o que se consideraria desobediência ou não independentemente da gravidade da lesão ambiental. Sendo assim, uma substituição do princípio da legalidade e de intervenção obrigatória pelo princípio da oportunidade dessa intervenção tornando o direito penal maleável a todo o tipo de interesses sociais, económicos e principalmente políticos perdendo-se de vista a finalidade do direito penal, que é confirmar valores e garantir limites imperativos às lesões de bens jurídicos. Por tudo isto, há que realçar os limites ao princípio da actividade administrativa e um desses é precisamente o princípio da legalidade, isto porque até mesmo a actuação da administração encontra-se subordinada ao principio da legalidade na medida em que esta não pode emitir limitações ou prescrições ilegais, sob pena de nulidade.
Mas surge-nos outras questões:
E se não existir este acto administrativo, a conduta do agente não constitui crime? Nesta situação podemos responder que ao abrigo da antiga redacção o agente não seria punido.
E se o acto autorizativo fosse invalido?
Figueiredo dias considerou que, caso o acto fosse favorável (por exemplo: a Administração concedeu erradamente uma licença) e o particular não tivesse contribuído para o erro da administração, este não seria responsabilizado criminalmente. Se o acto fosse desfavorável (recusa indevida de uma pretensão requerida pelo particular), e o agente actuasse à margem do acto recusado só não constituiria crime se não houvesse lesão ambiental.
A doutrina maioritária não faz esta distinção consoante a natureza favorável ou desfavorável do acto mas sim em função da causa de invalidade do acto administrativo.
Muito sucintamente, se o acto for considerado nulo, nos termos do artigo 134º/1 CPA serão extintos todos os efeitos jurídicos que o acto produziu, ou seja, é como se o acto nunca tivesse existido (os efeitos são eliminados ex tunc) como é óbvio esta consagração não pode ser levada à letra visto que o acto existiu e pode ter provocado na ordem jurídica e material modificações irreversíveis, julgo que este 134º/1 deve ser interpretado conjuntamente com o seu nº 3. Por conseguinte, actuando o agente ao abrigo de um acto nulo e poluindo um dos componentes mencionados no artigo 279º do Codigo Penal, o elemento objectivo “poluição” encontra-se preenchido mas como o acto é nulo, como pode o agente praticar o crime de desobediência relativamente a um acto que nunca existiu? Logo não esta preenchido o elemento do 279º/3, o agente “viola um nada jurídico”.
Se o acto for anulável, 135º CPA, segundo Fernanda Palma, o agente também não seria punido visto que a licença anulável actuaria como causa de exclusão da ilicitude ao afastar a desobediência, podendo o agente poluir como bem entendesse.

O crime de poluição revisto em 2007

Artigo 279.º
Poluição
1 — Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:
a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades; b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou c) Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza; de forma grave, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 — Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
3 — Para os efeitos dos números anteriores, o agente actua de forma grave quando:
a) Prejudicar, de modo duradouro, o bem -estar das pessoas na fruição da natureza; b) Impedir, de modo duradouro, a utilização de recurso natural; ou c) Criar o perigo de disseminação de microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas.

Para além das hipóteses em que o agente possua licença para exercer as actividades poluentes mas mesmo assim viole os limites impostos pela autoridade administrativa também estão abrangidas as hipóteses em que esse agente não possua o acto autorizativo correspondente e viole as normas legais existentes para determinada actividade poluente. Isto é, o agente será punido mesmo que actua “à margem do acto autorizativo” e viole nomeadamente regulamentos, leis ou actividades para as quais a lei exija avaliações de impacte ambiental.
O acto administrativo já não possui o anterior efeito “balizador” para imputar ou não a conduta do agente ao crime de poluição.
Verifica-se na nova redacção que o elemento desobediência permanece mas está mais abrangente, não se limitando ao acto autorizativo.
Outra questão pertinente é o termo poluir, em que consiste poluir para efeitos penais?
Será poluir como acto de poluir ou como resultado (lesar ou por em perigo componentes do meio ambiente)?
Partindo da LBA nos seus artigos, 8º, 10º,11º,13º,14º e 22º, encontramos um elemento comum: uma lesão grave para a componente ambiental identificada em cada um destes artigos, levando à primeira vista a um desvalor do resultado.
Teresa Quintela de Brito, no ano em que o artigo 279º entrou em vigor no Código Penal, considerou impossível uma análise individual de cada artigo da LBA onde se referisse um componente ambiental, visto que essa análise levaria a um conceito não penal de poluição diferente consoante o elemento ambiental em causa, devendo-se recorrer às normas 21º e 26º da LBA visto que são gerais, estas sim teriam o conceito chave: a degradação do ambiente (21º/1) não olvidando que em consonância com o que já foi afirmado, essa afetacção negativa das diferentes formas de vida, e dos ecossistemas está relacionada com a qualidade de vida do homem (66º/1 da CRP e 4º da LBA). E chegou à conclusão que POLUIR é: “criar a possibilidade de uma alteração das características das águas, do solo ou do ar; ou de tornar impróprios para as suas utilizações estes componentes ambientais ou provocar ruido, afectando negativamente a qualidade de vida do homem, maxime, a sua saúde e bem-estar.
Mas o desvalor da acção também se integra na ilicitude, sem ter que necessariamente olvidar o princípio basilar para a definição de uma conduta como crime, o princípio da ofensividade, até mesmo porque há que adaptar o mesmo aos novos desafios que o direito penal tem que enfrentar na actual sociedade de risco. Sendo por isso necessário criminalizar condutas que possuam uma elevada probabilidade de causarem um dano (desvalor na acção).

Teremos então em consonância com o principio da ofensividade crimes de dano, de perigo concreto, já os crimes de perigo abstracto mesmo ainda contendo na sua materialidade subjacente este principio constitucional, devem ser os menos utilizados pelo legislador visto que não há uma lesão efectiva do bem jurídico, nem uma certeza posterior de que o bem jurídico foi efectivamente posto em perigo mas sim uma conduta em si mesma, considerada perigosa (avaliada de forma abstracta).
Podemos concluir que para o direito penal, poluir é tanto agir para criar o perigo concreto como lesar efectivamente a componente ambiental.
Em 2007, teremos um crime de dano ou de perigo?
Para aferir tal resposta há que conjugar os dois elementos objectivos da punibilidade, o elemento “poluir” e o elemento “de forma grave”.
Este segundo elemento encontra-se no nº3 do artigo 279º  e separado do elemento “desobediência” que consta apenas no proemio do nº1 do mesmo artigo.  
Nota: A perspectiva pessoal-dualista encontra-se esplanada neste artigo- condutas lesivas de bens jurídicos colectivos de forma a proteger a qualidade de vida e reflexamente de forma a salvaguardar também os interesses pessoais.

Neste sentido, ao consagrar um “resultado poluente danoso e de carácter duradouro”, a acessoriedade do acto administrativo deixa de ser uma condição objectiva de punibilidade e o juízo de intolerabilidade da poluição constante no artigo 26º/3 da LBA, deixa de assentar exclusivamente no elemento desobediência. Isto é, mais uma vez deixa de ser necessário que sejam violadas as prescrições ou limites impostos pelo acto, para que consideremos a poluição como grave. Os elementos desobediência e gravidade deixam de estar interligados.
Deste modo, para se encontrar verificada a tipicidade da norma têm de ser desrespeitados os valores, obrigações que constem de leis, regulamentos ou actos autorizativose e se cause um dano grave para o ambiente. Encontramos assim 2 nexos de imputação objectiva, 279º/1 conjugado com o 279º/3.
 Esta conclusão leva-nos a um considerar o crime de poluição como um crime de dano? “Também… “, o Mestre Luís Batista considera que podemos ter um crime de dano ou de perigo, consoante a actuaçao do agente, se o agente actuar segundo as alíneas: a e b teremos um crime de dano se actuar segundo a alínea c, já teríamos um crime de perigo, não obstante da relevância dada pelo legislador relativamente ao desvalor do resultado.
Já o mestre André Santos alerta para a divergência doutrinária entre o professor Souto de Moura e Figueiredo dias:

José Souto de moura considera o crime de poluição um crime de dano, não devendo estar incluído no capitulo referente aos crimes de perigo comum, mas por outro lado entende a razão (não há um capitulo autónomo).

Jorge figueiredo dias defende que os crimes ecológicos deveriam constar em legislação penal extravagante de modo a que a tutela penal possa ter mais eficácia e acompanhar a constante evolução destes novos crimes e ate mesmo uma melhor eficácia da responsabilização penal de pessoas colectivas, sendo o direito penal secundário o mais adequado neste sentido.

A professora Teresa Quintela alerta para o facto de o artigo 279º, pelo menos no ano de 1995, apontar para um único conceito de poluição , dando enfase à efectiva degradação (alteração nociva ou diminuição das qualidades dos componentes ambientais) para haver tutela penal, tendo deste modo restringido a noção extra-penal de poluição. Curioso é que nesse artigo a alínea a) não referiu a poluição atmosférica visto que essa só poderia ser realizada através de aparelhos técnicos ou instalações não sendo um crime de forma livre mas sim um crime de forma vinculada. Então e se estivéssemos perante uma queimada a céu aberto? Essa afectação do ar já seria criminalmente atípica.

A professora Fernanda Palma conclui que se entendermos que afectar negativamente o meio ambiente é contribuir para o efeito e não produzir um dano material, o crime de poluição será um crime de perigo pelo menos abstracto-concreto para a saúde e bem-estar da comunidade afectada, da mesma opinião temos a Professora Teresa Quintela nomeadamente devido à dificuldade em provar o nexo causal entre a emissão da substancia poluente e a criação do perigo concreto para o bem-estar de uma comunidade. Bastando a comprovação que esses bens dessa comunidade foram concretamente colocados em perigo.

Este artigo sofreu uma última alteração com a Lei nº56/2011, de 15-11, através de uma maior pormenorização de condutas aptas a lesar o meio ambiente, e no seu nº 6 define o conceito de danos substanciais.

 "A natureza tem uma estrutura feminina: não se sabe defender mas sabe se vingar como ninguém". M. S.

Bibliografia:

Batista Luís- O crime de poluição antes e depois da revisão do Código Penal de 2007
Santos, André Teixeira dos- O crime de Poluição (artigo 279º): o conceito de “poluição em medida inadmissível”
Brito, Teresa Quintela de- Anuário de Direito do Ambiente-1995

Trabalho realizado por : ANA CRISTINA VARGAS, aluno nº 16456, subturma 1.












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