quinta-feira, 17 de abril de 2014

O Princípio da Precaução e o Princípio do Poluidor-Pagador

O Princípio da Precaução e o Princípio do Poluidor-Pagador


Todos temos consciência que a sociedade actual é uma fonte de riscos para o meio ambiente (e, em muitos aspectos, contribuímos para tal), tendo estes tendência para piorar de forma linear relativamente à evolução natural que se prevê. Essas desvantagens são a contrapartida directa dos efeitos benéficos que nos traz essa mesma evolução, sejam eles tecnológicos, científicos, financeiros ou outros, pelo que, muitas vezes, existe a tendência para “fechar os olhos” aos efeitos negativos daí resultantes, principalmente por parte daqueles que mais aproveitam dessas actividades (que, muitas vezes, não são os principais prejudicados pelos efeitos nocivos decorrentes das mesmas, pelo menos de forma directa).

Assim, e para evitar esta atitude de desvalorização dos danos resultantes de tal actuação, é necessária a imposição de princípios, normas e regras que regulem estas actividades e que exijam que alguém responda por estes riscos e prejuízos decorrentes das mesmas para o meio ambiente e, consequentemente, para terceiros que, pouco ou nada poderão aproveitar da actividade em questão.

Para que haja uma breve contextualização histórica, este assunto toma particular importância em duas situações distintas, mas no mesmo ano de 1972. De uma forma mais geral, materializando o Princípio da Prevenção de que falaremos já de seguida, na Declaração de Estocolmo, onde se podiam ler ideias como "Deve-se encorajar a luta legítima dos povos de todos os países contra a poluição." (Princípio 6), "Os Estados devem tomar as medidas possíveis para impedir a poluição dos mares com substâncias suscetíveis de porem em risco a saúde humana, prejudicarem os recursos biológicos e a vida dos organismos marinhos, e danificarem as belezas naturais ou interferirem com outros usos legítimos do mar." (Princípio 7) e "Os Estados devem cooperar no desenvolvimento do Direito Internacional no que concerne à responsabilidade e à indemnização das vítimas da poluição e de outros prejuízos ambientais que as atividades exercidas nos limites da jurisdição destes Estados, ou sob seu controlo, causem às regiões situadas dos limites da sua jurisdição." (Princípio 22). A outra situação, esta já bastante concisa quanto ao Princípio do Poluidor-Pagador, é a da Recomendação C(72)128, de 26 de Maio da OCDE (Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico) que referia "O PPP significa que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas de controle da poluição decididas pelas autoridades públicas para garantir que o ambiente esteja num estado aceitável, ou, noutras palavras, que os custos de tais medidas sejam refletidos nos preços dos bens ou serviços que causam poluição na sua produção ou/e consumo."
Esta preocupação está, a nível internacional, actualmente presente no Art. 191º do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que substituiu o Art. 174º do TCE ("Tratado da Comunidade Europeia") e a nível nacional no Art. 66º da Constituição da República Portuguesa, bem como nas leis de vários outros países, como é exemplo o Art. 225º da Constituição Federal Brasileira.


“Mais vale prevenir que remediar”

Para dar inicio a este tema temos, forçosamente, que começar por falar no Princípio da Prevenção que é a base da ideia de protecção do meio ambiente e, no fundo, o núcleo do Direito Ambiental. O Princípio da Prevenção, para que se consiga aplicar, exige a capacidade de antecipação deste tipo de actuação potencialmente danosa para o ambiente e a identificação dos meios que melhor consigam responder às situações de risco em questão. Tratam-se, portanto, de medidas utilizadas para evitar o dano ou evitar o agravamento de um dano já iniciado.

Podemos fazer uma diferenciação entre dois tipos de medidas de prevenção: as medidas de prevenção primárias, que visam evitar a ocorrência de um dano que ainda não ocorreu e existe apenas uma ameaça eminente, e as medidas de prevenção secundárias, que pretendem impedir que um dano já verificado se venha a agravar, ou seja, são medidas de “minimização” que surgem após o dano e pretendem evitar o agravamento do mesmo.

Entenda-se que existe sempre uma ideia de subsidiariedade entre as medidas de prevenção e as de reparação, que apenas devem ser aplicadas quando as primeiras não forem possíveis ou se mostrarem insuficientes.

Embora a acção preventiva seja sempre mais eficaz que a acção reparadora, tanto em termos económicos como de resultado final, não se pretende com isto desvalorizar as medidas de reparação dos danos, até porque estas acabam por ter uma dupla funcionalidade. Além de serem reparadoras, nos termos que falaremos mais adiante, estas medidas são, por si só, dissuasoras de comportamentos ilícitos. O agente (leia-se poluidor), ao ter conhecimento que existe uma resposta àquele comportamento (provavelmente mais dispendiosa para ele que actuar de forma divergente daquela e de acordo com o que é mais favorável para o ambiente) acabará por não se sujeitar às sanções aplicáveis ao comportamento poluidor. Desta forma, uma norma reparadora acaba por ter, indirectamente, uma função preventiva.

Assim, podemos considerar que o Princípio da Prevenção representa um processo de educação e consciencialização, processo esse que se mostra ser de médio/longo prazo, pelo que o princípio da prevenção não pode (nem deve) “valer por si só”. Para que o seu fim seja conseguido, deve acompanhar-se sempre de outros princípios que prosseguem o mesmo fim e que têm presente a ideia da responsabilidade por danos ambientais. Dos vários princípios que o acompanham (princípio da reparação na fonte, princípio do desenvolvimento sustentável, etc.) escolhemos, para esta análise, o que nos parece ser o que melhor idealiza a questão da responsabilidade por danos ambientais e também o que melhor consciencializa para os problemas daí resultantes: O Princípio do Poluidor-Pagador (PPP).


"Quem estraga velho, paga novo"

O Princípio do Poluidor-Pagador, além de ser o princípio inspirador do regime da responsabilidade ambiental é uma importantíssima ferramenta no que respeita à preservação do ambiente pois tem como finalidade internalizar (no poluidor) os custos resultantes da reparação dos danos provocados pela utilização abusiva de recursos naturais. Isto é, é imputada ao próprio poluidor (agressor) a responsabilidade pelos danos causados por este ao meio ambiente, tornando-o responsável pela eliminação (ou, no mínimo, redução) dos mesmos. Assim, os sujeitos económicos que beneficiam de determinada actividade poluente devem ser os responsáveis pela compensação dos prejuízos (externalidades negativas) que daí resultam para todos.

Este conceito tem vindo a ser alargado, de forma a que, além de ficar responsável pelos prejuízos resultantes da actividade em questão, o poluidor-pagador, deve também custear a reconstituição da situação anterior e ainda as medidas de prevenção que se considerem necessárias para impedir ou minimizar comportamentos semelhantes aos dele.

Esta ideia desempenha um papel decisivo numa estratégia que tem como objectivo a melhor utilização dos recursos. A imputação dos custos de reparação dos danos causados pelos agentes poluidores aos mesmos obriga-os, de certa forma, a procurarem formas menos poluentes de desenvolverem as suas actividades pois, financeiramente, acaba por ser mais sustentável para eles fazerem-no. Esta filosofia de internalização de custos é a forma mais justa de resolver o problema e acaba por ser também, provavelmente, a mais eficaz.

Cabe ainda deixar claro, antes de avançarmos, que as normas reparadoras apesar de corresponderem a uma intervenção a posteriori não pretendem, de todo, representar uma “compra de autorização para poluir”. Estas normas têm como objectivo primário dissuadir o agente-poluidor de praticar determinado comportamento e, caso este objectivo se mostre falhado, garantir que esse mesmo agente, no mínimo, “compensa” o ambiente pelo estrago que causou. Ou seja, o  pagamento trata-se apenas de uma consequência do acto danoso praticado pelo sujeito e que pretende “indemnizar o meio ambiente” pelos danos causados. O intuito da ideia, o seu fim último, é sempre a protecção do ambiente, tentando dissuadir o agente daquele comportamento, e nunca autorizá-lo a praticar o facto, desde que aceite as consequências.
Não existe qualquer ratio de “taxa para poder poluir” nestas normas.

Há que fazer uma distinção entre o até aqui falado poluidor-pagador e o utilizador-pagador. Estas duas ideias são diferentes no sentido em que é exigido ao utilizador de recursos naturais o pagamento de um determinado valor pela simples utilização dos mesmos, independentemente da poluição, enquanto que no caso do poluidor-pagador, apenas há lugar a este pagamento quando existe efectivamente o dano causado ao meio-ambiente pela poluição resultante da sua actividade.

Após percebermos em que consiste esta questão, há que saber quem é esse mesmo poluidor-pagador o que, nos casos concretos, nem sempre é fácil identificar. De uma forma abstracta e simples quem deve pagar é quem polui. No entanto, cabe analisar cada situação e esta definição nem sempre se mostra eficiente. Quando se trata de poluição decorrente de um processo produtivo de um determinado bem, então o poluidor será, sem grandes dúvidas, o produtor desse mesmo bem. Mas se for o produto em si que é poluente, por exemplo, quando apenas há poluição no momento da utilização, o poluidor será quem o produz ou quem o utiliza? Isto é, se a produção em si não for poluente, ainda que o produtor tenha a consciência de que mais tarde aquele produto, nem que seja pela sua decomposição, irá causar poluição, a verdade é que, da sua actuação, não resultou qualquer dano para o ambiente.
O mais próximo que temos de uma resposta a este problema é o disposto na Recomendação do Conselho 75/436, que, no fundo, envereda pela solução mais simples: o poluidor deve ser aquele que for “mais fácil de controlar” e também “o melhor pagador”. Ora, tendo em conta esta conclusão, facilmente percebemos que os danos serão sempre imputados ao produtor, uma vez que o consumidor/utilizador muito dificilmente preencherá melhor que o primeiro estes critérios.

No entanto, esta solução tem como lógica apenas a eficácia e a facilidade de resolução da questão, mas não será, em todo e qualquer caso, a mais justa. Assim, a solução apresentada pela Profª Drª Maria Alexandra Aragão parece ser mais correcta e justa que a anteriormente descrita: Não devemos procurar quem é o poluidor num prisma abstracto. Devemos tentar perceber quem é que tem, efectivamente, o poder de controlo sobre essa mesma poluição, ou seja, se a actividade que desencadeia a poluição é a de produção ou a de consumo (seja no momento da utilização ou da eliminação dos bens). Dependendo da resposta a esta questão, podemos então determinar quem é o verdadeiro poluidor e, consequentemente, quem deve ser o pagador.

Situações mais simples são as das actividades às quais se aplica o PPP, sem necessidade de verificação no caso concreto. Existe uma listagem dessas actividades presente no anexo III do Decreto-Lei n.º147/2008, de 29 de Julho, aparentemente taxativa, que inclui, por exemplo: a exploração de instalações sujeitas a licença, o transporte de mercadorias perigosas ou poluentes, etc. No entanto, é permitido, aos Estados-Membros, que apliquem o mesmo a actividades não elencadas nesta lista, se forem susceptíveis de causar danos ambientais.

Existem ainda excepções, em que o poluidor não é obrigado a pagar, como por exemplo as situações em que este tenha adoptado todas as medidas de segurança adequadas e os danos resultem de uma acção (ou omissão) de um terceiro, que o poluidor não tinha forma de prever ou prevenir. Ou também as situações de danos decorrentes de actividades legais que tenham sido expressamente autorizadas e desenvolvidas com os cuidados e diligências necessárias, respeitando a dita autorização.


Conclusão

Após exposta a matéria referente a este tema, cabe fazer uma consideração final quanto à aplicabilidade real do PPP. A medida poderá ser eficiente em muitos casos mas considera-se que noutros tantos poderá "perder-se pelo caminho". Isto é, se estivermos a falar de grandes empresas, com uma capacidade de produção gigantesca e lucros acima da média, parece-nos que o PPP pode tornar-se uma "armadilha" pois acabará por funcionar, ao contrário do que é previsto, como uma "taxa a pagar para poder poluir". Não parece ser um grande obstáculo, para uma empresa de grandes dimensões e lucros ter de pagar (mais uma) taxa, se isso lhe trouxer mais lucros do que a opção de não poluir. Assim, parece-nos que seria mais vantajoso e eficaz optar-se por uma via de imposição de limites rígidos à produção de poluição, passando estes quer pela redução da própria produção, quer pela utilização de materiais/processos de produção menos poluentes. Caso contrário acabamos por cair no contrário de tudo o que foi dito neste texto, pois estaremos a "privilegiar" a reparação dos danos, face a possibilidade e impedir que eles ocorram.


NOTA: Este texto foi escrito ao abrigo do "antigo" Acordo Ortográfico.



Bibliografia:

Vasco Pereira da Silva – Verde Cor de Direito
Maria Alexandra Aragão – O Princípio do poluidor pagador como princípio nuclear da responsabilidade ambiental no direito europeu (Actas do Colóquio: A responsabilidade civil por dano ambiental.)
Maria Alexandra Aragão – O Princípio do poluidor pagador, pedra angular da política comunitária do ambiente
Teresa Margarida Fernandes – Princípio do Poluidor-Pagador (Seminário de Doutoramento)



Telma Silva, Nº 18431

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