O direito europeu desde cedo assumiu preocupações ao nível ambiental, ainda que o marco da política ambiental europeia apenas tenha sido o Acto Único Europeu, em 1987[1]. Assim, por ter precedido os direitos nacionais no que toca à regulação normativa das matérias ambientais, poder-se-á dizer que o direito europeu está mais avançado do que os direitos dos Estados-membros, nomeadamente do que o direito português. Isto é comprovado ainda na actualidade no que concerne à certificação energética de edifícios, que será objecto de um estudo mais atento nesta sede.
A
matéria de certificação energética de edifícios é regulada, actualmente, pela Directiva
2010/31/UE, que veio substituir e actualizar a anterior directiva, a Directiva
2002/91/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002. A
directiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei
n.º 118/2013, de 20 de Agosto, que não irá ser analisado neste trabalho.
A
Directiva 2010/31/UE assume diversos objectivos,
assumidamente de carácter global. Mais
do que cumprir o Protocolo de Quioto de 1992 visa, através do aumento da
eficiência energética, a redução da emissão de gases de efeito de estufa
(considerando 3) e manter a subida da temperatura global abaixo dos 2 º C. Do
prisma das necessidades da UE, a directiva permitirá uma redução em 20% da
dependência energética da União até 2020, a promoção da segurança do aprovisionamento
energético, a promoção de avanços tecnológicos, a criação de oportunidades de
emprego, ao mesmo tempo que se promove o desenvolvimento regional. Em síntese, está em causa a protecção ambiental enquanto
valor global carecido de protecção (em especial, ao nível supraestatal) e a construção
sustentável da UE. Assim se procurará combater ao aumento gradual do
consumo de energia na União, já que este tende a aumentar a par do crescimento
económico e da expansão do sector imobiliário.
A Directiva implementa
um sistema de certificação energética, para o qual a União
contribuirá através de diversos instrumentos financeiros (considerando 18) – a
título exemplificativo, uma PPE relativa à iniciativa «Edifícios europeus
eficientes em termos energéticos», que visa a promoção de tecnologias verdes e
o desenvolvimento de sistemas e materiais eficientes em termos energéticos,
entre outros. Sistemas técnicos de edifícios – artigo 8.º.
Analisemos
detalhadamente cada um dos aspectos do sistema de certificação energética:
Âmbito
subjectivo: são destinatários os sujeitos privados
que sejam proprietários ou locatários de edifícios ou fracções autónomas. Um
dos objectivos do regime do certificado energético é incutir a promoção da
eficiência energética pelos particulares (considerando 22), o que permitirá uma
prossecução mais perfeita, porque descentralizada, do objectivo do aumento da eficiência
energética da União – logo, a uma regulação vertical da matéria soma-se uma
cooperação horizontal por particulares. De forma a permitir esta participação
privada, o certificado energético deve conter a informação (artigo 20.º)
relativa aos métodos e práticas que contribuem para a melhoria do desempenho
energético e indicar formas de melhorar esse desempenho.
Também
se verifica uma cooperação horizontal com autoridades locais e regionais, que
devem envolver-se em questões de planeamento e aplicação da directiva (considerando
28).
O
sector público do Estado tem o encargo especial de obtenção de certificado
energético. A Directiva refere esse encargo ao indicar que o Estado deve dar o
exemplo nos edifícios ocupados por entes públicos (considerandos 21 e 23). Ademais,
os planos nacionais deverão estabelecer objectivos mais ambiciosos para os
edifícios ocupados por autoridades públicas.
Âmbito
objectivo: estão obrigatoriamente sujeitos à
certificação os edifícios novos e os edifícios existentes sujeitos a grandes
obras de renovação.
Certificação
energética: a matéria da certificação energética
exige que sejam tidos em consideração factores não estritamente energéticos,
tais como as condições climáticas externas, as condições locais, as exigências
em matéria de clima interior e de rentabilidade económica, o que demonstra que
se trata de uma matéria complexa. Ainda que a eficiência energética corresponda
a um objectivo «primário» da UE no que respeita às medidas ambientais, a
certificação energética não oblitera quaisquer outros interesses relevantes que
possam estar presentes, como sejam a acessibilidade, segurança e utilização prevista
do edifício (considerando 8).
A
certificação energética realiza-se na emissão de um certificado energético (regulado nos artigos 11.º, 12.º e 13.º),
que vai indicar o nível de desempenho energético
de um edifício. Este corresponderá, de acordo com o art. 2.º/4 da
Directiva, à «energia calculada ou medida necessária para satisfazer a procura
de energia associadas à utilização típica do edifício, que inclui,
nomeadamente, a energia utilizada para o aquecimento, o arrefecimento, a
ventilação, a preparação de água quente e a iluminação».
Os
requisitos mínimos do desempenho energético (artigo 4.º) são estabelecidos de
acordo com métodos harmonizados (métodos de ensaio e de cálculo, previstos no Anexo
I do diploma, que prevê o quadro geral comum para a metodologia de cálculo) e
atendendo a categorias de eficiência energética. Orientam-se pela procura de um
equilíbrio óptimo ao nível da rentabilidade económica entre os investimentos
iniciais efectuados e os custos de energia poupados ao longo do ciclo de vida
do edifício. A posteriori, a Comissão
Europeia vai elaborar um quadro comparativo para calcular os níveis óptimos de
rentabilidade dos requisitos mínimos de desempenho energético. A exigência de requisitos
mínimos para o desempenho energético não pode, contudo, constituir um entrave
injustificável ao mercado, o que denota que a tutela ambiental e energética no
plano europeu vive a par das preocupações relativas ao funcionamento do mercado
interno.
O
certificado energético tem a validade máxima de 10 anos (art. 11.º/8), o que significa
que após esse lapso temporal o nível de desempenho energético do edifício nele
atestado terá que ser sujeito a uma nova avaliação.
Fiscalização
e controlo: o funcionamento do sistema depende da
realização de inspecção (artigos 15.º e 16.º) e certificação regulares por
técnicos especializados independentes (artigos 17.º e 18.º). A inspecção e certificação
em causa devem observar uma abordagem comum, de forma a permitir o nivelamento
das condições, no que respeita aos esforços desenvolvidos nos Estados-membros
em matéria de económica de energia no sector dos edifícios (considerandos 26 e
27).
O
desrespeito pelas prescrições resultantes do sistema de certificação energética
dá lugar à aplicação de sanções, que serão estabelecidas pelos Estados-membros,
respeitando as orientações da UE - as sanções deverão ser efectivas,
proporcionais e dotadas de um efeito dissuasor.
Inovações
da Directiva 2010/31/UE: surgimento da noção de
edifício com necessidades quase nulas de
energia (art. 2.º/2, anexo I), que se reporta aos edifícios com um
desempenho energético muito elevado, isto é, com necessidades de energia muito
reduzidas e satisfeitas através de energia proveniente de fontes renováveis,
incluindo a que seja produzida no local ou nas proximidades do mesmo
(novamente, ressalta o objectivo de desenvolvimento regional).
De
acordo com o artigo 9.º, estes edifícios deverão existir nos Estados-membros até
ao final do ano de 2020, no que se refere aos edifícios novos, ou até ao final
de 2018, no caso dos edifícios a cargo de entidades públicas. Este aumento do
número de edifícios com necessidades quase nulas de energia deve ser proporcionado
por planos nacionais (artigo 9.º/1), que podem incluir objectivos diferenciados
consoante a categoria de edifícios em causa.
Planos nacionais:
- Plano
Nacional de Acção para a Eficiência Energética (PNAEE 2016),
aplicável a diversos sectores, entre os quais o sector imobiliário, que
contempla uma poupança de energia prevista de 8,2% até 2016. Este plano
foi sujeito a revisão para o período 2013-2016 (Estratégia para a
Eficiência Energética) através da Resolução
do Conselho de Ministros n.º 20/2013, de 10 de Abril.
- Plano
Nacional de Acção para as Energias Renováveis (PNAER 2020), que prevê
a realização de metas assumidas pela U.E de redução de 20% dos consumos de
energia primária até 2020, o objectivo geral de redução no consumo de
energia primária de 25% e o objectivo para a Administração Pública de
redução de 30% e a introdução de fontes de energias renováveis (FER) em
três grandes sectores - aquecimento e arrefecimento,
eletricidade,
transportes.
A revisão do PNAER para o período 2013-2020 foi
contemplada na Estratégia para as Energias Renováveis, que também foi aprovada
pela Resolução
do Conselho de Ministros n.º 20/2013, de 10 de Abril.
- Programa
de Eficiência Energética para a Administração Pública (ECO.AP),
lançado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º2/2011, cujo
objectivo é alcançar um nível de eficiência energética na ordem dos 30%
até 2020 nos organismos e serviços da Administração Pública, sem que tal
importe um aumento da despesa pública. Concomitantemente, deverá ser
possível estimular a economia no sector das empresas de serviços
energéticos, mediante um enquadramento legal das mesmas e a contratação
pública de gestão de serviços energéticos. De forma a divulgar o
desempenho energético da Administração Pública foi instituído o Barómetro de Eficiência Energética,
que também serve o propósito de através de promover a competição entre as
entidades públicas, através da divulgação pública do ranking de desempenho
energético dos serviços e organismos da administração direta e indireta do
estado, através de uma bateria de indicadores de eficiência energética.
Considerações finais:
consideramos que a Directiva 2010/31/UE representou um passo em frente no que toca
ao aumento da eficiência energética da União, nomeadamente face à circunstância
de ter introduzido a noção de edifícios com necessidades quase nulas de energia.
Este diploma representou um aumento da carga normativa sobre a matéria, o que
se compreende, à luz do contexto actual de afirmação político-económica da UE [2]. A
adopção de instrumentos jurídicos que permitam a efectivação dos objectivos
supranacionais passou pelo Decreto Lei n.º 118/2013 e pelos Planos nacionais supra referidos. O sistema actual ainda
está a ser testado pela ADENE (Agência para a Energia), que exerce a
competência de gestão do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE)
implementado pelo decreto-lei referido. A aplicação do modelo pensado nas
instâncias europeias no contexto português permitirá testar adequação das
medidas impostas pela Directiva aos objectivos ambientais por ela prosseguidos.
Luísa Pereira, n.º 20880
Bibliografia:
DIAS,
José Eduardo Figueiredo, A certificação e a eficiência energéticas dos
edifícios, in Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º
3, 2008, pp. 139-162.
RAIMUNDO,
Miguel Assis, Eficiência Energética, sector imobiliário e ambiente – algumas
notas, in Actas do Colóquio Ambiente & Energia, e-book, Lisboa,
ICJP, 2011, pp. 179-205.
[1]
Para mais desenvolvimentos sobre a evolução das preocupações ambientais no
plano europeu e no plano internacional, vide
o nosso outro artigo neste blog, «A Lei de Bases do Ambiente (LBA) no
ordenamento jurídico-ambiental actual: surgimento a par do direito
internacional e do direito europeu do ambiente; revisão e futuro da LBA».
[2]
Raimundo, Miguel Assis, ob. cit., p.
183.