domingo, 1 de junho de 2014

A certificação energética de edifícios: abordagem à luz da Directiva 2010/31/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 2010


           O direito europeu desde cedo assumiu preocupações ao nível ambiental, ainda que o marco da política ambiental europeia apenas tenha sido o Acto Único Europeu, em 1987[1]. Assim, por ter precedido os direitos nacionais no que toca à regulação normativa das matérias ambientais, poder-se-á dizer que o direito europeu está mais avançado do que os direitos dos Estados-membros, nomeadamente do que o direito português. Isto é comprovado ainda na actualidade no que concerne à certificação energética de edifícios, que será objecto de um estudo mais atento nesta sede.

A matéria de certificação energética de edifícios é regulada, actualmente, pela Directiva 2010/31/UE, que veio substituir e actualizar a anterior directiva, a Directiva 2002/91/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002. A directiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de Agosto, que não irá ser analisado neste trabalho.

A Directiva 2010/31/UE assume diversos objectivos, assumidamente de carácter global. Mais do que cumprir o Protocolo de Quioto de 1992 visa, através do aumento da eficiência energética, a redução da emissão de gases de efeito de estufa (considerando 3) e manter a subida da temperatura global abaixo dos 2 º C. Do prisma das necessidades da UE, a directiva permitirá uma redução em 20% da dependência energética da União até 2020, a promoção da segurança do aprovisionamento energético, a promoção de avanços tecnológicos, a criação de oportunidades de emprego, ao mesmo tempo que se promove o desenvolvimento regional. Em síntese, está em causa a protecção ambiental enquanto valor global carecido de protecção (em especial, ao nível supraestatal) e a construção sustentável da UE. Assim se procurará combater ao aumento gradual do consumo de energia na União, já que este tende a aumentar a par do crescimento económico e da expansão do sector imobiliário.

A Directiva implementa um sistema de certificação energética, para o qual a União contribuirá através de diversos instrumentos financeiros (considerando 18) – a título exemplificativo, uma PPE relativa à iniciativa «Edifícios europeus eficientes em termos energéticos», que visa a promoção de tecnologias verdes e o desenvolvimento de sistemas e materiais eficientes em termos energéticos, entre outros. Sistemas técnicos de edifícios – artigo 8.º.

Analisemos detalhadamente cada um dos aspectos do sistema de certificação energética:

Âmbito subjectivo: são destinatários os sujeitos privados que sejam proprietários ou locatários de edifícios ou fracções autónomas. Um dos objectivos do regime do certificado energético é incutir a promoção da eficiência energética pelos particulares (considerando 22), o que permitirá uma prossecução mais perfeita, porque descentralizada, do objectivo do aumento da eficiência energética da União – logo, a uma regulação vertical da matéria soma-se uma cooperação horizontal por particulares. De forma a permitir esta participação privada, o certificado energético deve conter a informação (artigo 20.º) relativa aos métodos e práticas que contribuem para a melhoria do desempenho energético e indicar formas de melhorar esse desempenho.

Também se verifica uma cooperação horizontal com autoridades locais e regionais, que devem envolver-se em questões de planeamento e aplicação da directiva (considerando 28).

O sector público do Estado tem o encargo especial de obtenção de certificado energético. A Directiva refere esse encargo ao indicar que o Estado deve dar o exemplo nos edifícios ocupados por entes públicos (considerandos 21 e 23). Ademais, os planos nacionais deverão estabelecer objectivos mais ambiciosos para os edifícios ocupados por autoridades públicas.

Âmbito objectivo: estão obrigatoriamente sujeitos à certificação os edifícios novos e os edifícios existentes sujeitos a grandes obras de renovação.

Certificação energética: a matéria da certificação energética exige que sejam tidos em consideração factores não estritamente energéticos, tais como as condições climáticas externas, as condições locais, as exigências em matéria de clima interior e de rentabilidade económica, o que demonstra que se trata de uma matéria complexa. Ainda que a eficiência energética corresponda a um objectivo «primário» da UE no que respeita às medidas ambientais, a certificação energética não oblitera quaisquer outros interesses relevantes que possam estar presentes, como sejam a acessibilidade, segurança e utilização prevista do edifício (considerando 8).

A certificação energética realiza-se na emissão de um certificado energético (regulado nos artigos 11.º, 12.º e 13.º), que vai indicar o nível de desempenho energético de um edifício. Este corresponderá, de acordo com o art. 2.º/4 da Directiva, à «energia calculada ou medida necessária para satisfazer a procura de energia associadas à utilização típica do edifício, que inclui, nomeadamente, a energia utilizada para o aquecimento, o arrefecimento, a ventilação, a preparação de água quente e a iluminação».

Os requisitos mínimos do desempenho energético (artigo 4.º) são estabelecidos de acordo com métodos harmonizados (métodos de ensaio e de cálculo, previstos no Anexo I do diploma, que prevê o quadro geral comum para a metodologia de cálculo) e atendendo a categorias de eficiência energética. Orientam-se pela procura de um equilíbrio óptimo ao nível da rentabilidade económica entre os investimentos iniciais efectuados e os custos de energia poupados ao longo do ciclo de vida do edifício. A posteriori, a Comissão Europeia vai elaborar um quadro comparativo para calcular os níveis óptimos de rentabilidade dos requisitos mínimos de desempenho energético. A exigência de requisitos mínimos para o desempenho energético não pode, contudo, constituir um entrave injustificável ao mercado, o que denota que a tutela ambiental e energética no plano europeu vive a par das preocupações relativas ao funcionamento do mercado interno.

O certificado energético tem a validade máxima de 10 anos (art. 11.º/8), o que significa que após esse lapso temporal o nível de desempenho energético do edifício nele atestado terá que ser sujeito a uma nova avaliação.

Fiscalização e controlo: o funcionamento do sistema depende da realização de inspecção (artigos 15.º e 16.º) e certificação regulares por técnicos especializados independentes (artigos 17.º e 18.º). A inspecção e certificação em causa devem observar uma abordagem comum, de forma a permitir o nivelamento das condições, no que respeita aos esforços desenvolvidos nos Estados-membros em matéria de económica de energia no sector dos edifícios (considerandos 26 e 27).

O desrespeito pelas prescrições resultantes do sistema de certificação energética dá lugar à aplicação de sanções, que serão estabelecidas pelos Estados-membros, respeitando as orientações da UE - as sanções deverão ser efectivas, proporcionais e dotadas de um efeito dissuasor.

Inovações da Directiva 2010/31/UE: surgimento da noção de edifício com necessidades quase nulas de energia (art. 2.º/2, anexo I), que se reporta aos edifícios com um desempenho energético muito elevado, isto é, com necessidades de energia muito reduzidas e satisfeitas através de energia proveniente de fontes renováveis, incluindo a que seja produzida no local ou nas proximidades do mesmo (novamente, ressalta o objectivo de desenvolvimento regional).

De acordo com o artigo 9.º, estes edifícios deverão existir nos Estados-membros até ao final do ano de 2020, no que se refere aos edifícios novos, ou até ao final de 2018, no caso dos edifícios a cargo de entidades públicas. Este aumento do número de edifícios com necessidades quase nulas de energia deve ser proporcionado por planos nacionais (artigo 9.º/1), que podem incluir objectivos diferenciados consoante a categoria de edifícios em causa.

Planos nacionais:

  1. Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética (PNAEE 2016), aplicável a diversos sectores, entre os quais o sector imobiliário, que contempla uma poupança de energia prevista de 8,2% até 2016. Este plano foi sujeito a revisão para o período 2013-2016 (Estratégia para a Eficiência Energética) através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2013, de 10 de Abril.
  2. Plano Nacional de Acção para as Energias Renováveis (PNAER 2020), que prevê a realização de metas assumidas pela U.E de redução de 20% dos consumos de energia primária até 2020, o objectivo geral de redução no consumo de energia primária de 25% e o objectivo para a Administração Pública de redução de 30% e a introdução de fontes de energias renováveis (FER) em três grandes sectores - aquecimento e arrefecimento, eletricidade, transportes. A revisão do PNAER para o período 2013-2020 foi contemplada na Estratégia para as Energias Renováveis, que também foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2013, de 10 de Abril.
  3. Programa de Eficiência Energética para a Administração Pública (ECO.AP), lançado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º2/2011, cujo objectivo é alcançar um nível de eficiência energética na ordem dos 30% até 2020 nos organismos e serviços da Administração Pública, sem que tal importe um aumento da despesa pública. Concomitantemente, deverá ser possível estimular a economia no sector das empresas de serviços energéticos, mediante um enquadramento legal das mesmas e a contratação pública de gestão de serviços energéticos. De forma a divulgar o desempenho energético da Administração Pública foi instituído o Barómetro de Eficiência Energética, que também serve o propósito de através de promover a competição entre as entidades públicas, através da divulgação pública do ranking de desempenho energético dos serviços e organismos da administração direta e indireta do estado, através de uma bateria de indicadores de eficiência energética.

 

Considerações finais: consideramos que a Directiva 2010/31/UE representou um passo em frente no que toca ao aumento da eficiência energética da União, nomeadamente face à circunstância de ter introduzido a noção de edifícios com necessidades quase nulas de energia. Este diploma representou um aumento da carga normativa sobre a matéria, o que se compreende, à luz do contexto actual de afirmação político-económica da UE [2]. A adopção de instrumentos jurídicos que permitam a efectivação dos objectivos supranacionais passou pelo Decreto Lei n.º 118/2013 e pelos Planos nacionais supra referidos. O sistema actual ainda está a ser testado pela ADENE (Agência para a Energia), que exerce a competência de gestão do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE) implementado pelo decreto-lei referido. A aplicação do modelo pensado nas instâncias europeias no contexto português permitirá testar adequação das medidas impostas pela Directiva aos objectivos ambientais por ela prosseguidos.

                                                                                                                          
                                                                                                                          Luísa Pereira, n.º 20880
 
Bibliografia:

DIAS, José Eduardo Figueiredo, A certificação e a eficiência energéticas dos edifícios, in Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, pp. 139-162.

RAIMUNDO, Miguel Assis, Eficiência Energética, sector imobiliário e ambiente – algumas notas, in Actas do Colóquio Ambiente & Energia, e-book, Lisboa, ICJP, 2011, pp. 179-205.



[1] Para mais desenvolvimentos sobre a evolução das preocupações ambientais no plano europeu e no plano internacional, vide o nosso outro artigo neste blog, «A Lei de Bases do Ambiente (LBA) no ordenamento jurídico-ambiental actual: surgimento a par do direito internacional e do direito europeu do ambiente; revisão e futuro da LBA».
[2] Raimundo, Miguel Assis, ob. cit., p. 183.

O Direito Fundamental ao Ambiente
O seu conteúdo, evolução jurisprudencial e necessidade no ordenamento Jurídico Português

Bibliografia
Jorge Miranda, Direito do Ambiente . Pag 353° a constituição e o direito do ambiente
Jorge Miranda, Rui Mendeiros. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I- Coimbra Editora
Gomes Canotilho e Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" 3ª edição, pág. 348
A jurisprudência portuguesa no domínio do direito do ambiente – Augusto Ferreira do.o Amaral pg 449
Textos dispersos sobre direito do Ambiente : O Direito do Ambiente- Carla Amado Gomes pag. 20 e ss

Introdução

Com este trabalho pretende-se por um lado analisar o conteúdo do Direito Fundamental ao Ambiente numa perspetiva histórica, seguindo-se de uma perspetiva jurisprudencial para, com base disso se indagar da necessidade da consagração constitucional deste Direito.
O Surgimento...
É no pós anos 70, no resquício da Segunda Grande Guerra que se tornaram patentes os efeitos negativos conjugados da industrialização, urbanização e motorizaçao no planeta e diversas sociedades. Antes disso, estava já consagrado em 1822 o artigo 223° cujo conteúdo se traduzia no essencial a uma incumbência dada às câmaras municipais a tarefa de promover a plantação de árvores nos baldios e nas terras dos concelhos. 
Contudo e até à primeira metade da década de 70, as referências constitucionais eram escassas.
É em 1976 que se consagra explicitamente o direito fundamental ao ambiente associado por sua vez a um conjunto de incumbências estaduais inserido no âmbito da constituição material portuguesa. Surge como um direito subjetivo fundamental, constitucionalmente reconhecido.
O ambiente surge assim como um bem merecedor de tutela jurídica, um bem jurídico que é tutelado em si e por si mesmo.


O conteúdo..

O Direito ao ambiente é composto tanto por faculdades, como como deveres quanto ao Estado e entidades públicas e quanto aos particulares tal como salienta o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2000 enunciando "O direito ao ambiente é um direito subjectivo fundamental, constitucionalmente reconhecido e pertencente a qualquer pessoa. É um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo." (disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/834c69580dac60ed80256b7a0053783e?OpenDocument).
Não há em rigor um direito a que não se verifiquem poluição ou erosão, a usufruir de reservas e parques naturais e de Recreio, paisagens e sítios ou zonas históricas muito menos um direito a uma correta localização de atividades.
A sua localização sistemática na Constituiçao da Republica Portuguesa suscita à sua indagação como Direito Social ou Direito de Liberdade, sendo que e não obstante não concordando com possíveis diferenças de regime a aplicar conforme a conclusão, concordo com JORGE MIRANDA; qualificando-o como um direito de natureza análoga a um Direito de Liberdade.
É o artigo 9º da Constituição da República Portuguesa impõe como tarefas fundamentais do Estado:a promoção, a efectivação dos direitos ambientais e a defesa da natureza e do ambiente (alíneas d) e e)) que por sua vez se traduz no prórpio artigo 66º da Lei Fundamental.

Direito esse que é simultaneamente um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo.
A Constituição não se encarrega contudo de definir o conceito de ambiente, optando por sua vez por traçar os princípios fundamentais de uma política do ambiente (artigo 9º, alínea e), 66º, nº2 , artgo 81º alínea a) e l) e ainda artigos 90º e 93º alínea d))
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA densificam por sua vez os principios fundamentais de tal politica como sendo: a) princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la à "posterior"; b) o princípio da participação colectiva, ou seja, a necessidade de os diferentes grupos sociais interessados intervirem na formulação e execução da política do ambiente; c) o princípio da cooperação que aponta para a procura de soluções concertadas com outros países e organizações internacionais; d) o princípio do equilíbrio que se traduz na criação de meios adequados a assegurar a integração das políticas de crescimento económico e social e de protecção da natureza (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" 3ª edição, pág. 348)

O dever de defender o ambiente trata-se de dever fundamental do qual decorrem consequências de incumprimento. Assim não decorre diretamente da previsão de um direito mas da consagração autónoma deste.
O seu escopo é manifestamente o de conservar o ambiente isto é, atendendo à posição em subjetiva vivida pelo particular em dado momento,  há um dever de abstenção, de non facere, de respeito . o que significa, da parte do particular, o surgimento de uma pretensão em cada pessoa em “não ver afetado hoje, o ambiente em que vive e em, para tanto, obter os indispensáveis meios de garantia”.
Parece ser este o seu núcleo essencial.
Pode-se incluir, por sua vez, agora fora do núcleo essencial, uma panóplia de pretensões nomeadamente, o direito à informação sobre o ambiente, de diferentes quadrantes (66°, n°1, 37°,n°1; 48°, n°2, 268°, n° 1 e 2 da CRP); direito a constituir associações de defesa do ambiente (46°, n°2); direito de participação na formação das decisões asministrativas relativas ao ambiente (artigo 66°, n°1 conjugado com o artigo 267°, n°4), direito de impignar contenciosamente decisões administrativas que possam provocar a degradação do ambiente 268°, n°4; direito de promover a prevenção, cessação ou perseguição judicial de stops tendentes à degradação do ambiente (artigo 52°, n°3, alínea a), 1ª parte.); direito de requerer ora aolesado ou lesados pela degradação do ambiente a correspondente indemnização (artigo 52°, n°3, alínea a), 2ª parte; direito de resistência a qualquer ordem ou a qualquer agressão de particular que ofenda o direito ao ambiente.(artigo 21°))
Por sua vez, e sendo um direito de conteúdo amplo tem também uma vertente positiva da facere, uma vertente promocional e prestacional da parte do Estado que conduzam a criação de um ambiente de visa humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66°, n°1) ao qual se associam o preceituado no artigo 59°/1/c) e 2 al c), 3ª parte bem como o artigo 65°, n°1 e 72°, n° 1
Inegavel é a sua subordinação  e dependência à Ciencia e aderência à realidade biofísica.
Por outro lado e, ao invés de normas de Direito civil, trata-se de um direito que não é neutro, criado para efetivar medidas, interessado, engagé.
Está na base de um intrumento de política ambiental de caráter teleológico e que vê no seu âmbito serem introduzidos vários ramos do ordenamento juridico, por isso se diz que "corta o universo jurídico horizontalmente."
Como conseguimos verificar só pela leitura atenta do artigo presente na Lei Fundamental, este direito comporta diversos institutos, dos quais convém salientar: a defesa antipoluição, a proteção da natureza, o licenciamento de atividades, o ordenamento do território e estudos de impacte ambiental.
Há outra vertente de extremo relevo que é inseparavel deste Direito que se traduz no Princípio da Solidariedade Intergeracional que na opinião de CARLA AMADO GOMES revela um antropologismo alargado.
SIgnifca isto que o ambiente não se protege por si, mas também não se trata de um mero instrumento do bem estar do Homem.
Deverá ser preservado porque é condição de existência dos seres humanos, os quas, por sua vez, são dele partes integrantes. investe-se o Homem da responsabilidade, por este direito, de promover e não perturbar de forma grave e irreversívelmente lesida o equilíbrio ecológico.
Também SENDIM salienta esta tutela antropocêntrica alargada que se traduz basicamente na possibilidade e necessidade de proteger a capacidade e funcionalidade ecológica independentemente da sua utilidade direta para o Homem. Fundamenta-se por isso na consideração do interessse público na integridade e estabilidade ecológica da Natureza o que pode, por sua vez, justificar que determinados interesses humanos, no aproveitamento imediato dos bens naturais, sejam sacrificados.
Se é verdade que na atualidade muitas decisões jurisprudenciais se baseiam neste direito constitucionalmente consagrado, não significa isto que esta noção fosse absolutamente alheia à jurisprudência portuguesa mesmo antes da consagração constitucional o que se prolongou nos primeiros anos de vida do respetivo direito.
Na verdade reconhecemos no Direito do ambente um verdadeiro subjetivo (quando referente aos interesses humanos) que se revela não só na presença em Constituição da República como também e preceitos do Código Civil referentes à saúde, violações da integrdade física, direito ao descanso e até direito de propriedade. 

Evolução jurisprudencial...

À data de 1966 eram estas as jusificações utilizadas para fundamentação de jurisprudência em matérias deste género. A jurisprudência era feita preferencialmente à luz do acervo de normas mais convencionais, tradição que se prolongou nos primeiros anos de vigência.
O Acórdão do STJ de 28/4/77 revela isso precisamente, quando o Metropolitano de Lisboa, numa açao contra ele por parte de uma pessoa singular por ofensa dodireito ao descanso e à saúde se revela procedente, tendo sido obrigado a indemnizar a particular por violaçao de direitos de personalidade presentes no artigo 70ºCC.
Por sua vez a tendência repetiu-se a 4/07/78 e 13/03/86 onde o fundamento da decisão foi uma vez mais baseado em direitos de personalidade e absolutamente relacionado com o Direito à Saúde.
Também o Tribunal da Relação de Coimbra a 25/10/83 condena ao pagamento de indemnização um estabelecimento causador de maus odores e atração de insectos com base numa violação de Direitos de Personalidade e saúde da população circundante e ainda na aplicaçao não do Direito do ambiente mas de uma disposição do Código Civil.  nomeadamente o artigo 1346º que visa proteger proprietários de um imóvel contra as emissões de fumo, fuligem (vapores, calores ou ruídos, bem como à trepidação e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédios vizinhos sempre que tais factos importem prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem de utiliziação normal do prédio. 
A 12/04/80 por sua vez, o mesmo tribunal utilizando os mesmos referidos anteriormente alude ao "movimento ecologista à escala Mundial" o que se revelou positivo embora juridicamente pouco correto, na inclusão destas preocupações nas decisões jurisprudenciais que se avizinhavam.
É por sua vez já nos finais dos anos 80, princípios dos anos 90 que as decisões parecem ter em conta o verdadeiro Direito do ambiente, como direito autónomo, individualizável face aos Direitos com que concorre nomeadamente nos acórdaos do STA de 20/06/89 e 12/03/92 onde o interesse público à não poluição se demonstrou com maior peso face aos interesses laborais e até económicos. isto é, confrontado com por um lado a poluição do rio, provocado por lançamento de resíduos tóxicos e por outro o desemprego iminente de 38 chefes de família que resultaria do encerramento da fábrica bem como a dependência ecoómica da localidade da produçao decorrente do funcionamento da fábrica em questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça por este interesse ambiental, o que revelou desde logo uma das possíveis vantagens da inclusão em preceito constitucional de um Direito deste género.
Ora isto não significou desde logo uma separação estanque entre este direito e o de Propriedade, prova disso foi a decisão do Supremo Tribunal de Justiça em 27/01/93 não obstante em momentos anteriores nos anos 90 terem sido proferidas sentenças verdadeiramente "ambientais" abstraídas portanto da propriedade enquanto bem tutelado pelo ordenamento atendendo unicamente a áreas protegidas e a zonas ecologicamente frágeis a 31/05/90 e ainda uma sentença proferida pelo Juíz de Coruche de 23/03/90 onde o proprietário foi punido por abate de árvores na sua propriedade que abergavam,por sua vez,  espécies protegidas.
Mais recentemente aprofundou-se esta evolução jurisprudencial no Acórdão do STJ de 27/01/2000.


Conclusões
Revela-se portanto que este Direito teve princípio conturbado na jurisprudência tendo demorado até à sua admissão em absoluto pelos Juízes dos diversos Tribunais na medida em que a sua fraca experiência histórica condicionou muitas decisões jurisprudenciais à sua confusão com direitos subjetivos de personalidade e não há consideração do ambiente como um bem em si mesmo considerado. 
Não significa isto que, em parte, as decisões não tenham sido corretas e não demonstrem que à época, a consciência já existia, não obstante os problemas term sido resolvidos com recurso a componentes como o "dano", como o "prejuízo", como a afetação da qualidade de vida dos particulares e não como a afetação do próprio meio como preocupação não só para a qualidade de vida das gerações vindouras como da própria preservação ambiental. 
Atualmente esta crítica parece não poder ser feita pela extensão do artigo 66º que se revela por vezes perniciosa.
Vejamos, como pude demonstrar pela analise jurisprudencial, as decisões dos diversos tribunais pareceram acertadas, não obstante não recorrerem expressamente ao Direito Fundamental ao Ambiente. Assim, cumpre indagar não só pela necessidade como pelo próprio conteúdo do Direito. Não seria afinal este tutelado por outros institutos como o direito de propriedade, o direito à vida entre outros direitos subjetivs de personalidade? Não bastariam Outros?
Na minha opinião faz todo o sentido a sua consagração, não só como Direito Fundamental como até mais relevantemente como Dever Fundamental de Proteger o ambiente. Não significa isto adotar uma perspetica ecocêntrica ou antropocêntrica ou até antropocêntrica alargada, mas adotar uma perspetiva garantistica da nossa geração, das gerações vindouras e dos próprios seres vivos que nos rodeiam e que vivem uma vida própria e independente sem quaisquer influência direta face ao ser humano.
Ao argumento garantístico alia-se um argumento de insuficiência dos restantes direitos fundamentais.
Na verdade, se não houvesse Direito ao Ambiente per se, não se poderia obstar a um comportamento de um proprietário que atentasse contra a sua fauna, a sua flora entre outros desde que o fizesse na sua propriedade. Assim poderiam os latifundiários incendiar campos isolados na sua totalidade, atolhar lixeiras entre outros desde que com isso não afetassem as populações circundantes.
Por outro lado a nível de legitimidade para intentar ações também estaria limitada para quem sofresse o dano, sendo a consagração deste Direito um benefício para o alargamento subjetivo da legitimidade ativa para a interposição de ações contra afetações de bens públicos e simultaneamente privados e ainda qualificados como interesses difusos. Não se limitando a Constituição a reconhecer o direito ao ambiente, mas impondo a todos o dever de defesa desse mesmo ambiente, confere a todos os cidadãos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente (artigo 52º nº 3, alínea a)) (GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA).

A própria inclusão neste direito fundamental de um dever fundamental a proteger o ambiente atribui às pessoas a possibilidade de exigirem do Estado comportamentos ativos e omissivos face a um bem que é de impossíel proteção meramente individual e que carece claramente de recursos materiais e económicos públicos.
Por outro lado, a consagração deste direito atribui às gerações futuras uma garantia que de outra forma seria impossível de reivindicar e por sua vez uma lógica preventiva  em vez de meramente punitiva ou ate ressarcitória que decorria da consagração dos outros direitos.
Como argumento à fortiori podemos ainda acrescentar que, da introdução do preceito em Constituição, resulta a força e vinculação que lhe são característicos e isto significa uma interpretação e execução conforme à Constituição e portanto a consagração deste direito como de nível superior face a outros direitos inscritos em lei substantiva o que se revela útil nomeadamente ao nível da resolução de conflitos de direitos conforme revela o artigo 335ª do Código Civil (CC), circunstância esta que se revelou nos Acórdãos proferidos pelo 3º Juízo Cível do Porto de 12/10/86 e ainda do Juiz de Cantanhede de 30/10 do mesmo ano.
Concordamos com a opinião de CARLA AMADO GOMES quando salienta que este direito, não se encontra, mesmo na letra do artigo 66º," autonomizado tanto de direitos subjetivos tais como a vida, a integridade física como de objetivos constitucionais como o ordenamento do território e proteção do património cultural natural e constituído bem como da promoção da saúde pública, entre outros (Textos dispersos de Direito do Ambiente - Direito do Ambiente, pag 17-20), mas a meu entender, isto não representa necessariamente uma desvantagem para a tutela dos bens jurídicos em questão.
A meu ver, portanto, a inclusão do Direito Fundamental ao Ambiente apresenta-se benéfica e garantística e significará um incremento de tutela para os particulares e para o bem ambiente e é precisamente isso que deve a Constituição promover enquanto guardiã escrita dos direitos de pendor social e global relevante.

Rita Ginestal, nº 20663, Ano 4, subturma 1

Participação Ambiental – Acção Popular na Defesa do Ambiente.


Neste breve exposição teremos como derradeiro objectivo fazer uma análise da acção popular, no caso específico de tutela do bem ambiente. Procuraremos densificar o conceito de legitimidade popular em defesa do ambiente, fazendo uma comparação com o regime cível e administrativo, e densificaremos ainda o conceito de interesses difusos. Da nossa parte, entendemos por oportuno fazer uma abordagem do leque dos sujeitos com legitimidade para proporem acções populares. Por fim, e tendo por base legal a Lei de Participação Procedimental e da Acção Popular, faremos uma análise dos traços que individualizam este regime, dada a sua especialidade.
Relativamente ao princípio da Participação ambiental importa fazer uma breve referência à Convenção de Aarhus de 25 de Junho de 1998, a qual se justificou pela necessidade de construção de um quadro legal internacional com o propósito de defender os interesses públicos na participação ambiental. Aarhus representa um grande desenvolvimento ao nível do direito ambiental internacional impondo directrizes sobre a participação pública nos procedimentos administrativos que tenham impacto no ambiente. Esta convenção teve como objectivo principal proteger o direito de cada indivíduo e das gerações futuras a viver num ambiente que preserve a sua saúde e bem-estar. Para realizar tal desiderato propôs que fossem realizadas intervenções em três domínios, a saber: desenvolvimento do acesso ao público a informação, favorecimento da participação pública em tomada de decisões com impacto significativo no ambiente e alargamento do acesso à justiça.
O direito à participação tem grande relevância no primado do desenvolvimento sustentável, na medida em que possibilita à sociedade praticar a sua cidadania ambiental em cumprimento do seu dever de defesa do ambiente previsto no artigo 66.º, n.º 1 e 2 da CRP.
O direito de participação encontra regulação constitucional no artigo 267.º da CRP, o qual prevê no número 1 que a Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática. Para tal a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas (artigo 267.º, n.º 2 da CRP), sendo que as associações públicas apenas podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas (artigo 267.º, n.º 4 da CRP).
Além de uma referência expressa na nossa Lei Fundamental, a legislação ordinária também faz referência em diversos diplomas ao princípio de participação popular em matéria ambiental.
A lei das Associações de Defesa do Ambiente[1] no seu artigo 4.º, n.º 1 prevê que as associações de defesa do ambiente têm o direito de participar e intervir na definição da política do ambiente e nas grandes linhas de orientação legislativa. Esta lei define, assim, os direitos de participação e intervenção destas associações junto da Administração central, regional e local, mais concretamente o direito de participação e intervenção na definição da política ambiental. Importa ainda fazer referência ao artigo 7.º da lei em abordagem, o qual dispõe que as ditas associações têm legitimidade para accionar as acções necessárias à prevenção ou cessação de
actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação do ambiente e recorrer contenciosamente dos actos administrativos que violem as disposições legais que, nos termos do artigo 66.º da Constituição da República, protegem o ambiente e a qualidade de vida.
No âmbito deste estudo tem um papel relevante a Lei de Base do Ambiente. [2] As políticas públicas de ambiente estão subordinadas a determinados princípios, dentro dos quais o princípio de participação que implica o envolvimento dos cidadãos nas políticas ambientais conforme dispõe o artigo 4.º, alínea e), da Lei 19/2014. A todos é garantido o direito de intervenção e participação nos procedimentos administrativos relativos ao ambiente (artigo 6.º, n.º 1), em especial o direito de participação dos cidadãos, das associações não -governamentais e dos demais agentes interessados, em matéria de ambiente, na adopção das decisões relativas a procedimentos de autorização ou referentes a actividades que possam ter impactes ambientais significativos, bem como na preparação de planos e programas ambientais (artigo 6.º, n.º 2, alínea a)). A todos é ainda reconhecido o direito de tutela plena e efectiva dos seus direitos e interesses, que se encontram legalmente protegidos em matéria de ambiente, em especial o direito de acção para defesa de direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, assim como para o exercício do direito de acção pública e de acção popular (artigo 7.º, n.º 2, alínea a)).
O Código do Procedimento Administrativo eleva o direito de participação à categoria de princípio da participação, devendo os órgãos da Administração Pública assegurara a participação dos particulares, bem como das associações na defesa dos seus interesses (artigo 8.º do CPA). O artigo 53.º, n.º 1 e 2 legitima os cidadãos, titulares de direitos subjectivo ou interesses legalmente protegidos, para a tutela dos danos ambientais provocados pela actuação administrativa.
A protecção do ambiente traduz-se num interesse de preservação de um bem de fruição colectiva que se presta a ser defendido por via de instrumentos de alargamento da legitimidade processual activa.
Do artigo 66.º, n.º 1 da CRP resulta, de forma clara, a atribuição de um direito ao ambiente, e de um complementar dever de defesa do ambiente. Desta norma resulta que qualquer sujeito tem simultaneamente um direito a um ambiente humano, sadio e equilibrado, todavia tem o dever de o preservar. O direito ao ambiente, que é de todos, concretiza-se na faculdade de exigir a terceiros determinadas condutas, activas ou omissivas; já o dever de defesa do ambiente tem um conteúdo mais complexo, dele decorrendo não só a obrigação de não contribuir para a degradação do ambiente, como de igual forma a obrigação de reagir contra qualquer ofensa ao ambiente, quer por meios extrajudiciais como judiciais.
O direito ao ambiente é susceptível, em algumas situações, de uma apropriação individual e de uma utilização em benefício directo e próprio, mas é igualmente possível ser usufruído por qualquer sujeito. Já o dever de defesa do ambiente não incumbe apenas a sujeitos determinados, mas igualmente a todo e qualquer sujeito, mesmo que não seja directamente afectado.
O direito ao ambiente pode configurar-se quer como um direito subjectivo ou interesse legítimo, quer como um interesse difuso. Funciona como interesse difuso quando o direito ao ambiente é perspectivado como a faculdade, reconhecida a todos e a cada um, de reagir contra uma agressão ambiental. Entre estes dois direitos há uma diferença crassa, num a titularidade é individual, no outro é indiferenciada.
Um interesse difuso corresponde a um interesse juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros da comunidade ou de um grupo, no entanto, é insusceptível de apropriação individual por qualquer desses membros. Convém fazer referência à circunstância de não serem os interesses difusos interesses públicos, pois não pertence a titularidade a nenhuma entidade ou órgão público; não se identificam com interesses colectivos, na medida em que não pertencem a uma comunidade ou grupo mas a cada um dos membros, e também não são reconduzíveis a interesses individuais pois são interesses qua não podem ser atribuídos em exclusividade a um sujeito, antes pertencem a qualquer um dos membros da comunidade ou grupo. Daqui decorre que os interesses difusos podem classificar-se simultaneamente como interesses não públicos, não colectivos e não individuais. [3]
Estes interesses necessitam de uma tutela judicial, sem a mesma ficariam desprotegidos interesses difusos importantes. A tutela judicial de interesses difusos enquadra-se na garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça (artigo 20.º, n.º1 da CRP), de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais e de acesso à justiça administrativa para tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos
Segundo o artigo 52.º, n.º 3 da CRP é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e nos termos previstos na lei. Daqui decorre que o sistema português admite quer a class action, em que a legitimidade é conferida a um particular, quer a associação associativa, em que a legitimidade é concedida a uma associação de defesa dos respectivos interesses. O artigo em referência é uma norma imediatamente aplicável, visto que a sua eficácia não fica de forma alguma dependente de uma regulamentação específica. Este resultado advém do acto de o direito ao ambiente ser consagrado como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º da CRP) devendo, por isso, aplicar-se o enunciado do artigo 18.º, n.1 da CRP.
A lei de Participação Procedimental e Acção Popular [4] regulamenta o artigo 52.º, n.º 3 da CRP, prevendo o direito de acção popular. A referida lei define o exercício do direito de participação popular em procedimentos administrativos e a tutela de prevenção, cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no artigo 52.º, n.º 2, alínea b), CRP dentro das quais se encontram as cometidas contra o ambiente (artigo 1.º, n.º 1 da LPPAP). O bem ambiente é um dos interesses especialmente protegidos por este diploma, conforme assim dispõe o n.º 2 do artigo 1.º.
A legitimidade popular é uma extensão da legitimidade processual, consubstanciando-se como um pressuposto processual com a particularidade de dispensar a prova do interesse directo e pessoal. Esta legitimidade não é um meio processual, mas antes um conjunto de especialidades processuais que se inserem nos meios processuais concretamente utilizados pelos autores populares, quer na jurisdição administrativa, quer na jurisdição cível. Esta afirmação decorre do artigo 12.º da LPPAP.
O exercício da acção popular legitima qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras, neste caso, do ambiente, independentemente de terem ou não interesse na demanda (artigo 2.º, n.º 1 da LPPAP). Têm ainda legitimidade popular, as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição.
Entendemos que o melhor é fazer uma análise pormenorizada dos sujeitos investidos em legitimidade popular.
Primariamente, em relação aos cidadãos, importa sublinhar que a natureza imaterial e plurilocalizada das utilidades dos bens naturais faz com que qualquer cidadão possa agir em sua defesa, independentemente do contacto que tenha com o suporte corpóreo.
Contrariamente ao que acontece em outros ordenamentos jurídicos[5], o exercício do direito de acesso à justiça investido em legitimidade popular não é um direito exclusivo dos portugueses mas de todos os estrangeiros que em Portugal detectem ameaças a bens ambientais naturais, ou que no estrangeiro detectem igualmente essas ameaças em virtude de fenómenos de poluição transfronteiriça com origem em Portugal.
A condição de exercício da acção popular não é ser eleitor, mas ser pessoa com interesse na qualidade de fruição de bens colectivos. [6] No entanto, há que fazer uma ressalva ao facto de o cidadão que não tenha em dia os seus direitos políticos não poder ser titular do direito procedimental de participação popular. Já aquele que esteja no pleno gozo dos seus direitos políticos pode fazê-lo, mesmo que não tenha qualquer interesse da sua parte.    
Em segundo lugar, relativamente às acções promovidas por associações e fundações é importante frisar a especialidade das atribuições estatutárias enunciadas no artigo 3.º da LPPAP. Assim, constituem requisitos de legitimidade activa a personalidade jurídica, o incluírem de forma expressa nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa, não exercerem qualquer actividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais. No caso de a acção extravasar os seus objectivos estatutários, a associação não pode actuar. Na realidade, ela própria se auto-limitou na sua capacidade de actuação.
No que concerne em específico às Associações de Defesa do Ambiente, o artigo 7.º da lei 10/87 que tem como epígrafe Direito de prevenção e controle, estabelece que as associações de defesa do ambiente têm legitimidade para propor acções necessárias à prevenção ou cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação do ambiente; recorrer contenciosamente dos actos administrativos que violem as disposições legais que, nos termos do artigo 66.º da Constituição da República, protegem o ambiente e a qualidade de vida, entre outras.
Por último, trata-se do caso das autarquias, leia-se municípios e freguesias. Todavia, não nos podemos esquecer que estas entidades estão constitucional e legalmente comprometidas na tarefa de protecção do ambiente, o que lhes confere competência própria de actuação nesta sede, independentemente do recurso aos tribunais.
Para CARLA AMADO GOMES, a lei parece querer reportar-se ao fenómeno da representação sem mandato análogo subjacente ao mecanismo de tutela de interesses individuais do artigo 15.º da LPPAP.
Não obstante não ser feita qualquer referência no leque de sujeitos com legitimidade na LPPAP, deve referir-se que além da legitimidade difusa que é concedida aos sujeitos particulares e às associações, na protecção jurisdicional do ambiente, ao Ministério Público está igualmente reservada uma importante função. Situação que é difícil compreender, porque quer a lei civil, quer o artigo 9.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos conferem legitimidade ao Ministério Público para propor e intervir na defesa do ambiente. Esta particularidade é ainda mais difícil de compreender, quando a nível jurisprudencial um dos casos mais prolíferos resultou da iniciativa do Ministério Público. [7] A LPPAP faz apenas referência à legitimidade substitutiva dos actores populares em caso de desistência da lide (artigo 16.º, n.º 3 da LPPAP).
No entender de CARLA AMADO GOMES a exclusão do leque de entidades enunciadas no artigo 2.º da LPPAP pode dever-se ao facto de esta lei ser um regime de alargamento da legitimidade procedimental. A realidade é que o MP está presente, nos locais especialmente contenciosos, como detentor da acção pública. A actuação desta entidade vem a traduzir-se numa actuação duplamente qualificada, na medida em que age quer na defesa da legalidade objectiva, como na defesa da qualidade do bem ambiente.
A LPPAP não regula apenas a legitimidade popular, mas igualmente o instituto da acção de grupo, filiada nas class action americana, em que cada membro de um grupo de pessoas tem o direito de litigar em representação de todas elas, mesmo sem obter o seu prévio consentimento.
De facto, as verdadeiras especialidades do regime da acção popular constam dos artigos 13.º, 17.º, 18.º e 20.º da LPPAP.
O artigo 13.º visa desincentivar os autores populares a proporem acções com fins puramente dilatórios. Este regime especial decorre também da circunstância do acentuado facilitismo do acesso à justiça, na medida em que do exercício da acção popular não são exigidos preparos e custas (artigo 20.º da LPPAP). Sendo assim, a petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a procedência do pedido, ouvido o MP ou depois de feitas determinadas averiguações que o julgador tenha por apropriadas. O juiz vê nesta sede acrescidos os seus poderes de saneamento liminar em acções promovidas por autores populares.
Do artigo 17.º da LPPAP decorre de forma inequívoca a natureza pública deste tipo de processos. Na verdade, o juiz não se encontra balizado pelo princípio da imparcialidade, podendo, ele próprio tomar as diligências que entenda por oportunas. Ao juiz cabe a iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação à iniciativa das partes. Desta forma, o juiz está vinculado ao pedido, mas não aos elementos da prova carreados, que por sua iniciativa podem ser acrescidos.
 Em relação ao artigo 18.º também dele decorre traços de especialidade do regime da acção popular. O juiz imprimirá, oficiosamente, no caso de entender necessário para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, efeito suspensivo ao recurso, independentemente de a lei processual aplicável o prever ou não. Este artigo tem como finalidade salvaguardar o efeito útil de uma decisão de provimento do pedido do autor popular atendendo à natureza frágil do objecto subjacente ao litígio.
 Finalmente o artigo 20.º é uma forma de incentivo à promoção de acções de defesa do ambiente pelos autores populares, dispensando-os de preparos e do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido. Em caso de decaimento total, o montante a liquidar é ainda assim simbólico (artigo 20.º, n.º 3 da LPPAP).
Importa por fim, fazer uma breve referência ao facto de inexistir uma providência cautelar específica da tutela contenciosa ambiental, movendo-se os autores populares pelas providências cautelares do contencioso administrativo e contencioso cível. No caso de especial urgência há a possibilidade de decretamento provisório da providência prevista no artigo 131.º do CPTA. Deve também assinalar-se o artigo 120.º, n.º 1 alínea a) do CPTA que apela ao critério da evidência, assim perante uma violação manifesta das normas de protecção jusambiental o juiz concederia a suspensão do acto autorizativo, sem ponderação do n.º 2 do artigo em apreço.

 

Bibliografia:
CARILA, Bleina Queirós, Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração por danos ambientais: um olhar à luz do Direito À informação e do Direito à participação. Mestrado em ciências jurídico políticas 2008/2009;

GOMES, Carla Amado; Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, A acção Pública e Acção Popular na Defesa do Ambiente – Reflexões Breves, 2010, Almedina;
SERRANO, Thiago Pereira Diniz, Direito à informação e Participação no procedimento de avaliação de impacto ambiental: perspectiva Luso-Brasileira. Mestrado em Ciências Jurídico Políticas, 2009;

SOUSA, Miguel Teixeira de; Legitimidade Processual e Acção Popular no Direito do Ambiente, in Direito do Ambiente, INA, 1994.



[1] Lei n.º 10/87, de 4 de Abril.
[2] Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril.
[3] Para Cappelletti são interesses à procura de autor.
[4] Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.
[5] No Brasil a Lei 4.717, de 29 de Junho de 1965 exige a prova da cidadania como condição de exercício da acção popular.
[6] Segundo Acórdão do STJ de 25 de Março de 2004 e do Tribunal Central Administrativo do Sul de 13 de Janeiro de 2005 é condição necessária para o investimento do sujeito em acção popular ser eleitor.
[7] Caso da Cegonhas Brancas decidido pelo Tribunal Judicial de Coruche no ano de 1990. Processo 278/89, de 23 de Fevereiro.


Ana  Cristina Teixeira Lopes, n.º 21474

A contratação pública e os critérios ecológicos - Green Public Procurement

A contratação pública e os critérios ecológicos
Green Public Procurement


“Ao celebrar contratos públicos ecológicos (Green Public Procurement), as entidades adjudicantes públicas podem/devem reduzir o impacto ambiental das suas próprias atividades (por exemplo, procurando reduzir as emissões de CO2 ou promovendo a eficiência energética e a conservação dos recursos naturais) e, ao mesmo tempo, podem/devem incentivar a inovação, influenciando o mercado no sentido de este passar a fornecer produtos, obras e serviços mais ecológicos.”

Professora Maria João Estorninho





O surgimento das preocupações ambientais, na década sessenta e setenta do século passado, tornaram-se um dos elementos que caraterizam o Estado Pós-Social, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva [1]. 
A proteção do ambiente, é hoje, uma tarefa inevitável do Estado moderno e por essa razão assistiu-se ao surgimento do fenómeno da contratação pública verde, como uma forma de incorporar essas preocupações ambientais, também no âmbito dos contratos públicos.
Por contratação pública verde entende-se, então, o conjunto dos “instrumentos jurídicos destinados a promover a gradual integração dos interesses ambientais na disciplina legislativa dos contratos públicos" [2].



O Direito da União Europeia e Jurisprudência do TJUE


O Tratado de Roma, nos seus artigos 2.º e 6.º, dispunha que na prossecução das suas tarefas, a Comunidade deveria promover o desenvolvimento sustentável de actividades económicas a um nível elevado de proteção da qualidade do ambiente. Como consequência destes princípios, reclamava-se uma contratação pública amiga do ambiente.
Também, o Livro Verde sobre os Contratos Públicos, de Janeiro de 2011, acto jurídico de soft law, sob o lema para um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa, invoca a estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, e apresenta, entre outras, propostas no sentido de fomentar que as entidades adjudicantes utilizem melhor os contratos públicos para apoiar objetivos sociais comuns, incluindo a proteção do ambiente [3].
Tenha-se presente que desde a cimeira de Cardiff, em 1998, tem-se vindo a desenvolver-se na Europa uma estratégia global para a possibilidade de incorporação do princípio da integração ambiental, presente no artigo 11.º do Tratado, do qual retira-se que, no âmbito das políticas da União Europeia deve-se ter em consideração exigências de proteção ambiental, devendo os contratos públicos serem vistos como instrumento para o cumprimento desses mesmos objetivos [4].
Na comunicação, Os contratos públicos na União Europeia, de 11 de Março de 1988, a Comissão, admitiu a possibilidade de se adotar critérios ecológicos para efeitos da proposta economicamente mais vantajosa, uma vez que estes permitem à entidade que lança o concurso retirar uma vantagem direta.
Também nas comunicações, sobre o Direito aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais na contratação pública, e a, sobre o direito comunitário aplicável aos contratos públicos as possibilidades de integrar aspetos sociais nesses contratos, de 2001, a comissão considerou que, paralelamente às preocupações económicas, devia-se atender, também, a preocupações ambientais. Podendo estas, serem consideradas, quer em relação ao objeto, quanto a especificações técnicas, como por exemplo, o processo de fabrico, rótulo ecológico, utilização de materiais reutilizáveis, como em relação à fase de seleção, por exemplo, exigência de um sistema de eco gestão, podendo ter lugar, ainda na fase de avaliação da proposta economicamente mais vantajosa.
Realçou ainda a Comissão, em tais comunicações, o princípio da igualdade e da não discriminação, lembrando a importância de se atender a procupações socias, para uma Europa sustentável.
Quanto aos atos de direito derivado vinculativos, as preocupações ambientais na contratação pública, que concedem a possibilidade de recorrer a critérios ecológicos de adjudicação, surgem após a aprovação e entrada em vigor das diretivas da União Europeia, entre 1989 e 2004. Referimo-nos às seguintes diretivas: 92/50/CEE (Diretiva Serviços), 93/36/CEE (Diretiva Fornecimentos), 93/37/CEE (Diretiva Empreitadas), 93/38/CEE (relativa aos ditos sectores especiais, os da água, da energia, do transporte e das telecomunicações) e as Directivas Recursos (89/665/CEE e 92/13/CEE, esta última relativa aos sectores especiais).
Posteriormente assitiu-se a uma codificação ao nível da União, pelas Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE, que além de procederem a uma compilação de regimes anteriormente existentes, atualizam e modernizam o regime anterior.
Factores importantes de realçar das diretivas de 2004, foi a preocupação de clarificar de que forma podem as entidades adjudicantes contribuir para a proteção do ambiente e para a promoção do desenvolvimento sustentável, garantindo ao mesmo tempo a possibilidade de obterem, para os seus contratos, a melhor relação qualidade/preço [5].
Permite-se ainda, invocando a jurisprudência do TJUE, no caso Concordia Bus, para a satisfação de necessidades públicas, atender a critérios sociais e ecológicos, desde que estejam relacionados com o objeto do contrato, não atribuam à entidade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada, sejam expressamente indicados e não contrariem nenhum princípio fundamental do Direito da União Europeia.
Refira-se ainda, a apresentação pela Comissão do manual, A handbook on environmental public procurement, onde incentiva o Buying green, através da escolha de um título verde para o contrato, considerando de fatores como, a durabilidade e reciclagem dos materiais e a utilização de rótulos ecológicos.
Mais tarde, fruto da transposição destas diretivas, surge finalmente no nosso ordenamento jurídico, o Código dos Contratos Públicos, através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, conciliando soluções decorrentes do regime anterior português e das diretivas da União Europeia, indo mais além do que aquilo que resultava das próprias diretivas.
Quanto ao contributo jurisprudêncial europeu lembre-se que no Acordão Beentjes, de 20 de setembro de 1988, e o Acordão Evans Medical e Macfarlan Smith, de 28 de março de 1995, em que o TJUE determinou a possibilidade da entidade adjudicante escolher livremente os critérios para determinar a vantagem economicamente mais vantajosa. Mas, é apenas no Acordão Concordia Bus, de 17 de setembro de 2002, que o TJUE veio admitir expressamente a possibilidade de se atender a critérios ambientais.
No mesmo estava em causa um contrato de prestação de serviços, mais propriamente aquisição de transportes públicos municipais, no âmbito de um litígio entre uma empresa concorrente, contra a cidade de Helsínquia, e a empresa adjudicada.
O caso remonta a 1997, data em que teria sido publicado um anúncio público no JOUE, especificando o tipo de contrato e referindo no anúncio do concurso que seria adjudicado o candidato que apresentasse a proposta economicamente mais vantajosa, atendendo a três critérios: 

i) o preço global pretendido pela exploração; 
ii) a qualidade do material (autocarros);
iii) gestão da qualidade e do ambiente por parte do empresário.

Seriam tidas em consideração as emissões de óxido de azoto e a poluição sonora, emitidas pelos autocarros das empresas concorrentes e iriam ser relevados os empresários que apresentassem um programa de preservação do ambiente comprovado por certificado.
A Concordia Bus não concordando com os pontos atribuídos à outra concorrente em virtude dos critérios referidos supra, interpôs recurso de anulação da decisão. 
Neste cenário o tribunal filandês colocou três questões prejudiciais ao TJUE, que serão referidas e desenvolvidas mais à frente.



As preocupações ambientais como critérios de adjudicação


O legislador nacional, aquando da feitura do Código dos Contratos Públicos, teve a preocupação de integrar valores ecológicos na contratação pública. 
Desde logo o artigo 42.º/6, ao conferir a possibilidade de preocupações de natureza social ou ambiental relativas à execução dos contratos terem que constar do caderno de encargos. 
Já se estivermos perante um procedimento pré-contratual relativo a empreitada de obras públicas, tem que constar, obrigatoriamente, do caderno de encargos, estudos geológicos e geotécnicos, nos termos do artigo 43.º/5, b), do CPP, e ainda estudos ambientais, incluindo a declaração de impacto ambiental, nos termos do artigo 43.º/5, c), do CPP, sob pena de nulidade do caderno de encargos.  
Quanto à adjudicação do contrato, o legislador apenas fez referência a dois critérios: 

i) o do preço mais baixo; e
ii) o da proposta economicamente mais vantajosa;

nos termos do artigo 74.º/1, a) e b). 

Apesar destes critérios decorrerem do artigo 55.º/1, a), da Diretiva 2004/17/CE e do artigo 53.º/1, a), da Diretiva 2004/18/CE, a diferença reside no facto do legislador português não ter feito referência no artigo 75.º/1, do CPP, a "critérios ligados ao objecto do contrato público em questão, como sejam qualidade, preço, valor técnico, características estéticas e funcionais,
características ambientais[6], custo de utilização, rendibilidade, assistência técnica e serviço pósvenda, data de entrega e prazo de entrega ou de execução", como fez o legislador europeu.
Mas, ainda assim, e recorrendo ao Acordão Concordia Bus, citado supra, podemos concluír que essas preocupações ambientais tenham estado no espírito do legislador, uma vez que, tendo-se pronunciado  o TJUE, no âmbito de um procedimento de reenvio de uma questão prejudicial, respondeu afirmativamente à dúvida suscitada pelo tribunal filandês. Se se podia atender a critérios não puramente económicos para se aferir qual seria a proposta economicamente mais vantajosa, nomeadamente a critérios de ordem ambiental.
O TJUE considerou que, o valor da proposta pode ser afetado por critérios não puramente económicos; que os critérios referidos nas diretivas não compõem um elenco fechado, taxativo, não excluíndo, desse modo, a possibilidade de recurso a critérios ecológicos de adjudicação; e ainda, que, a proteção ambiental está consagrada no Direito primário e como tal apresenta-se como uma missão da União Europeia, a qual não seria atingida caso não se atendesse a tais critérios de adjudicação.
No entanto para que não fosse violado o princípio da concorrência, consagrado no artigo 1.º/4, do CPP, o TJUE, veio exigir que para se pudesse atender a critérios ecológicos, estivessem reunidos os seguintes critérios, a saber:

i) os critérios deve estar ligados ao objecto do contrato; 
ii)não podem conferir à entidade adjudicante uma liberdade de escolha incondicional; 
ii) devem estar expressamente mencionados no caderno de encargos ou anúncio do concurso, consoante o procedimento contratual que se pretenda adotar; e, 
iv) devem respeitar todos os princípios fundamentais do Direito da União Europeia, designadamente o da não discriminação.

Apesar destes requisitos terem sido enunciados pelo TJUE na vigência das diretivas anteriores, revogadas pelas Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE, refere o Dr. Filipe Brito Bastos, com razão, que não há motivo para não aplicá-los atualmente. Mesmo não sendo referidos nos artigos 74.º/1 e 75.º/1, do CPP, como fatores e subfatores de adjudicação, os princípios do primado e da interpretação do Direito nacional em conformidade com o Direito da União, assim o impõem [7].



Admissibilidade de qualidades próprias dos possíveis adjudicatários


Para que seja admissivel atender-se a critérios ecológicos, é necessário que estes estejam ligados ao quid do contrato, caso contrário não será possível recorrer a estes critérios adjudicatórios., tal como foi referido anteriormente.
Esta imposição visa não atribuir ao contraente público um poder discricionário, que permita beneficiar determinados candidatos em detrimento de outros, ou levar a fenómenos de corrupção, respeitando-se assim, os princípios da União Europeia, da não discriminação, da transparência e da concorrência.
Questão interessante, é a de saber se é admissível, ou não, atender-se a qualidades próprias dos possíveis adjudicatários.
Em sentido afirmativo pronuncia-se o Dr. Filipe Brito Bastos, e com razão, propondo uma interpretação menos restritiva do artigo 75.º/1, do CPP, e mais conforme ao Direito da União Europeia e aos valores ecológicos que este se compromete a proteger pelos Tratados [8], porque, se essas características ou qualidades se reportarem à capacidade técnica dos potenciais adjudicatários para respeitarem o meio ambiente, ou no historial da sua postura perante a necessidade de preservação de bens jurídico-ambientais, há um interesse público relevante [9], por exemplo, preferir-se candidatos cujo produtos tenham rótulo ecológico.
No entanto, importa referir que, a preocupação do TJUE, de não conferir ao contraente uma liberdade incondicional, obriga a que a entidade pública aprove uma peça procedimental que procure densificar, e assim restringir, aquela margem de livre decisão mediante a fixação de factores e subfactores, que concretizem aquilo que a entidade considera como a proposta economicamente mais vantajosa, devendo estes constar do caderno de encargos, nos termos do artigo 42.º/6, do CPP.




Requisitos de habilitação


Os requisitos de participação vêm referidos nos artigos 52.º e ss, do CCP. No artigo 55.º, do CPP, são referidos os impedimentos que obstam à participação dos concorrentes e que preencham alguma das alíneas aí elencadas. Nas alíneas b) e i) é feita referência à prática de crimes.
No seguimento deste raciocínio, a Professora Maria João Estorninho questiona-se sobre as consequências, da violação de regras relativas a declarações de impacte ambiental, obrigações em matéria de resíduos, conservação da natureza ou contaminação de águas [10], referindo que no ordenamento jurídico espanhol vigora uma norma que, contempla a proibição de contratar com o sector público de todos os que tenham sido condenados por crimes relativos à proteção do meio ambiente ou tenham sido sancionados administrativamente por infração grave em matéria ambiental [11], sendo que, a violação desta norma tem como desvalor jurídico a nulidade dos atos preparatórios e da adjudicação e, em consequência, o próprio contrato [12].



Consequências da violação dos requisitos


Do Direito da União Europeia não derrorre nenhum desvalor jurídico ou vício para os atos administrativos nacionais que o contrariem. A consequência jurídica cabe à autonomia institucional dos Estados: são as regras de Direito interno que decidem, na falta de normas de Direito da União sobre esta matéria [13].
No entanto, é comum a sanção da inaplicabilidade do direito interno, quando este seja desconforme com o Direito da União Europeia, determinando o primado do Direito da União, que sempre que o ato administrativo esteja em contrariedade com o Direito da União Europeia, uma vez que o igual impacto do primado sobre actos jurídicos internos normativos e não normativos é claramente afirmado na Jurisprudência [14], o resultado será o da a desconsideração do acto e a remoção da disciplina que criou para certa situação da vida [15].
Sempre que no caso concreto haja um desrespeito pelos requisitos plasmados no Acordão Concordia Bus, o ato será sempre ineficaz.
No entanto, importa saber se a estes atos aplicamos o regime da nulidade, ou antes, o da anulabilidade. 
A jurisprudência italiana tem aplicado o regime da anulabilidade nestes casos, o que no entender do Dr. Filipe Brito Bastos, não será admissível a aplicação do mesmo regime, sem mais, no nosso ordenamento jurídico, devendo proceder-se à observância das normas de direito interno para determinar qual o regime aplicável, concluíndo da seguinte forma: parece que o acto administrativo de adjudicação (artigo 73.º/1 CCP) que desrespeite as condições Concordia será anulável e ineficaz. Anulável, por violar normas de Direito da União que integram o bloco de legalidade português e não haver norma expressa no sentido da qualificação desta invalidade como nulidade (cfr. o art. 133.º CPA), aplicando-se assim a regra residual do artigo 135.º CPA. E ineficaz, por, a par da sanção imposta pelo Direito interno português, acrescer a sanção característica do Direito da União para actos jurídicos que o violem, a inaplicabilidade ou ineficácia jurídica [16].




Atual processo de revisão das Diretivas de 2004


Como último ponto do nosso post, importa referir o processo em curso de revisão das diretivas de 2004.
Como decorrência da invocação dos novos desafios referidos na, Estratégia Europa 2020, sob o lema do crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, sentiu-se a necessidade de rever a legislação que regula a contratação pública com o objetivo de modernizar e adequá-la ao contexto político, social e económico europeu.
Em cima da mesa, estão propostas para que, os contratos públicos sejam mais bem utilizados, de modo a apoiar objetivos sociais comuns, como a proteção do ambiente; uma maior eficiência na utilização dos recursos e da energia; combate às alterações climáticas; promoção da inovação, do emprego e da inclusão social; e, criação das melhores condições para a prestação de serviços públicos de elevada qualidade. 
Ou seja, pretende-se incentivar, através de instrumentos contratuais, essenciais para alcançar estes objetivos, a aquisição de bens e serviços que fomentem a inovação, respeitem o ambiente e combatam as alterações climáticas, melhorando desta forma o emprego, a saúde pública e as condições sociais.
Realce-se ainda que, prevê-se a possibilidade das entidades adjudicantes poderem exigir que as obras, serviços e produtos sejam detentores de determinados rótulos ecológicos que certifiquem certas caraterísticas ambientais; a possibilidade de exclusão de operadores económicos, caso se tenha verificado infrações a obrigações sociais, laborais ou ambientais, decorrentes do Direito da União Europeia, sendo mesmo, as entidades adjudicantes obrigadas a excluir propostas, sempre que as condiçoes sociais, laborais e ambientais apresentadas por esses operadores sejam demasiado baixas, independentemente de ter havido, ou não, violação de tais obrigações; é dado um papel central à inovação, concedendo às entidades adjudicantes a possibilidade de aquisição de produtos e serviços que apostem na inovação, uma vez que é através dela se caminha para o crescimento futuro e aumento da eficiência.









[1] SILVA, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002, p. 24

[2] SCHIZZEROTTO, Francesco, I principali provvedimenti europei ed italiani in materia di Green Public Procurement, in Rivista Giuridica dell'Ambiente, n.º 6, 2004, p. 967

[3] ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP, p. 5

[4] ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP, p. 7

[5] ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP, p. 15

[6] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.7

[7] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.9

[8] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.11

[9] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.11

[10] ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP, p. 24

[11] ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP, p. 24

[12] ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP, p. 24

[13] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.18

[14] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.18

[15] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.19

[16] BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP, p.20





Bibliografia:


  • ANTUNES, Tiago, O Ambiente entre o Direito e a Técnica, Lisboa, AAFDL, 2003;
  • BASTOS, Filipe Brito, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos. Refelxões de Direito Administrativo Nacional e Europeu, Lisboa, ICJP;
  • ESTORNINHO, Maria João, Green Public Procurement. Para uma Contratação Pública Sustentável, Lisboa, ICJP;
  • GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012;
  • KIRKBY, Mark Bobela-Mota, Os Contratos de Adaptação Ambiental, Lisboa, AAFDL, 2001;
  • MAÇÃS, Maria Fernanda, Os Acordos Sectoriais como um Instrumento da Política Ambiental, in Revista do CEDOUA, 5, ano III, 2000;
  • RAIMUNDO, Miguel Assis, A Avaliação de Impacto Ambiental na Formação e Execução dos Contratos Públicos, in Estudos de Direito do Ambiente e de Direito do Urbanismo, e-book, Lisboa, ICJP, 2011;
  • SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002;



Andreia Patrícia França nº 20939