Os Planos do Ambiente
E a estratégia da avaliação ambiental
1.
Introdução
O Direito do Ambiente
é, nas palavras do Professor Vasco
Pereira da Silva, o laboratório experimental dos novos enquadramentos do
Direito Administrativo, considerando a sua recente legiferação e as soluções
jurídicas que lhe são inerentes.
Como caraterística
não despicienda conformadora destas recentes tendências é a questão da
multilateralidade. Esta caraterística típica do Direito do Ambiente implica,
quer para este, quer para o Direito Administrativo que lhe é subjacente (mas
não só), que se abandone (ou que, pelo menos, seja menos relevante) o conceito
de bilateralidade que configurava a relação entre os particulares e a
Administração Pública, uma vez que as decisões relativas à dinâmica ambiental,
ainda que respeitem diretamente uma relação bilateral, afetarão,
necessariamente, todos os sujeitos de uma determinada comunidade, que são
titulares (ainda que, eventualmente, titulares mediatos) dos direitos a que se
arrogam as partes afetas à matéria ambiental em discussão. Como refere o citado
Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, as autorizações administrativas (…) não são apenas atos singulares, praticados
pela Administração relativamente a indivíduos determinados, mas são também,
simultaneamente, instrumentos reguladores de determinado setor de atividade
económica, em razão dos efeitos produzidos relativamente aos terceiros afetados.[1]
Subjacentes ao
conceito de multilateralidade estão os Planos e Programas com especial reflexo
em matéria ambiental, dos quais destacaremos para este comentário os previstos
na alínea b), do artigo 2.º, do
Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, relativos à sua Avaliação Ambiental
Estratégica (AAE).
2.
Da Avaliação Ambiental Estratégica aos Planos e
Programas
a) A Avaliação Ambiental Estratégica
Tendo em vista as
considerações de Tiago Sousa d’Alte e
Miguel Assis Raimundo,
relativamente ao ordenamento estratégico do território, a decisão na AIA será sempre não ótima do ponto de vista ambiental:
estar-se-á a escolher apenas um “mal menor”, já que as decisões essenciais já
foram ou já deveriam ter sido tomadas a outro nível.[2]
Atento a esta premissa, na esteira da Professora
Carla Amado Gomes, mas em especial consideração ao preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, com referência ao Protocolo de Kiev,
mas também à Diretiva 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de
junho, justifica-se o surgimento deste conceito de Avaliação Ambiental
Estratégica, com o fito de assegurar que, através
da adoção de um modelo procedimental e da participação do público e de
entidades com responsabilidades em matérias ambientais, as consequências
ambientais de determinado plano ou programa produzido ou adotado por uma
entidade no uso de poderes públicos são previamente identificadas e avaliadas
durante a fase da sua elaboração e antes da sua adoção.[3]
Isto é, numa lógica simplificativa: melhor do que remediar consequências
nefastas, ou adotar soluções satisfatórias que salvaguardam o ambiente apenas
no quadro de parâmetros limitados, é prevenir essas situações através de um
planeamento globalizante, mais abrangente e consentâneo com uma completa tutela
ambiental!
Esta avaliação,
regulamentada no Regime da Avaliação Ambiental Estratégica, deve ser articulada
com o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, previsto no
Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, que tem por base o Decreto-Lei n.º
380/99, de 22 de setembro, na redação que lhe é dado pelo Decreto-Lei n.º 46/2009,
de 20 de fevereiro, o que implica que essa avaliação se circunscreva a três
âmbitos distintos: o nacional, o regional e o local. Mais especificamente,
abrange planos e programas relativos aos setores da agricultura, da floresta,
das pescas, da energia, da indústria, dos transportes, da gestão de resíduos,
da gestão de águas, das telecomunicações, do turismo, do ordenamento urbano e
rural ou de utilização dos solos; mas também aqueles que possam afetar um sítio
da lista nacional de sítios, num sítio de interesse comunitário, numa zona
especial de conservação, ou numa zona de proteção especial; bem como outros
cujos futuros projetos possam ser qualificados como suscetíveis de ter efeitos
significativos no ambiente.[4]
Pragmaticamente, este
procedimento visa a elaboração de um relatório ambiental, da responsabilidade
da entidade que elabora o plano ou programa, que deve definir previamente o
âmbito da avaliação a realizar, bem como o nível de densidade da informação que
tal avaliação deve conter. O relatório decorrente desta avaliação deve integrar
a fundamentação das opções assumidas no plano ou no programa, sendo de caráter
obrigatório, ainda que não seja vinculativo, o que se compreende, por um lado
no âmbito formal, já que o próprio regime da AAE permite a dissonância entre a
Declaração Ambiental, prerrogativa daquela avaliação, e a Declaração de Impacte
Ambiental, própria da Avaliação de Impacte Ambiental, e por outro lado no
âmbito material, dado o caráter amplamente abstrato da ponderação a efetuar.[5]
Assim, a Avaliação
Ambiental Estratégica, em paralelismo à Avaliação de Impacte Ambiental,
pressupõe um estudo prévio, mas destrinçando-se desta pelo seu caráter abstrato
e globalizante, sem, contudo, menosprezar eventuais conformações que lhe sejam
impostas pelo regime da AIA e constitui
um processo contínuo e sistemático, que tem lugar a partir de um momento
inicial do processo decisório público, de avaliação da qualidade ambiental de
visões alternativas e perspetivas de desenvolvimento incorporadas num planeamento
ou numa programação que vão servir de enquadramento a futuros projetos.[6]
b) Os Planos e Programas subjacentes
a AAE
Vista a importância
da Avaliação Ambiental Estratégica no processo de adjudicação dos Planos e
Programas tipificados no Decreto-Lei n.º 232/2007 de 15 de junho, cabe
caraterizá-los.
De acordo com Fernanda Paula Oliveira, a alusão
taxativa da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de
Urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto) aos
instrumentos de gestão territorial de que a Administração pode lançar mão
quando pretende intervir no território significa (…) [que] a Administração Pública não pode elaborar os
planos que entender, mas aqueles que a lei prevê de modo típico. Com efeito, é
esse o sentido que se deve retirar do disposto no artigo 34.º daquela lei, que
determina que “todos os instrumentos de natureza legal ou regulamentar com
incidência territorial atualmente existentes deverão ser reconduzidos no âmbito
do sistema de planeamento, ao tipo de instrumento de gestão territorial que se
revele adequado à sua vocação”.[7]
Este duplo
condicionamento dos Planos e Programas (quer na vertente da ‘preferência de
lei’, quer no âmbito da sua conformidade ambiental) insere-se num contexto de
sustentabilidade, a várias escalas e a longo prazo.
Para que se possa ter
um enquadramento factual mais claro apontamos o exemplo do Plano Nacional de
Barragens de Elevado Potencial Hidrelétrico (PNBEPH).[8]
No que concerne o
PNBEPH, a sua avaliação teve como objetivo avaliar a oportunidade e as consequências
das opções de desenvolvimento futuro da implantação nacional de barragens com
elevado potencial energético, bem como salvaguardar as medidas que tivessem de
ser implementadas no quadro de uma concreta Avaliação de Impacte Ambiental,
situação que podia consubstanciar a existência de programas relativos a
determinadas barragens que viessem a ser objeto de alterações próprias da fase
de projeto, tendo em vista minorar impactes face às conclusões da AIA, sem
prejuízo da validade deste programa e da respetiva AAE. Neste programa foram
consideradas 25 barragens.
Assim, esta
avaliação, que foi necessariamente elaborada num momento anterior a qualquer
estudo que visasse uma implantação concreta de uma barragem, teve um caráter
globalizante e consequentemente macro, só podendo ser realizado com recurso a
informações existentes e imediatamente disponíveis (situação que não se
coadunava com visitas a locais específicos) e teve como objetivo primordial
identificar possíveis riscos e ameaças decorrentes daquele PNBEPH.
O caráter estratégico
deste tipo de avaliação centrou-se em critérios que traduziram tendencialmente
os benefícios, direta ou indiretamente, associados, bem como os possíveis
aspetos negativos que pudessem derivar da sua execução e exploração. As opções
estratégicas, de natureza técnica, económica, social e ambiental, consideradas,
tendo em vista a sua delimitação, foram as seguintes:
a)
Potencial hidroelétrico do
aproveitamento – que assegurasse a maximização do objetivos fundamentais do
programa, sendo avaliados aspetos técnicos e económicos considerados relevantes
para a determinação da valia hidroelétrica de cada aproveitamento;
b)
Otimização do potencial hídrico da
bacia hidrográfica – que se prendeu com as mais-valias representativas dos
aspetos socioeconómicos, associados à implementação de cada um dos
aproveitamentos, considerando outras utilizações que, por si só, não seriam
determinantes para a viabilidade do empreendimento;
c)
Conflitos/condicionantes ambientais –
tendo em vista os diversos aproveitamentos, de acordo com os aspetos ambientais
determinantes para a viabilização de um específico aproveitamento, ou
condicionamentos relativos à calendarização da sua concretização;
d)
Ponderação energética, socioeconómica
e ambiental – que visasse assegurar a mais-valia global de cada aproveitamento,
através da ponderação quantitativa do respetivo potencial de produção de
energia, da possibilidade da sua utilização para fins múltiplos e da
consideração dos aspetos ambientais mais relevantes, associados à execução dos
aproveitamentos.
Destas opções, a que
foi considerada mais adequada, enquanto opção mais sustentável, foi a que
considerou a ponderação energética, socioeconómica e ambiental, tendo em vista
o caráter ambiental desta avaliação, face ao programa a que estava subjacente.
A forma como foram
definidas as quatro opções estratégicas, assumidas no programa, foi também
sujeita a uma melhoria da sua justificação, fator que levou à rejeição da
inclusão, neste programa, das Barragens de Rebordelo e Pêro Martins, uma vez
que, ainda que tais barragens pudessem ser integradas numa das primeiras duas
opções, a sua inclusão não levava em consideração as questões ambientais, o
que, passando a redundância, levou à sua exclusão pois, no conjunto das 25,
apresentavam ameaças ambientais consideradas significativas.
Há ainda a salientar
a expressiva taxa de participação de entidades interessadas e de pessoas
singulares, na consulta pública desta AAE.
3.
Síntese conclusiva
Os Planos e Programas,
ora tratados, já eram uma realidade administrativa enquanto parte integrante da
gestão territorial. Não obstante, a inclusão da avaliação ambiental no
procedimento que lhe está associado veio atribuir-lhe uma dupla valência:
primeiro, implica um estudo mais assertivo no que se refere à delimitação dos
projetos que (eventualmente) incluirá, consubstanciando uma gestão territorial
mais profícua e, consequentemente, mais eficaz a longo prazo; segundo, implica
uma avaliação ambiental estratégica que configurará certamente resultados mais
idóneos no que se refere à ‘saúde’ do meio ambiente visado nesses planos e
programas.
Neste sentido
fala-nos Fernanda Paula Oliveira,
propugnando que tão ou mais importante
que a conclusão do processo de elaboração dos planos de ordenamento das áreas
protegidas, é a necessidade de os mesmos estabelecerem um regime adequado e
sustentável para as mesmas; um regime que se apresenta mais como uma fonte de
vantagens do que de impedimentos para a população local, e que permita tornar
as áreas protegidas a um tempo, mais atrativas em função das suas reais
potencialidades e que, simultaneamente se articulem com as iniciativas de
desenvolvimento e gestão territorial de escala local.
Aquela autora também
entende que, por seu lado, tal regime não
poderá acarretar desvantagens designadamente de caráter financeiro, para os
municípios onde se localizem grandes extensões de áreas classificadas, motivo
pelo qual o Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território vem
determinar a necessidade de instituição de medidas de descriminação positiva
para os municípios com maior incidência de áreas classificadas integradas na
Rede Fundamental de Conservação da Natureza, opinião que perfilhamos.[9]
4.
Bibliografia
D’ALTE, Tiago Souza, e RAIMUNDO,
Miguel Assis, «O regime de avaliação ambiental de planos e programas
e a sua integração no edifício da avaliação ambiental», in RJUA, n.º 29/30, 2008;
GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, 2.ª
Edição, AAFDL, Lisboa, março de 2014;
OLIVEIRA, Fernanda Paula,
«Planos Especiais de Ordenamento do Território: tipicidade e estado da arte. Em
especial os planos de ordenamento em áreas protegidas», in Revista CEDOUA, n.º 17, ano IX, 2006;
SILVA, Vasco Pereira da,
Verde Cor de Direito – Lições de Direito
do Ambiente, 2.ª Reimpressão da Edição de 2002, Livraria Almedina, Coimbra,
2002.
Relatório de
Consulta, no âmbito da Avaliação Ambiental Estratégica do Plano Nacional de
Barragens com Elevado Potencial Hidrelétrico, disponível em:
[1] SILVA,
Vasco Pereira da, Verde Cor de
Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2.ª Reimpressão da Edição de
fevereiro de 2002, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pág. 178 (nota 2).
[2] D’ALTE,
Tiago Souza, e RAIMUNDO, Miguel Assis, «O regime de
avaliação ambiental de planos e programas e a sua integração no edifício da
avaliação ambiental», in RJUA, n.º
29/30, 2008, pág. 130, citado, também, em GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, 2.ª
Edição, AAFDL, Lisboa, março de 2014, pág.168.
[3] Citação de um
segmento do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, §3º.
[4] De acordo com o
n.º 1, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho.
[5] GOMES,
Carla Amado, Introdução ao
Direito do Ambiente, 2.ª Edição, AAFDL, Lisboa, março de 2014, pág.175.
[6] Citação de um
segmento do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, §4º.
[7] OLIVEIRA,
Fernanda Paula, «Planos Especiais de Ordenamento do Território:
tipicidade e estado da arte. Em especial os planos de ordenamento em áreas
protegidas», in Revista CEDOUA, n.º
17, ano IX, 2006, pág. 73.
[8] Relatório de
Consulta, no âmbito da Avaliação Ambiental Estratégica do Plano Nacional de
Barragens com Elevado Potencial Hidrelétrico, disponível em:
[9] OLIVEIRA,
Fernanda Paula, «Planos Especiais de Ordenamento do Território:
tipicidade e estado da arte. Em especial os planos de ordenamento em áreas
protegidas», in Revista CEDOUA, n.º
17, ano IX, 2006, pág. 81.
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