terça-feira, 13 de maio de 2014

Os Planos do Ambiente


Os Planos do Ambiente

E a estratégia da avaliação ambiental

 

 

1.      Introdução

 

O Direito do Ambiente é, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, o laboratório experimental dos novos enquadramentos do Direito Administrativo, considerando a sua recente legiferação e as soluções jurídicas que lhe são inerentes.

Como caraterística não despicienda conformadora destas recentes tendências é a questão da multilateralidade. Esta caraterística típica do Direito do Ambiente implica, quer para este, quer para o Direito Administrativo que lhe é subjacente (mas não só), que se abandone (ou que, pelo menos, seja menos relevante) o conceito de bilateralidade que configurava a relação entre os particulares e a Administração Pública, uma vez que as decisões relativas à dinâmica ambiental, ainda que respeitem diretamente uma relação bilateral, afetarão, necessariamente, todos os sujeitos de uma determinada comunidade, que são titulares (ainda que, eventualmente, titulares mediatos) dos direitos a que se arrogam as partes afetas à matéria ambiental em discussão. Como refere o citado Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, as autorizações administrativas (…) não são apenas atos singulares, praticados pela Administração relativamente a indivíduos determinados, mas são também, simultaneamente, instrumentos reguladores de determinado setor de atividade económica, em razão dos efeitos produzidos relativamente aos terceiros afetados.[1]

Subjacentes ao conceito de multilateralidade estão os Planos e Programas com especial reflexo em matéria ambiental, dos quais destacaremos para este comentário os previstos na alínea b), do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, relativos à sua Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).

 

 

2.      Da Avaliação Ambiental Estratégica aos Planos e Programas

 

a)      A Avaliação Ambiental Estratégica

Tendo em vista as considerações de Tiago Sousa d’Alte e Miguel Assis Raimundo, relativamente ao ordenamento estratégico do território, a decisão na AIA será sempre não ótima do ponto de vista ambiental: estar-se-á a escolher apenas um “mal menor”, já que as decisões essenciais já foram ou já deveriam ter sido tomadas a outro nível.[2] Atento a esta premissa, na esteira da Professora Carla Amado Gomes, mas em especial consideração ao preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, com referência ao Protocolo de Kiev, mas também à Diretiva 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho, justifica-se o surgimento deste conceito de Avaliação Ambiental Estratégica, com o fito de assegurar que, através da adoção de um modelo procedimental e da participação do público e de entidades com responsabilidades em matérias ambientais, as consequências ambientais de determinado plano ou programa produzido ou adotado por uma entidade no uso de poderes públicos são previamente identificadas e avaliadas durante a fase da sua elaboração e antes da sua adoção.[3] Isto é, numa lógica simplificativa: melhor do que remediar consequências nefastas, ou adotar soluções satisfatórias que salvaguardam o ambiente apenas no quadro de parâmetros limitados, é prevenir essas situações através de um planeamento globalizante, mais abrangente e consentâneo com uma completa tutela ambiental!

Esta avaliação, regulamentada no Regime da Avaliação Ambiental Estratégica, deve ser articulada com o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, previsto no Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, que tem por base o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, na redação que lhe é dado pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, o que implica que essa avaliação se circunscreva a três âmbitos distintos: o nacional, o regional e o local. Mais especificamente, abrange planos e programas relativos aos setores da agricultura, da floresta, das pescas, da energia, da indústria, dos transportes, da gestão de resíduos, da gestão de águas, das telecomunicações, do turismo, do ordenamento urbano e rural ou de utilização dos solos; mas também aqueles que possam afetar um sítio da lista nacional de sítios, num sítio de interesse comunitário, numa zona especial de conservação, ou numa zona de proteção especial; bem como outros cujos futuros projetos possam ser qualificados como suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.[4]

Pragmaticamente, este procedimento visa a elaboração de um relatório ambiental, da responsabilidade da entidade que elabora o plano ou programa, que deve definir previamente o âmbito da avaliação a realizar, bem como o nível de densidade da informação que tal avaliação deve conter. O relatório decorrente desta avaliação deve integrar a fundamentação das opções assumidas no plano ou no programa, sendo de caráter obrigatório, ainda que não seja vinculativo, o que se compreende, por um lado no âmbito formal, já que o próprio regime da AAE permite a dissonância entre a Declaração Ambiental, prerrogativa daquela avaliação, e a Declaração de Impacte Ambiental, própria da Avaliação de Impacte Ambiental, e por outro lado no âmbito material, dado o caráter amplamente abstrato da ponderação a efetuar.[5]

Assim, a Avaliação Ambiental Estratégica, em paralelismo à Avaliação de Impacte Ambiental, pressupõe um estudo prévio, mas destrinçando-se desta pelo seu caráter abstrato e globalizante, sem, contudo, menosprezar eventuais conformações que lhe sejam impostas pelo regime da AIA e constitui um processo contínuo e sistemático, que tem lugar a partir de um momento inicial do processo decisório público, de avaliação da qualidade ambiental de visões alternativas e perspetivas de desenvolvimento incorporadas num planeamento ou numa programação que vão servir de enquadramento a futuros projetos.[6]

 

b)     Os Planos e Programas subjacentes a AAE

Vista a importância da Avaliação Ambiental Estratégica no processo de adjudicação dos Planos e Programas tipificados no Decreto-Lei n.º 232/2007 de 15 de junho, cabe caraterizá-los.

De acordo com Fernanda Paula Oliveira, a alusão taxativa da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto) aos instrumentos de gestão territorial de que a Administração pode lançar mão quando pretende intervir no território significa (…) [que] a Administração Pública não pode elaborar os planos que entender, mas aqueles que a lei prevê de modo típico. Com efeito, é esse o sentido que se deve retirar do disposto no artigo 34.º daquela lei, que determina que “todos os instrumentos de natureza legal ou regulamentar com incidência territorial atualmente existentes deverão ser reconduzidos no âmbito do sistema de planeamento, ao tipo de instrumento de gestão territorial que se revele adequado à sua vocação”.[7]

Este duplo condicionamento dos Planos e Programas (quer na vertente da ‘preferência de lei’, quer no âmbito da sua conformidade ambiental) insere-se num contexto de sustentabilidade, a várias escalas e a longo prazo.

Para que se possa ter um enquadramento factual mais claro apontamos o exemplo do Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidrelétrico (PNBEPH).[8]

No que concerne o PNBEPH, a sua avaliação teve como objetivo avaliar a oportunidade e as consequências das opções de desenvolvimento futuro da implantação nacional de barragens com elevado potencial energético, bem como salvaguardar as medidas que tivessem de ser implementadas no quadro de uma concreta Avaliação de Impacte Ambiental, situação que podia consubstanciar a existência de programas relativos a determinadas barragens que viessem a ser objeto de alterações próprias da fase de projeto, tendo em vista minorar impactes face às conclusões da AIA, sem prejuízo da validade deste programa e da respetiva AAE. Neste programa foram consideradas 25 barragens.

Assim, esta avaliação, que foi necessariamente elaborada num momento anterior a qualquer estudo que visasse uma implantação concreta de uma barragem, teve um caráter globalizante e consequentemente macro, só podendo ser realizado com recurso a informações existentes e imediatamente disponíveis (situação que não se coadunava com visitas a locais específicos) e teve como objetivo primordial identificar possíveis riscos e ameaças decorrentes daquele PNBEPH.

O caráter estratégico deste tipo de avaliação centrou-se em critérios que traduziram tendencialmente os benefícios, direta ou indiretamente, associados, bem como os possíveis aspetos negativos que pudessem derivar da sua execução e exploração. As opções estratégicas, de natureza técnica, económica, social e ambiental, consideradas, tendo em vista a sua delimitação, foram as seguintes:

a)      Potencial hidroelétrico do aproveitamento – que assegurasse a maximização do objetivos fundamentais do programa, sendo avaliados aspetos técnicos e económicos considerados relevantes para a determinação da valia hidroelétrica de cada aproveitamento;

b)     Otimização do potencial hídrico da bacia hidrográfica – que se prendeu com as mais-valias representativas dos aspetos socioeconómicos, associados à implementação de cada um dos aproveitamentos, considerando outras utilizações que, por si só, não seriam determinantes para a viabilidade do empreendimento;

c)      Conflitos/condicionantes ambientais – tendo em vista os diversos aproveitamentos, de acordo com os aspetos ambientais determinantes para a viabilização de um específico aproveitamento, ou condicionamentos relativos à calendarização da sua concretização;

d)     Ponderação energética, socioeconómica e ambiental – que visasse assegurar a mais-valia global de cada aproveitamento, através da ponderação quantitativa do respetivo potencial de produção de energia, da possibilidade da sua utilização para fins múltiplos e da consideração dos aspetos ambientais mais relevantes, associados à execução dos aproveitamentos.

Destas opções, a que foi considerada mais adequada, enquanto opção mais sustentável, foi a que considerou a ponderação energética, socioeconómica e ambiental, tendo em vista o caráter ambiental desta avaliação, face ao programa a que estava subjacente.

A forma como foram definidas as quatro opções estratégicas, assumidas no programa, foi também sujeita a uma melhoria da sua justificação, fator que levou à rejeição da inclusão, neste programa, das Barragens de Rebordelo e Pêro Martins, uma vez que, ainda que tais barragens pudessem ser integradas numa das primeiras duas opções, a sua inclusão não levava em consideração as questões ambientais, o que, passando a redundância, levou à sua exclusão pois, no conjunto das 25, apresentavam ameaças ambientais consideradas significativas.

Há ainda a salientar a expressiva taxa de participação de entidades interessadas e de pessoas singulares, na consulta pública desta AAE.

 

 

3.      Síntese conclusiva

 

Os Planos e Programas, ora tratados, já eram uma realidade administrativa enquanto parte integrante da gestão territorial. Não obstante, a inclusão da avaliação ambiental no procedimento que lhe está associado veio atribuir-lhe uma dupla valência: primeiro, implica um estudo mais assertivo no que se refere à delimitação dos projetos que (eventualmente) incluirá, consubstanciando uma gestão territorial mais profícua e, consequentemente, mais eficaz a longo prazo; segundo, implica uma avaliação ambiental estratégica que configurará certamente resultados mais idóneos no que se refere à ‘saúde’ do meio ambiente visado nesses planos e programas.

Neste sentido fala-nos Fernanda Paula Oliveira, propugnando que tão ou mais importante que a conclusão do processo de elaboração dos planos de ordenamento das áreas protegidas, é a necessidade de os mesmos estabelecerem um regime adequado e sustentável para as mesmas; um regime que se apresenta mais como uma fonte de vantagens do que de impedimentos para a população local, e que permita tornar as áreas protegidas a um tempo, mais atrativas em função das suas reais potencialidades e que, simultaneamente se articulem com as iniciativas de desenvolvimento e gestão territorial de escala local.

Aquela autora também entende que, por seu lado, tal regime não poderá acarretar desvantagens designadamente de caráter financeiro, para os municípios onde se localizem grandes extensões de áreas classificadas, motivo pelo qual o Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território vem determinar a necessidade de instituição de medidas de descriminação positiva para os municípios com maior incidência de áreas classificadas integradas na Rede Fundamental de Conservação da Natureza, opinião que perfilhamos.[9]

 

 

4.      Bibliografia

 

D’ALTE, Tiago Souza, e RAIMUNDO, Miguel Assis, «O regime de avaliação ambiental de planos e programas e a sua integração no edifício da avaliação ambiental», in RJUA, n.º 29/30, 2008;

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, 2.ª Edição, AAFDL, Lisboa, março de 2014;

OLIVEIRA, Fernanda Paula, «Planos Especiais de Ordenamento do Território: tipicidade e estado da arte. Em especial os planos de ordenamento em áreas protegidas», in Revista CEDOUA, n.º 17, ano IX, 2006;

SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2.ª Reimpressão da Edição de 2002, Livraria Almedina, Coimbra, 2002.

Relatório de Consulta, no âmbito da Avaliação Ambiental Estratégica do Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidrelétrico, disponível em:




[1] SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2.ª Reimpressão da Edição de fevereiro de 2002, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pág. 178 (nota 2).
[2] D’ALTE, Tiago Souza, e RAIMUNDO, Miguel Assis, «O regime de avaliação ambiental de planos e programas e a sua integração no edifício da avaliação ambiental», in RJUA, n.º 29/30, 2008, pág. 130, citado, também, em GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, 2.ª Edição, AAFDL, Lisboa, março de 2014, pág.168.
[3] Citação de um segmento do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, §3º.
[4] De acordo com o n.º 1, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho.
[5] GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, 2.ª Edição, AAFDL, Lisboa, março de 2014, pág.175.
[6] Citação de um segmento do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, §4º.
[7] OLIVEIRA, Fernanda Paula, «Planos Especiais de Ordenamento do Território: tipicidade e estado da arte. Em especial os planos de ordenamento em áreas protegidas», in Revista CEDOUA, n.º 17, ano IX, 2006, pág. 73.
[8] Relatório de Consulta, no âmbito da Avaliação Ambiental Estratégica do Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidrelétrico, disponível em:
[9] OLIVEIRA, Fernanda Paula, «Planos Especiais de Ordenamento do Território: tipicidade e estado da arte. Em especial os planos de ordenamento em áreas protegidas», in Revista CEDOUA, n.º 17, ano IX, 2006, pág. 81.

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