quinta-feira, 15 de maio de 2014

Green Public Procurement – Que futuro para a contratação pública ecologicamente responsável?


I. Ponto prévio: a relevância da contratação pública no Direito do Ambiente. Em especial, o green public procurement enquanto «dado do sistema»

A relevância contratual em Direito do Ambiente não é desconhecida. Aliás, nem podia, como nota Carla Amado Gomes, deixar de assim ser, tendo em conta o facto de estarmos perante um ramo especial de Direito Administrativo, facilmente permeável à contratação, sendo o art. 35.º do DL 412/2008 um bom exemplo da «penetração da contratualização no domínio ambiental»[1]. Contratação pública que, aliás, é cada vez mais o modo essencial através do qual se exterioriza o agir administrativo, em detrimento da antiga «acto-dependência», no sentido em que o acto administrativo deixou de ser o paradigma da actuação da Administração Pública, para existir, actualmente, a atribuição de maior relevância às concretas relações jurídicas administrativas existentes no âmbito da actuação pública[2], onde a contratação pública se destaca.
            Nesta senda existem, para efeitos ambientais, dois planos distintos de intervenção em sede de contratação pública que devemos distinguir. O primeiro diz respeito àquilo que poderíamos designar como as concretas relações ambientais estabelecidas entre duas entidades, isto é, um plano regulativo que incide na concreta conformação do conteúdo do contrato celebrado entre duas entidades específicas. Tendo em conta a previsão feita pela Lei de Bases do Ambiente de 1987 (arts. 35º, n.ºs 2 e 3) quanto à possibilidade de celebração de contratos-programa com vista à redução gradual da poluição, desde que sem riscos significativos para o ambiente, estes contratos visam, em termos genéricos, permitir que a Administração celebre com um privado um contrato através do qual sejam derrogadas «as normas sobre valores-limite de emissões para o meio hídrico»[3]. Estes contratos são de duas espécies: temos, por um lado, os contratos de adaptação ambiental (art. 78.º DL 236/98), que visam derrogar as normas de descarga com o fito de diminuir o índice de proteção aplicável, por forma a aliviar as empresas do cumprimento de standarts cuja implementação teria custos muito elevados[4]. Este contrato em especial levanta problemas, inclusive de conformidade constitucional, na medida em que parece estranha a ideia de aceitar que o legislador, pela criação de um instrumento negocial, seja cúmplice da manutenção de níveis de poluição, ao invés de não os combater ou incentivar os operadores à sua alteração (cfr. art. 9.º CRP). Contudo, parece-nos que é correcta a ideia de que o contrato de adaptação surge em concretização de um imperativo de proporcionalidade, segundo o qual se visa evitar mal menores porquanto tal não comprometa a qualidade dos recursos hídricos[5]. Por outro lado, temos os chamados contratos de promoção ambiental (art. 68.º DL 236/98), que traduzem também uma actuação concertada entre a Administração e o particular, mas agora no sentido da fortificação da consciência ambiental, que se exprime muito simplesmente na alteração do nível de protecção do meio hídrico e quanto a descargas poluentes num nível mais exigente do que aquele que seria aplicável ao sector de actividade em causa, razão pela qual são encarados de forma mais leve, atento o facto de incentivarem à elevação dos estalões de protecção ambiental, apesar de este contrato levantar também problemas de constitucionalidade, nomeadamente por violação do art. 112.º, n.º 5 CRP[6].
            Coisa diferente – e é o que trataremos aqui – é a exigência de previsão de critérios ecológicos na contratação pública, fenómeno comummente designado pela expressão green public procurement (ou GPP). Identificamos a green public procurement como um «dado do sistema» na precisa medida em que, ao contrário do que vimos, este é um plano de intervenção transversal a toda a contratação pública. Ou seja: enquanto a existência de contratos de alteração (aumentando ou diminuindo) de exigências ambientais diz respeito à relação concretamente existente entre as entidades adjudicantes, a exigência de previsão de critérios ecológicos é uma imposição da ordem jurídica no sentido claro de que toda a actuação administrativa (em particular, no âmbito da contratação pública) deve ter preocupações ambientais, e que estas devem desempenhar um papel (mais ou menos) intenso na «hora da adjudicação».

II. A evolução histórica da GPP: Da consciencialização à regulação. O Acórdão Concordia e as Directivas de 2004

            A contratação pública não observa, já e apenas, critérios estritamente economicistas para a sua realização prática[7]. Aliás, pode mesmo dizer-se, com Vasco Pereira da Silva, que a consciencialização ambiental (e consequente encetamento de políticas públicas) existente a partir das décadas de 60 e 70 do séc. XX são verdadeiramente caracterizadoras do Estado Pós-Social[8]. Ora, refere já Filipe Brito Bastos que, entre outros, um dos meios (apesar de não ser o único, como se verá) de introduzir uma dimensão ecológica na contratação pública é o de permitir ao contraente público a adopção de critérios ambientais de adjudicação, o que reflecte a realidade actual: a do Estado deixar de ter apenas preocupações financeiras na hora de celebrar contratos afectos à satisfação de necessidades colectivas, sendo o ambiente, como valor jurídico [-constitucional] relevante que é, assumido como factor com importância acrescida, não só na escolha da contraparte (adjudicação), mas também na definição do objecto do próprio instrumento público contratual[9].
            Na verdade, e como nota Maria João Estorninho, a existência de contratos públicos ecológicos é apenas uma das vertentes de uma política - defendida de forma clara na União Europeia - de contratação pública sustentável, já que a par da sustentabilidade ambiental também são prosseguidos objectivos de sustentabilidade financeira ou social, inter alia[10].
            A verificação deste fenómeno de consciencialização ambiental no domínio da contratação pública foi de resto gradual. É que, numa primeira análise, a consideração ambiental no domínio da contratação pública pode (e normalmente, é o que acontece) acarretar custos, o que vai contra a lógica – pelo menos num momento inicial, dominante – de a proposta ser a mais vantajosa para a entidade adjudicante ou ser a proposta cujo valor é mais baixo, como de resto é visível no art. 74.º/1-a) e b) do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP[11].
Esta perspectiva começou a ser alterada. E começou a sê-lo, designadamente[12] com, no que aqui nos interessa, um acto de soft law: a Comunicação Interpretativa da Comissão – COM (2001) 274 final, sobre o Direito aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais na contratação pública, onde se salientou que, a par de preocupações económicas, deve também ser tomadas em consideração preocupações ambientais, tendo aliás identificado quatro campos em que a introdução de critérios ambientais na contratação: na definição do seu objecto, na selecção de candidatos, na adjudicação do contrato e na sua execução[13], aliás com expressão nos arts. 43º/5,-c) e n.º 8-c) (elementos que devem acompanhar o projecto de execução), 42.º/6 (dando a possibilidade dos aspectos da execução dos contratos constantes do caderno de encargos respeitarem a condições de natureza ambiental), 49.º/2-c) e n.º 7 (relativo às especificações técnicas, dando a hipótese de recorrer ao rótulo ecológico), 164.º/2 e 3 (relativo à exclusão de propostas aquando do relatório preliminar de preparação da adjudicação), e 165.º/1-d), todos do CCP[14].
            Um segundo momento de grande importância foi, no âmbito da densificação da Comunicação Interpretativa que demos conta, foi o Ac. TJUE Concordia Bus, de 17 de Dezembro de 2002 (Proc. C-513/99). Este Acórdão estabeleceu, de forma ao que nos parece definitiva, os vários requisitos necessários para se admitir a tomada em consideração de critérios ambientais na adjudicação de contratos públicos. São elas:

i)                    A exigência de ligação dos requisitos com o quid contratual, i.e, ao seu objecto;
ii)                  A exigência de que esta permissão não pode conferir à entidade adjudicante uma liberdade e escolha incondicional;
iii)                Deverem estar mencionados [estes critérios] no caderno de encargos ou no anúncio do concurso;
iv)                Deverem os requisitos respeitar os princípios fundamentais do Direito da União, designadamente o da proibição do tratamento discriminatório ou de estipulações anti concorrenciais[15].
Estas directrizes, que foram, como se disse, densificadas pela jurisprudência do TJUE, vieram a ganhar força vinculativa nas Directivas 2004/17/CE e 2004/18/CE, onde, como de resto se pode verificar pela leitura dos considerandos 1,5,28 e 34), o enfoque é colocado com os critérios de adjudicação, em especial, e ao incentivo à prossecução de políticas secundárias, de natureza social ou ambiental de forma geral. Procura-se, como nota Maria João Estorninho, «clarificar a forma como as entidades adjudicantes poderão contribuir para a proteção do ambiente, e para a promoção do desenvolvimento sustentável, garantido ao mesmo tempo a possibilidade de obterem (…) a melhor relação contrato/preço”, podendo fazê-lo, designadamente, e “embora não sejam obrigadas a fazê-lo, utilizar as especificações adequadas definidas em rótulos ecológicos[16] (negrito nosso), onde aliás a exigência de recurso a standarts no âmbito das especificações técnicas foi uma das áreas e que houve novidades, continuando-se a invocar, para fundamentar a escolha de critérios de adjudicação “verdes” a jurisprudência do TJUE, designadamente o Concordia Bus, supra referido[17], exigindo-se que a adjudicação, por exemplo, se baseie em critérios objectivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento, devendo garantir ainda a concorrência efectiva entre propostas, consagrando-se os dois conhecidos critérios de adjudicação do preço mais baixo e da proposta economicamente mais vantajosa (vide art. 53º/1 admitindo as características ambientais como critérios possíveis de adjudicação).
            Após a aprovação das Directivas sobre contratos públicos, foi ainda apresentado um manual, o Buy Green! A handbook on environmental public procurement (SEC (2004), de 18/08/2004, onde, incentivando a contratação verde, são apresentadas várias sugestões para o cumprimento desse objectivo, tais como a tomada em consideração de factores como a durabilidade dos materiais, a utilização de variantes verdes ou a utilização dos famosos eco-labels, ou rótulos ecológicos, sendo ainda relevantes a Comunicação Interpretativa da Comissão, Contratos Públicos para um ambiente melhor – COM (2008) 400 final, de 2008, onde se fixaram metas para a utilização dos contratos públicos ecológicos nos Estados-Membros e definição de critérios comunis voluntários neste domínio, e a Directiva 2009/33/CE, de 2009, relativa à promoção de veículos de transporte rodoviário não poluentes e energeticamente eficientes, que, de resto, «ilustra bem as sinergias entre o Direito dos Contratos Públicos e o Direito do Ambiente»[18].
           
         III. Que futuro para a GPP? O Processo de Revisão e a sua influência na novíssima regulação europeia (Directivas 2014/23/CE, 2014/24/CE e 2014/25/CE)

A matéria da contratação pública ambientalmente responsável tem conhecido várias alterações, o que de resto se apresenta como decorrência necessária de uma crescente consciencialização dos perigos da persistência em condutas poluentes, por um lado, e pela necessidade de criar uma contratação pública ecologicamente sustentável, por outro.
            É nesse ambiente que surge, em 2010, a estratégia Europa 2020 [COM (2010) 2020], que, com o fito de atingir um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, tem três grandes prioridades: o desenvolvimento de uma economia baseada no conhecimento e na inovação, a promoção de economia hipocarbónica que utilize eficazmente e de forma competitiva os seus recursos, e a fomentação de uma economia com elevados níveis de empregos e asseguradora da coesão social e territorial, sendo aliás considerado que os contratos públicos são um instrumento fundamental para alcançar estes objectivos, nomeadamente através da melhoria do ambiente empresarial, nas condições necessárias à inovação das empresas e o inventivo a uma maior utilização dos contratos públicos ecológicos[19].
            A estratégia Europa 2020 serviu de «alavanca» para o processo de Revisão das Directivas sobre contratos públicos. Invocou-se, de facto, que os desafios referidos naquela estratégia seriam um fundamento para a necessidade de rever a legislação do domínio publico-contratual, a fim de modernizar e adequar a evolução desta legislação ao contexto político, social e económico da Europa contemporânea[20].
            Assim se chegou à Proposta de nova Directiva relativa aos contratos públicos, de 20/12/2011 – COM /2011) 896 final. E esta proposta assenta, de forma sumária, nos seguintes domínios de consideração social e ambiental na contratação pública[21]:
a)      A possibilidade de os adquirentes públicos basearem as duas decisões de adjudicação com base nos custos ao longo do ciclo de vida dos produtos, serviços ou obras a adquirir, abrangendo todas as etapas da vida e um produto, empreitadas, etc. Note-se que os custos incluem não só as despesas monetárias como também – e especialmente – os custos ambientais externos (já que estamos perante externalidades negativas), porquanto sejam quantificáveis, sendo as entidades, caso seja desenvolvida uma metodologia comum na União para o cálculo destes custos, as autoridades adjudicantes sejam obrigadas a utilizá-los;
b)      A possibilidade, conferida às entidades adjudicantes, de fazer referência nas especificações técnicas e nos critérios de adjudicação a todos os aspectos directamente associados ao procedimento produtivo, mas apenas na medida em que tenham relação com o processo de produção ou com a prestação dos serviços concretamente adquiridos, ficando excluídos os requisitos não relacionados com aqueles factores, como requisitos gerais de responsabilidade social das empresas;

c)      A possibilidade de as autoridades adjudicantes exigirem que as obras, produtos ou serviços ostentem rótulos específicos que certifiquem características ambientais, entre outras, aplicando-se esta regra, v.g., a rótulos ecológicos ou pluri-nacionais;

d)      A possibilidade de uma autoridade adjudicante poder sancionar as violações da legislação social, laboral ou ambiental vinculativa, podendo esta, nomeadamente, excluir operadores económicos de um procedimento em caso de identificação de violações da legislação europeia ou internacional nesta matéria;

e)      Uma vez que as questões de serviços sociais não estão relacionadas com o tema ora em analise, o último pilar a acrescentar é o da inovação, que desempenha um papel central na estratégia, e que implica que sejam dadas aos adquirentes públicos condições para adquirir produtos e serviços inovadores, que promovam o crescimento futuro e aumentem a eficiência e qualidade dos serviços públicos.

III (1). «Aqui estão elas!» As novíssimas Directivas sobre contratação pública e, em especial, a Directiva 2014/24/CE


A etapa mais recente da interrupta evolução da contratação pública ecologicamente sustentável ocorre este ano (2014), com a publicação das Directivas 2014/23/CE, de 26/2/2014 (relativa à adjudicação de contratos de concessão), 2014/24/CE, de 26/2/2014 (relativa a contratos públicos e que revoga a Directiva2004/18/CE), e 2014/25/CE, relativa à contratação pública nos chamados «sectores especiais», revogando a Directiva 2004/17/CE[22].
            Uma vez que a intervenção tem uma índole mais geral, apenas referiremos a segunda destas directivas, i.e, a Directiva 2014/24/CE. Deve, antes de mais, referir-se que, de acordo com o seu art. 90.º/1,e salvo as excepções do n.º 2, os Estados Membros “devem por em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 18 de Abril de 2016”, devendo comunicar imediatamente à Comissão o texto dessas disposições, o que de resto é o período normal de transposição deste tipo de acto normativo europeu (cfr. art. 288.º TFUE), o que não prejudica a sua aplicação directa na ordem jurídica dos Estados-Membros, que aconteceu de resto com o reconhecimento feito pelo  Ac. de 4/12/1974 (Proc.41/75, caso Von Duyn) onde o TJUE passou a admitir a aplicabilidade de certas disposições da directiva sempre que estivessem preenchidos os requisitos que ele próprio definiu[23] .
 Espera-se, portanto – e ao contrário do hábito legislativo nacional – que este prazo seja cumprido…
            Quais foram, então as directrizes adoptadas pela nova regulamentação da contratação pública da União?Pode, quanto a nós, dizer-se que, de um modo geral, as propostas de 2011 passaram a ter consagração normativa.
Assim, esta directiva prossegue, tal como as suas antecessoras, tarefas de proteção ambiental e promoção de um desenvolvimento sustentável, das quais destacaríamos: o reconhecimento do papel fundamental que a contratação pública tem na Estratégia Europa 2020 (considerando 2); a necessidade de os Estados adoptarem as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações ambientais, que poderão inclusive constar em cláusulas contratuais (considerando 37 e 39), bem assim como a necessidade do seu controlo ser efectuado nas fases pertinentes da contratação, como a escolha dos participantes, adjudicação, critérios de exclusão ou propostas, inter alia (considerando 40); o cariz fundamental da investigação e inovação (considerando 47); a própria exigência de informatização dos meios de informação e comunicação (considerandos 53 e 54); o facto de as especificações técnicas deverem permitir a concorrência, por um lado, mas também a prossecução de objectivos de sustentabilidade, por outro (considerando 74); a possibilidade de utilização de rótulos, nomeadamente o rótulo ecológico europeu, para autoridades adjudicantes que pretendam adquirir obras, fornecimentos ou serviços com características específicas do ponto de vista ambiental (considerando 75); a possibilidade de as autoridades adjudicantes exigir a aplicação de medidas ou sistemas de gestão ambiental (considerando 88); a clarificação do sentido dos critérios de adjudicação, sendo dado especial ênfase ao conceito de “proposta economicamente mais vantajosa” (considerando 89); a integração das exigências em matéria de proteção do ambiente na definição e execução de políticas públicas da União, em cumprimento do art. 11.ºTFUE (considerando 91); a inclusão, na escolha segundo o critério de “melhor relação quantidade/preço”, de critérios que incluem aspectos ambientais, incluindo-se a permissão de tomada em consideração de custos de eficácia, como o ciclo de vida desses bens (considerando 92 e 96); a inclusão da possibilidade de considerações ambientais em sede de critérios de adjudicação com incidência ambiental, na esteira da jurisprudência do TJUE (considerando 97); a possibilidade, conferida às autoridades adjudicantes, de excluir dos concursos operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis, v.g., na sequência de infrações ambientais (considerando 101) e a importância do cumprimento, pelos subcontratantes, das obrigações em matéria ambiental (considerando105).
                Quanto à regulação concreta, vemos de que forma é que foram seguidas as “indicações” da proposta de Revisão de 2011. Senão repare-se:
i)                    Quanto à possibilidade de os adquirentes públicos usarem nos seus critérios de adjudicação os custos ao longo do ciclo de vida dos produtos, serviços ou obras a adquirir, veja-se o art. 67º/1, que deve, no seu cálculo, ser articulado com o art. 68.º, nomeadamente a al. b) do n.º1, onde se prevê expressamente a possibilidade de existirem custos ligados a externalidades ambientais ligadas ao produto em causa;
ii)                  Quanto à possibilidade de referência, nas especificações técnicas e critérios de adjudicação, de todos os aspectos directamente associados ao procedimento produtivo, encontra-se prevista no art. 42.º/1;
iii)                A possibilidade de as entidades adjudicantes exigirem a ostentação de rótulos específicos que certifiquem características ambientais, tal opção encontra-se consagrada no art. 43.º/1, sob condição de preenchimento de vários requisitos, nomeadamente a ligação ao objecto do contrato, a sua verificação objectiva e não discriminatória, a sua criação através de um procedimento aberto e transparente, sua disponibilidade para todas as partes interessadas, bem como a exigência de esse rótulo ser definido por um terceiro sobre o qual o operador económico solicite, desde que não exerça influência decisiva sobre ele (art. 43º/1-a) a e)),sendo ainda importantes os relatórios de ensaio e certificação a que alude o art. 44.º;
iv)                Também a possibilidade de sansão de violações de legislação laboral como fundamento de exclusão de um procedimento pré-contratual está prevista, nomeadamente no art. 57.º, em sede de exclusão opcional (e não obrigatória), do art. 57º/4-a), conjugado com o art. 18º/2, relativo às obrigações ambientais como princípio fundamental da União, e na qual é muito relevante o disposto no Anexo X;
v)                  Em sede de fomentação da inovação, são particularmente importantes os arts. 14.º, 31.º, inter alia.
Apesar de não serem as únicas alterações previstas, o âmbito necessariamente breve da nossa intervenção torna forçosa uma análise parcelar e incompleta.
            O que dizer das novas Directivas da contratação pública e, em particular da Directiva /24/CE? Apesar de esta directiva, em termos de conteúdo, não poder dizer-se absolutamente inovadora – pois que adopta as directrizes fornecidas pela Proposta de Revisao – parece-nos que o Direito Europeu da Contratação Pública “Verde”, se assim nos é permitido dizer, se encontra actualmente a dar grandes e decisivos passos no que toca à modernização e adequação do regime aos objectivos de sustentabilidade que norteiam o agir público. Assim, não só nos grandes traços de regime (v.g., rótulos, exclusão de concorrentes), mas também em toda a dinâmica procedimental (e a exigência de informatização da informação, que apenas deve ser escrita (portanto física, gastando recursos escassos como é o papel) é um excelente exemplo disso mesmo) se encontra agora padronizada para responder às exigências contemporâneas que a prossecução de princípios de tutela ambiental impõe (e que urge responder no menor tempo possível) de forma mais eficaz. Assim, não podemos deixar de manifestar o nosso contentamento pelo evoluir legislativo europeu, com a esperança de que uma rápida transposição desta Directiva permita a colmatação de algumas falhas (que demos conta supra) que o regime de contratação pública português (nomeadamente, a densificação dos critérios de adjudicação) ainda enfrenta actualmente.




[1] Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, Ed. AAFDL, 2012, Lisboa, p. 101.
[2] E que de resto é um dado do sistema, inclusive com reconhecimento [no plano contencioso] constitucional (art. 212.º/3 CRP) expresso aliás no art. 1.º/1 ETAF. Vide, sobre a questão, a incontornável obra de Vasco Pereira da Silva, Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Lisboa, 1996, pp. 149-297.
[3] Carla Amado Gomes, cit.., p. 102-103.
[4] Carla Amado Gomes, cit., loc. cit.
[5] Carla Amado Gomes, cit., p. 103-104. Veja-se ainda, quanto a este problema, Mark Kirby, Os contratos de adaptação ambiental. A coordenação entre a Administração Pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa, AAFDL, 2011.
[6] De facto, e como nota Carla Amado Gomes, cit., p. 105, estes actos, ao introduzirem, com eficácia externa, a modificação de normas legais atentam contra a proibição de “deslegalização” constante naquele preceito constitucional. Isto, claro, no que diz respeito à possibilidade de modificação do parâmetro de protecção fixado por noema por instrumento contratual extensível a empresas não outorgantes, conforme permite o art. 68.º, n.ºs 9 e 10 do DL 236/98 (já que quando existam apenas efeitos inter partes o “ónus de perda de competitividade (…) correria por conta da empresa outorgante”, sendo porventura melhor o legislador ter “aberto a possibilidade de celebração de contratos de promoção ambiental sem lhes associar mecanismos que os dotam de eficácia externa”.
[7] A expressão “economicistas” é de Filipe Brito Bastos, A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos, p. 2, disponível em www.icjp.pt., como caracterizadora da política de contratação da Administração Pública liberal, expressiva de um Estado mínimo.
[8] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002, p. 24.
[9] Filipe Brito Bastos, cit., loc. cit.
[10] Maria João Estorninho, Green Public Procurement – Por uma Contratação Pública Sustentável, p. 4, disponível em www.jcjp.pt. Vide, ainda, Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos PúblicosPor uma contratação pública sustentável, Almedina, Coimbra, 2012, pp.415 e ss e em especial p. 419.
[11] Apesar de este estes critérios de adjudicação serem – exigência, de resto, decorrente da proibição de critérios de adjudicação vagos e indeterminados, que possam dessa forma ser discriminatórios que existe no Direito da União e, como tal, em vigor na nossa ordem jurídica – densificados pela obrigatoriedade de estabelecimento de factores e subfactores (art. 75.º CCP). Questão mais complexa seria a de compatibilizar a utilização de critérios ambientais como critérios de adjudicação, atento o disposto no art. 75.º/1, in fine CCP, que proíbe que estes factores digam respeito a qualidades ou características dos concorrentes. Parece-nos, contudo, de seguir a posição de Filipe Brito Bastos, cit, pp. 8 e ss e, em especial, pp. 10-11, segundo a qual este preceito deve ser interpretado de forma menos restritiva e mais conforme ao Direito da União. É que, não só os princípios do primado e da interpretação do Direito nacional em conformidade com o direito da União exigem que ao abrigo da doutrina estabelecida no Acórdão Concordia permite, ao abrigo dos arts. 74.º/1-a) e 75º/1, a escolha de critérios ambientais de adjudicação, como, e especialmente na questão de versarem sobre qualidades dos adjudicantes (questão de resto resolvida pelas Directivas 2004/17 e 2004/18) ao estabelecermos critérios que não atentem contra a igualdade (valor ínsito às Directivas sobre contratação e do próprio CPP – vide art. 1º/4), como o exemplo dado pelo A. de ser possível o estabelecimento de um critério de adjudicação segundo o qual o proponente não deverá ter cometido nunca um crime ambiental. Pela clareza com que a questão está explanada, para aí remetemos.
[12] Apesar de haver outros eventos em que foram abordadas estas temáticas, como a Cimeira de Cardiff, de 1998, em que se desenvolveu a estratégia global para a aplicação do princípio da integração ambiental, ou a Comunicação de 11 de Março de 1998 (Os Contratos públicos na União Europeia – COM (1998) 143 final, em que se considerou ser licito a consideração ambiental para efeitos da escolha da proposta economicamente mais vantajosa, na medida em que a entidade que lançou o concurso retire uma vantagem directa das propriedades ecológicas do produto, conforme nota Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 421.
[13] Vide, a propósito, concretizando através de exemplos estas possibilidades, Carla Amado Gomes, cit., p. 107, nota (144) e Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 422. 
[14] Carla Amado Gomes, cit., p. 108.
[15] Vide, sobre a concretização destes requisitos, Filipe Brito Bastos, cit., p. 9-18,onde se acentua - e quanto a nós, bem - que as próprias noções da teoria geral do Direito Administrativo obstam, p.e., a que haja liberdade de escolha incondicional, uma vez que o próprio espaço discricionário da Administração é intrinsecamente vinculado e, portanto, limitado.
[16] Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 429
[17] Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 428
[18] Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 429-430.
[19] Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 438.
[20] Maria João Estorninho, Manual…cit., p. 437.
[21] Seguimos aqui o modelo de exposição apresentado por Maria João Estorninho, Manual…cit., pp. 438-440.
[22] Todas elas disponíveis em http://eur-lex.europa.eu/homepage.html.
[23] Cfr., sobre esta questão, João Mota de Campos / João Luís Mota de Campos / António Pinto Pereira, Manual de Direito Europeu – O sistema institucional, a ordem jurídica e o ordenamento económico da União Europeia, 7ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pp. 331 – 332 e 363-389.


Bibliografia:

AMADO GOMES, Carla,

Introdução ao Direito do Ambiente, Editora AAFDL, 2012, Lisboa;

BRITO BASTOS, Filipe,

- A escolha de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos, disponível em www.icjp.pt;


ESTORNINHO, Maria João,
Green Public Procurement – Por uma Contratação Pública Sustentável, 2011, p. 4, disponível em www.jcjp.pt;
Curso de Direito dos Contratos PúblicosPor uma contratação pública sustentável, Almedina, Coimbra, 2012;

MOTA CAMPOS, João / LUIZ MOTA DE CAMPOS, João / PINTO PEREIRA, António,
-  Manual de Direito Europeu – O sistema institucional, a ordem jurídica e o ordenamento económico da União Europeia, 7ª Edição, Coimbra Editora, 2014;


PEREIRA DA SILVA, Vasco,

-  Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1996;
- Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002;

Renato Miguel da Silva Pires, aluno n.º 20814





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