“Dos dados ecológicos aos números
económicos, as conclusões retiram-se rapidamente: 3.100 milhões euros/ano
(correspondentes a 6% do PIB mundial) são o custo das perdas de biodiversidade
até ao ano 2050, se os modus operandi se mantiverem,
inalterados.”
Carla Amado Gomes
A biodiversidade (compreendendo a diversidade dentro de cada espécie, entre
as espécies e dos ecossistemas) e a sua protecção representam, hoje, um dos
temas mais discutidos da actualidade e sem dúvida uma temática que dará muito
que falar, tanto num futuro próximo como num futuro longínquo.
Segundo os dados avançados pela União para a Conservação da
Natureza, os números são alarmantes: 17.291 espécies de 47.677
monitorizadas estão ameaçadas de extinção; dos 5.490 mamíferos recenseados no
Planeta, 79 estão oficialmente extintos e 449 estão ameaçados. E a lista
continua, parecendo mesmo infindável.
A pergunta que se coloca é a seguinte: O que foi feito em Portugal para
preservar esta biodiversidade? Ora bem, a própria CRP, no seu artigo 66.º/2
als. c) e d), impõe como objectivos cimeiros do Estado português a conservação
da Natureza e a gestão nacional dos recursos naturais. A Lei de Bases do
Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril), no seu artigo 4.º/als. d) e e), acentua
a necessidade de protecção da biodiversidade através de vários instrumentos. O
art.29.º/ 1 da referida LBA alude à protecção ambiental através de uma rede
nacional de áreas protegidas. Entretanto após isto, em Portugal foram criados
vários diplomas que desenvolveram esta rede de áreas protegidas: o DL nº
142/2008, de 24 de Julho criou o Regime Jurídico de Conservação da Natureza e
da biodiversidade (=RCNB); de acordo com este regime, na Rede Fundamental de
Conservação da Natureza (RFCN) coexistem a Reserva Ecológica Nacional (REN), e
Reserva Agrícola Nacional (RAN) e zonas de domínio público hídrico, por um
lado, e o Sistema Nacional de Áreas de Conservação, por outro.
No entanto, todos nós nos podemos perguntar qual a razão por que existindo
uma tão vasta área de sistemas de protecção, muitas vezes essas mesmas áreas
não são respeitadas? Embora as respostas possam ser variadas, há uma que
ressalta à vista após uma análise dos diplomas acima mencionados: a
neutralização do interesse de conservação do ambiente em face de outros
interesses sociais e económicos; nomeadamente o tão interesse geral/público!
Pois, de facto o Estado português preocupa-se em criar uma rede de conservação da
Natureza e biodiversidade, mas o legislador destes sistemas “lembrou-se” também
de nomear o “interesse geral” como principal escape destes mesmos regimes. Numa
primeira análise o interesse público pode não parecer tão fácil assim de obter,
mas é fácil criar uma Rede Ecológica Nacional (por exemplo) sabendo de antemão
que criamos também mecanismos que possibilitam a construção e edificação de
infra-estruturas dentro desta mesma rede, em nome do dito interesse geral,
mesmo que ameacemos vários habitats e várias espécies daquela
área.
Tomamos como exemplo o artigo 21.º do DL nº 166/2008, de 22 de Agosto, que
subverte o regime do artigo 20.º (que interdita uma série de usos e acções de
iniciativa pública ou privada, nas áreas da REN- excepto se forem compatíveis
com a própria protecção ecológica e ambiental prevista com a REN),
possibilitando a construção nas áreas protegidas, quando acções de relevante
interesse público o justifiquem! É preciso relembrar que isto pode ser feito
através de despacho do membro de Governo responsável pelas áreas do ambiente e
OT, ou membro competente em razão da matéria (artigo 21.º/1). Para mais se
indica que as infra-estruturas sujeitas a AIA, quando dotadas de avaliação de
impacte ambiental favorável, têm o interesse público de acção reconhecido
inerentemente. Isto aplicando-se, sabendo nós, mesmo naqueles casos em que a
DIA não foi emitida pela APA ou CCDR, mas antes por um membro do Governo, já
que a DIA seria anteriormente desfavorável, de acordo com os números 7 e 8 do
artigo 16.º do DL nº 151-B/2013, de 31 de Outubro.
Também os artigos 98.º, 99.º e 100.º do DL nº 380/99 (entretanto alterado
pelo DL nº 46/09, de 2 de Fevereiro), permitem fazer ceder as razões de tutela
ambiental perante situações de “reconhecido interesse nacional ou regional”.
Situações aliás que têm vindo a ser banalizadas nos últimos anos.
Pense-se também no artigo 51.º/3 al. b) do RCNB (DL 142/2008) que nos
indica que se no prazo de 45 dias não for emitida autorização ou parecer da
autoridade nacional, sobre a viabilidade de realização de um projecto ou
actividade numa das áreas protegidas de referência, então o silêncio é
entendido como assentimento a esse mesmo projecto!
Acrescente-se ainda o próprio artigo 10.º/10 e 11 do DL nº 140/99, que
consagra o princípio do poluidor-pagador, mas não deixa de autorizar essa mesma
poluição!
Estes exemplos, estando longe de ser os últimos, “denotam a fragilidade do
interesse de protecção do ambiente em face da cláusula do interesse
geral” [1]
Não se podem criar tão complexas áreas para depois deixar nas mãos da
Administração muitas das decisões que privilegiam os interesses de alguns em
detrimento do verdadeiro interesse ecológico da RFCN; sendo que estes projectos
a nível ambiental, a médio e longo prazos, consequências desastrosas.
É certo que não podemos ficar indiferentes às razões pelas quais isto
acontece: é verdade que muitas vezes as restrições presentes em toda a RFCN,
que incidem sobre o uso de áreas de protecção da biodiversidade, são entraves
ao desenvolvimento económico dos municípios. E que isto força muitas vezes a
neutralização do interesse ecológico por razões socioeconómicas. Mas também é
verdade que no DL nº 166/2008, no seu atrigo 35.º, o legislador estabeleceu a
oferta de contrapartidas aos municípios cuja circunscrição se veja povoada por
terrenos da REN. Logo os municípios não estão totalmente despidos de vantagens
socioeconómicas com a sua integração em redes de preservação ambiental!
As medidas contra o “reinado” deste interesse geral são difíceis de
destacar, mas uma maior co-responsabilização das autarquias corresponderá a uma
maior eficácia das políticas de defesa da biodiversidade biológica, em especial
das medidas de conservação in situ. [2]
Para José Ferreira de Almeida, para os Sítios criados pela Rede
Natura 2000, só a ideia de Planos Sectoriais não chega, uma vez que
estes não vinculam directamente os particulares, e foram pensados apenas para
as políticas sectoriais. Necessário se torna que cada Sítio tenha um plano de
gestão associado aos Planos Especiais de Ordenamento do Território.
Já que o despacho ministerial presente na Rede Natura 2000 constitui
muitas vezes uma afronta aos valores da biodiversidade defendidos pelo mesmo
diploma (e por outros), uma outra opção seria inserir neste despacho conjunto
também o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, de
forma a atingir um controlo mais rigoroso a nível ambiental .
Corremos alguns perigos por parte do legislador ao dar “permissão de
entrada pela janela de um projecto ao qual tenha fechado a porta” [3].
Já que no plano comunitário o Estado português pode incorrer em
responsabilidade internacional (sujeita-se a ser perseguido pela Comissão a
título de acção por incumprimento dos compromissos assumidos perante a EU).
Uma coisa é criarmos um quadro geral em que o interesse público, num
determinado projecto, também tenha de ser tido em conta, “Outra coisa é o
interesse público do projecto constituir um pressuposto da sua avaliação
ambiental positiva- ideia desprovida de qualquer racionalidade”. [4]
Socialmente o interesse ecológico ainda é visto como um capricho de alguns;
como uma defesa feita pelas associações ambientais, e não como o verdadeiro
interesse socioeconómico que representa, e com que Estados que o preservarem têm
muito a ganhar. Afinal, 1/6 da população mundial depende das áreas protegidas
para assegurar a sua sobrevivência; em países como a Bolívia o segmento de
turismo da Natureza ligado às áreas protegidas gera milhares de postos de
emprego e suporta indirectamente mais de 100.000 pessoas. Um investimento de 45
biliões de dólares em áreas protegidas pode gerar até 5 triliões de dólares
anuais em produção de utilidades naturais como a defesa contra cheias,
purificação de recursos hídricos e o combate ao sequestro de carbono.
Por todos estas razões é tempo de deixarmos o interesse geral dominar o
interesse ecológico, e percebermos que o primeiro consome este último. Uma
programática dos dois interesses em conjunto mostrar-se-ia bem mais vantajosa
para os interesses públicos perseguidos pelos Estados.
[1]- Gomes, Carla Amado, Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma,
in Ano Internacional da Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP,2010
[2]- Almeida, José Ferreira de, O velho, o novo e o reciclado (...),
in Ano Internacional de Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP, 2010.
Ideia avançada pelo autor.
[3]- Carla Amado Gomes, na mesma publicação já referida, pág.29
[4]- Antunes, Tiago, Singularidade de um regime ecológico- o regime da
Rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências de análise (…), in Ano
Internacional da Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP, 2010
Sofia Costa Dias, aluna nº 20997
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