terça-feira, 20 de maio de 2014

Os duplos meios de punição – responsabilidade ambiental e regime sancionatório

                Na base deste texto está mais uma vez o princípio da prevenção – que se demonstra como o corolário principal e a base de apoio do regime do direito ambiental.
Qualquer um dos meios acima referidos representam em última análise[1] a concretização da ideia principal do direito do ambiente – mais vale prevenir que remediar, pelo menos pela ideia de que se não respeitar o que é imposto pela ideia de prevenção vão ter de, em última análise remediar o “erro”.
                Ainda assim, estes meios acabam por se relacionar com um outro aspecto de carácter permissivo de actuação no meio ambiente- todos os actos administrativos que se reportem a autorizações, a indicações ou a informações sobre o que se deve fazer, proteger, desenvolver, ou até quais os produtos “amigos do ambiente”
                Os actos administrativos, ainda que dispersos em várias formas[2], aprovam e apoiam a criação de boas práticas ecológicas, e acaba por se perceber pelos mesmos quais as violações ao ambiente que serão sancionadas, e quem é perante elas responsabilizadas. Logo enquanto a responsabilidade civil, em último caso determina que ao existir um dano ecológico por falta de boas práticas ecológicas que não respeitaram o princípio da prevenção, deve o agente do acto ressarcir e tentar repor se possível o dano causado. Por sua vez a aplicação do direito penal ao direito ambiente existe na base sancionatória, como a última ratio que permite, pelo menos, a aferição da culpa do agente que praticou um acto criminoso contra o meio ambiente.
Neste contexto importa analisar cada um dos regimes num contexto próprio e aplicável ao caso concreto.
                Vejamos apenas um exemplo de um acto administrativo, nomeadamente no espaço de emissão de rótulos ecológicos[3]. Tem o valor de acto administrativo, não o rótulo em si, mas a acção de emissão de eco-etiqueta, que distingue as marcas ou os produtos[4] que podem vir a ser símbolo de promoção do dever de protecção e prevenção do ambiente. Ainda que posteriormente haja a celebração de um contrato com o particular, a intenção principal é o controlo de qualidade e fiscalização da concretização dos objectivos definidos.
Mas qual a origem e os fundamentos de criação do rótulo ecológico?
A intenção do rótulo é mostrar aos consumidores que os produtos com esta marca são respeitadores do ambiente. Porém deve existir uma candidatura à sua atribuição, que só é validada mediante o preenchimento de critérios[5] que confirmem que a sua produção é “amiga do ambiente”.
Nesta vertente o princípio da prevenção é demonstrado pelo apoio à produção de produtos respeitadores das normas comunitárias, no seio de todas as exigências para que se consideram não violadores dos limites ambientais, desde a sua produção à sua comercialização.
                Mas nesta sede o que pode acontecer a quem, ainda que não tenha o intuito de obter o rótulo ecológico, simplesmente não cumpre as normas legislativas, de por exemplo limites às emissões de gases poluidores acima do determinado por lei.
Está estabelecido que em todos os casos em que haja uma violação de limites ambientais, sejam de que género for, se deve tentar inquirir a responsabilidade de quem os violou, ou que ainda que não tenham culpa directa na sua formação se perceba qual a influência dos seus actos.
Ora, seja pela violação deste acto administrativo, ou de outro, ou até por qualquer outra causa reguladora do direito do ambiente pode haver responsabilidade, bem como poder sancionatório sobre a entidade, seja pessoa colectiva ou pessoa singular.
Assim que tipo de responsabilidade teríamos neste caso? Civil, penal, ambiental?
                Certo é que se admite a responsabilidade[6] por dano ambiental [7], e não apenas por dano ecológico, logo uma responsabilidade civil.
A responsabilidade civil ambiental encontra o seu fundamento jurídico no artigo 66º Constituição República Portuguesa, ainda que não esteja explicito subentende-se que, quando cada uma das situações elencadas são violadas se deve por isso impor um regime de responsabilidade.
                 Quanto aos pressupostos da responsabilidade civil admite-se que sejam os elencados no artigo 483/1º Código Civil[8]. No âmbito da responsabilidade civil os pressupostos devem verificar-se cumulativamente, ainda que seja difícil de provar no âmbito ambiental, pelo avanço da industrialização, a autonomização da produção, entre outras razões. Nesta sede, e porque por vezes não é possível encontrar os responsáveis surge a responsabilidade objectiva ambiental.
Esta prende-se com o fundamento da justiça distributiva[9], preterindo-se do critério da culpa é mais fácil responsabilizar alguém, pois não se exige a prova de que foi determinado agente a praticar a conduta dolosa, sendo apenas necessário que se pressuponha que é pela sua actuação que existe o risco para o meio ambiente e se verificou o facto- Artigo 483º/2 CC e artigo 41º Lei Bases Ambiente.
Sendo assim é permitido que exista responsabilidade civil, subjectiva ou objectiva, consoante se consiga provar a imputabilidade do dano a alguém pela aferição da culpa, ou então, se conhecendo o dano, e ainda que não haja culpa por parte do autor, nos termos do Artigo 41º/1 LBA.
                Ora se é permitida a responsabilidade civil, com direito a indemnização, será nas mesmas condições admitida a responsabilidade penal? Impõe o cumprimento de uma sanção, multa ou até pena de prisão?
A consagração de actos lesivos do ambiente no âmbito da matéria penal surge no Artigo 278º e ss. CP. A mesma deve-se a consagração do direito do ambiente como um direito fundamental, que deve ser protegido exactamente pelos mesmos meios que todos os outros.
Porém ressalva-se um aspecto, a protecção é efectivada perante os denominados componentes ambientais naturais, que constituem os bens de domínio público[10]. A intenção é fazer actuar o direito penal quando algum destes bens sofre uma lesão. O uso deste ramo do direito pressupõe o uso das teorias dos fins das penas[11], pela medida da culpa do acto que praticou. Da mesma forma que se pretende que seja o último meio a utilizar, pois a intenção é consciencializar os cidadãos para a protecção do meio ambiente e não condená-los por não o fazerem.
Ainda que independentes entre si, o conhecimento de uma responsabilidade não afasta o reconhecimento da outra. Logo, e ainda que o meio sancionatório não seja igual, as medidas impostas podem coexistir. O pagamento de uma indemnização poderá não afastar a pena de multa ou de prisão previstas em qualquer uma das normas do Código Penal.
Na doutrina a opinião do Professor Vasco Pereira da Silva e da Professora Fernanda Palma coincidem quando dizem que os crimes mais graves devam ser punidos com penas de multa ou prisão, mas entende que o regime sancionatório ideal seria o das “sanções administrativas ou contra-ordenações”[12]. Isto porque a intenção máxima da tutela penal do direito de ambiente é promover a sustentabilidade e protecção ambiental, acabando por tentar a compensação do dano através de uma sanção pecuniária, ou quem sabe trabalho comunitário na limpeza das matas (que eventualmente possa até ter poluído). Por outro lado consagra a ideia máxima do direito penal de a pena de prisão ou multa é a última a aplicar, por um princípio de protecção da dignidade humana, já que o ambiente não influi em nada para a reintegração do individuo, ou na sua consciencialização para a protecção ambiental.
Na óptica do Professor Vasco Pereira da Silva a sanção administrativa será a melhor a ser aplicada, pois a gravidade dos delitos ambientais correspondem maioritariamente a contra-ordenações- exemplo do Artigo 47º/2 Lei Bases Ambientais.
Logo desde uma medida de sanção até a pena de prisão, passando pela indemnização, o direito sancionatório e a responsabilidade civil propugnam uma ideia de penalização por um facto ilícito, ou ainda que não se funde na culpa na responsabilização pelo dano.
A utilização do direito penal é apenas acessória aos aspectos administrativos do direito do ambiente.
De outra perspectiva a ideia é evitar ao máximo a aplicação de qualquer uma destas consequências, relativas a quem não respeitou as medidas, pois se o interesse máximo é proteger o ambiente, a penalização é apenas o meio de punir o agente, mas não o meio para evitar mais danos.


BIBLIOGRAFIA:
Canotilho, J.J. Gomes, Introdução ao direito ambiente, Lisboa, Universidade Aberta;
Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012;
Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Liçoes de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002;
O rótulo ecológico europeu em síntese (brochura comissão europeia)
Oliveira, Heloísa, "A restauração no Novo Regime Juridico de Responsabilidade Civil Ambiental" in Actas do Colóquio- A responsabilidade Civil por Dano Ambiental;
Antunes, Tiago, "Da natureza Jurídica da responsabilidade ambiental" in Actas do Colóquio - A responsabilidade Civil por Dano Ambiental;
Maria Fernanda Palma, “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira Abordagem”, in Direito do Ambiente.
Site Oficial união europeia: europa.eu;
site oficial APA: http://www.apambiente.pt;


Telma Ezequiel, n.º 20442




[1] Principalmente no caso do poder sancionatório, em que o direito penal impõe-se a si próprio como de aplicação residual, em virtude do que infra será analisado.
[2] Pode ser uma licença ambiental, uma DIA, um rótulo ecológico, etc.
[3] Entenda-se como rótulo ecológico, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva: “modalidade de prestação de informações e de orientações aos consumidores, de forma a promover produtos susceptíveis de contribuir para a redução de impactos ambientais negativos, por comparação com outros produtos do mesmo grupo, contribuindo deste modo para a utilização eficiente de recursos e para um elevado nível de protecção do ambiente.”, in Verde cor de direito, lições de direito do ambiente, Vasco Pereira da Silva, 2005.
[4] Actualmente usufruem da atribuição do rótulo ecológico 17 grupos de produtos, desde tintas a detergentes, a electrodomésticos. Só é concedido a tais produtos se for feita prova de que tem um impacte ambiental reduzido.
[5] São resultados de estudos elaborados pelo Comité do Rótulo Ecológico da UE. Os mesmos são fixados de forma a permitir a elegibilidade para a atribuição do rótulo de no máximo de 30% dos produtos disponíveis no mercado.
[6] Refira-se como legislação relativa a apreciação da responsabilidade a directiva transposta 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2005 e o DL 147/2008 de 20 de Julho.
[7] Para a classificação deve referir-se a distinção entre este e o dano ambiental, que é aceite pela maioria da doutrina. Para o professor Vasco Pereira da Silva deve mesmo manter-se a distinção e não permitir uma adopção de um conceito amplo de dano ambiental.
Nesta sede a diferenciação baseia-se nos efeitos provocados pelo dano ambiental, que atingem bens jurídicos concretos pela emissão de meios poluentes, que derivam directamente de emissores concretos e conhecidos- há uma relação directa entre a fonte poluidora e o bem que ficou sujeito ao dano. O dano ecológico reporta-se a danos graves e continuados ao sistema ecológico natural, mas que não violaram com a sua concretização direitos individuais- não existe um agente determinado, mas percebe-se que as agressões prolongadas afectaram todo o sistema.
[8] Pressupostos: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
[9] Quem desenvolve a actividade perigosa, e por ela consegue obter os benefícios que pretende, tem o ónus de arcar com os danos que causou, ainda que não tenha tido a intenção propositada de concretizar o dano, com a obtenção dos lucros – Art. 483º/2 CC.
[10] Previstos no Artigo 84º CRP. Excluem-se os bens imóveis de domínio público, previstos no DL 280/2007, pois não se consideram bens de domínio público naturais.
[11] Teoria relativa da prevenção geral e especial, que se relaciona respectivamente com a acção da sociedade e do agente.
[12] Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente”, 2005 e Maria Fernanda Palma, “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira Abordagem”, in Direito do Ambiente.

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