Os duplos meios de punição – responsabilidade
ambiental e regime sancionatório
Na base deste texto está mais
uma vez o princípio da prevenção – que se demonstra como o corolário principal
e a base de apoio do regime do direito ambiental.
Qualquer
um dos meios acima referidos representam em última análise[1]
a concretização da ideia principal do direito do ambiente – mais vale prevenir
que remediar, pelo menos pela ideia de que se não respeitar o que é imposto
pela ideia de prevenção vão ter de, em última análise remediar o “erro”.
Ainda assim, estes meios acabam
por se relacionar com um outro aspecto de carácter permissivo de actuação no
meio ambiente- todos os actos administrativos que se reportem a autorizações, a
indicações ou a informações sobre o que se deve fazer, proteger, desenvolver,
ou até quais os produtos “amigos do ambiente”
Os actos administrativos, ainda
que dispersos em várias formas[2],
aprovam e apoiam a criação de boas práticas ecológicas, e acaba por se perceber
pelos mesmos quais as violações ao ambiente que serão sancionadas, e quem é
perante elas responsabilizadas. Logo enquanto a responsabilidade civil, em
último caso determina que ao existir um dano ecológico por falta de boas
práticas ecológicas que não respeitaram o princípio da prevenção, deve o agente
do acto ressarcir e tentar repor se possível o dano causado. Por sua vez a
aplicação do direito penal ao direito ambiente existe na base sancionatória,
como a última ratio que permite, pelo
menos, a aferição da culpa do agente que praticou um acto criminoso contra o
meio ambiente.
Neste
contexto importa analisar cada um dos regimes num contexto próprio e aplicável
ao caso concreto.
Vejamos apenas um exemplo de um
acto administrativo, nomeadamente no espaço de emissão de rótulos ecológicos[3].
Tem o valor de acto administrativo, não o rótulo em si, mas a acção de emissão
de eco-etiqueta, que distingue as marcas ou os produtos[4]
que podem vir a ser símbolo de promoção do dever de protecção e prevenção do
ambiente. Ainda que posteriormente haja a celebração de um contrato com o
particular, a intenção principal é o controlo de qualidade e fiscalização da
concretização dos objectivos definidos.
Mas qual a origem e os fundamentos de criação do rótulo
ecológico?
A intenção do rótulo é mostrar aos consumidores que os
produtos com esta marca são respeitadores do ambiente. Porém deve existir uma
candidatura à sua atribuição, que só é validada mediante o preenchimento de
critérios[5]
que confirmem que a sua produção é “amiga do ambiente”.
Nesta
vertente o princípio da prevenção é demonstrado pelo apoio à produção de
produtos respeitadores das normas comunitárias, no seio de todas as exigências
para que se consideram não violadores dos limites ambientais, desde a sua
produção à sua comercialização.
Mas nesta sede o que pode
acontecer a quem, ainda que não tenha o intuito de obter o rótulo ecológico,
simplesmente não cumpre as normas legislativas, de por exemplo limites às
emissões de gases poluidores acima do determinado por lei.
Está
estabelecido que em todos os casos em que haja uma violação de limites
ambientais, sejam de que género for, se deve tentar inquirir a responsabilidade
de quem os violou, ou que ainda que não tenham culpa directa na sua formação se
perceba qual a influência dos seus actos.
Ora,
seja pela violação deste acto administrativo, ou de outro, ou até por qualquer
outra causa reguladora do direito do ambiente pode haver responsabilidade, bem
como poder sancionatório sobre a entidade, seja pessoa colectiva ou pessoa
singular.
Assim
que tipo de responsabilidade teríamos neste caso? Civil, penal, ambiental?
Certo é que se admite a responsabilidade[6]
por dano ambiental [7], e não
apenas por dano ecológico, logo uma responsabilidade civil.
A
responsabilidade civil ambiental encontra o seu fundamento jurídico no artigo
66º Constituição República Portuguesa, ainda que não esteja explicito subentende-se que, quando cada uma das
situações elencadas são violadas se deve por isso impor um regime de
responsabilidade.
Quanto aos pressupostos da responsabilidade
civil admite-se que sejam os elencados no artigo 483/1º Código Civil[8].
No âmbito da responsabilidade civil os pressupostos devem verificar-se
cumulativamente, ainda que seja difícil de provar no âmbito ambiental, pelo
avanço da industrialização, a autonomização da produção, entre outras razões.
Nesta sede, e porque por vezes não é possível encontrar os responsáveis surge a
responsabilidade objectiva ambiental.
Esta
prende-se com o fundamento
da justiça distributiva[9],
preterindo-se do critério da culpa é mais fácil responsabilizar alguém, pois
não se exige a prova de que foi determinado agente a praticar a conduta dolosa,
sendo apenas necessário que se pressuponha que é pela sua actuação que existe o
risco para o meio ambiente e se verificou o facto- Artigo 483º/2 CC e artigo
41º Lei Bases Ambiente.
Sendo
assim é permitido que exista responsabilidade civil, subjectiva ou objectiva,
consoante se consiga provar a imputabilidade do dano a alguém pela aferição da
culpa, ou então, se conhecendo o dano, e ainda que não haja culpa por parte do
autor, nos termos do Artigo 41º/1 LBA.
Ora se é permitida a
responsabilidade civil, com direito a indemnização, será nas mesmas condições
admitida a responsabilidade penal? Impõe o cumprimento de uma sanção, multa ou
até pena de prisão?
A
consagração de actos lesivos do ambiente no âmbito da matéria penal surge no
Artigo 278º e ss. CP. A mesma deve-se a consagração do direito do ambiente como
um direito fundamental, que deve ser protegido exactamente pelos mesmos meios
que todos os outros.
Porém ressalva-se um aspecto, a protecção é efectivada
perante os denominados componentes ambientais naturais, que constituem os bens
de domínio público[10].
A intenção é fazer actuar o direito penal quando algum destes bens sofre uma
lesão. O uso deste ramo do direito pressupõe o uso das teorias dos fins das
penas[11],
pela medida da culpa do acto que praticou. Da mesma forma que se pretende que
seja o último meio a utilizar, pois a intenção é consciencializar os cidadãos
para a protecção do meio ambiente e não condená-los por não o fazerem.
Ainda que independentes entre si, o conhecimento de uma
responsabilidade não afasta o reconhecimento da outra. Logo, e ainda que o meio
sancionatório não seja igual, as medidas impostas podem coexistir. O pagamento
de uma indemnização poderá não afastar a pena de multa ou de prisão previstas
em qualquer uma das normas do Código Penal.
Na doutrina a opinião do Professor Vasco Pereira da Silva e
da Professora Fernanda Palma coincidem quando dizem que os crimes mais graves
devam ser punidos com penas de multa ou prisão, mas entende que o regime
sancionatório ideal seria o das “sanções administrativas ou contra-ordenações”[12].
Isto porque a intenção máxima da tutela penal do direito de ambiente é promover
a sustentabilidade e protecção ambiental, acabando por tentar a compensação do
dano através de uma sanção pecuniária, ou quem sabe trabalho comunitário na
limpeza das matas (que eventualmente possa até ter poluído). Por outro lado
consagra a ideia máxima do direito penal de a pena de prisão ou multa é a
última a aplicar, por um princípio de protecção da dignidade humana, já que o
ambiente não influi em nada para a reintegração do individuo, ou na sua
consciencialização para a protecção ambiental.
Na
óptica do Professor Vasco Pereira da Silva a sanção administrativa será a
melhor a ser aplicada, pois a gravidade dos delitos ambientais correspondem
maioritariamente a contra-ordenações- exemplo do Artigo 47º/2 Lei Bases
Ambientais.
Logo desde uma medida de sanção até a pena de prisão,
passando pela indemnização, o direito sancionatório e a responsabilidade civil
propugnam uma ideia de penalização por um facto ilícito, ou ainda que não se
funde na culpa na responsabilização pelo dano.
A
utilização do direito penal é apenas acessória aos aspectos administrativos do
direito do ambiente.
De
outra perspectiva a ideia é evitar ao máximo a aplicação de qualquer uma destas
consequências, relativas a quem não respeitou as medidas, pois se o interesse
máximo é proteger o ambiente, a penalização é apenas o meio de punir o agente,
mas não o meio para evitar mais danos.
BIBLIOGRAFIA:
Canotilho,
J.J. Gomes, Introdução ao direito ambiente, Lisboa, Universidade Aberta;
Gomes,
Carla Amado, Introdução ao Direito Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012;
Silva,
Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Liçoes de Direito do Ambiente,
Coimbra, Almedina, 2002;
O rótulo ecológico europeu em síntese (brochura comissão europeia)
Oliveira, Heloísa, "A restauração no Novo Regime Juridico de Responsabilidade Civil Ambiental" in Actas do Colóquio- A responsabilidade Civil por Dano Ambiental;
Antunes, Tiago, "Da natureza Jurídica da responsabilidade ambiental" in Actas do Colóquio - A responsabilidade Civil por Dano Ambiental;
Maria Fernanda Palma, “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira Abordagem”, in Direito do Ambiente.
Site Oficial união europeia: europa.eu;
site oficial APA: http://www.apambiente.pt;
Telma Ezequiel, n.º 20442
[1]
Principalmente no caso do poder sancionatório, em que o direito penal impõe-se
a si próprio como de aplicação residual, em virtude do que infra será
analisado.
[2] Pode ser
uma licença ambiental, uma DIA, um rótulo ecológico, etc.
[3]
Entenda-se como rótulo ecológico, nas palavras do Professor Vasco Pereira da
Silva: “modalidade de prestação de informações e de orientações aos
consumidores, de forma a promover produtos susceptíveis de contribuir para a
redução de impactos ambientais negativos, por comparação com outros produtos do
mesmo grupo, contribuindo deste modo para a utilização eficiente de recursos e
para um elevado nível de protecção do ambiente.”, in Verde cor de direito, lições de direito do ambiente, Vasco Pereira
da Silva, 2005.
[4]
Actualmente usufruem da atribuição do rótulo ecológico 17 grupos de produtos,
desde tintas a detergentes, a electrodomésticos. Só é concedido a tais produtos
se for feita prova de que tem um impacte ambiental reduzido.
[5] São
resultados de estudos elaborados pelo Comité do Rótulo Ecológico da UE. Os
mesmos são fixados de forma a permitir a elegibilidade para a atribuição do
rótulo de no máximo de 30% dos produtos disponíveis no mercado.
[6]
Refira-se como legislação relativa a apreciação da responsabilidade a directiva
transposta 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de
2005 e o DL 147/2008 de 20 de Julho.
[7] Para a
classificação deve referir-se a distinção entre este e o dano ambiental, que é
aceite pela maioria da doutrina. Para o professor Vasco Pereira da Silva deve
mesmo manter-se a distinção e não permitir uma adopção de um conceito amplo de
dano ambiental.
Nesta sede a diferenciação baseia-se nos efeitos
provocados pelo dano ambiental, que atingem bens jurídicos concretos pela
emissão de meios poluentes, que derivam directamente de emissores concretos e
conhecidos- há uma relação directa entre a fonte poluidora e o bem que ficou
sujeito ao dano. O dano ecológico reporta-se a danos graves e continuados ao
sistema ecológico natural, mas que não violaram com a sua concretização
direitos individuais- não existe um agente determinado, mas percebe-se que as
agressões prolongadas afectaram todo o sistema.
[8] Pressupostos:
facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
[9] Quem desenvolve
a actividade perigosa, e por ela consegue obter os benefícios que pretende, tem
o ónus de arcar com os danos que causou, ainda que não tenha tido a intenção
propositada de concretizar o dano, com a obtenção dos lucros – Art. 483º/2 CC.
[10]
Previstos no Artigo 84º CRP. Excluem-se os bens imóveis de domínio público,
previstos no DL 280/2007, pois não se consideram bens de domínio público
naturais.
[11] Teoria
relativa da prevenção geral e especial, que se relaciona respectivamente com a
acção da sociedade e do agente.
[12] Vasco
Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente”, 2005 e
Maria Fernanda Palma, “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira Abordagem”, in
Direito do Ambiente.
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