O RÓTULO ECOLÓGICO COMUNITÁRIO COMO
“NUDGE”
I. Introdução; II. O Rótulo Ecológico da União
Europeia; III. O “Behavioural
Law and Economics” e os “Nudges”; IV. Rótulo Ecológico Enquanto “Nudge”; V. Bibliografia e Fontes.
I.
Introdução
O Rótulo Ecológico (doravante REUE) é um instrumento uniformizador
da União Europeia que visa disponibilizar aos consumidores a informação, em
termos compreensíveis, de que determinados produtos ou serviços, designadamente
os portadores do rótulo, são produzidos através de técnicas minimizadoras dos
impactes ambientais negativos, por comparação com outros bens da mesma
natureza, promovendo a adopção, do lado dos produtores, de meios de produção
pouco poluidores e, do lado dos consumidores, de comportamentos que lesem o
mínimo possível o meio ambiente, que passa, concretamente, pela aquisição dos
produtos rotulados.
Criado em 1992, através do Regulamento do Conselho n.º
880/92/CEE, de 23/3/1992 que o regulou inicialmente, sendo posteriormente
sucedido pelo Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 1980/2000, de
17/7/2000, até que, a 19 de Fevereiro de 2010 foi substituído na sua vigência,
pelo actualmente em vigor Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º
66/2010, de 25/11/2009, que estabelece um sistema de rótulo ecológico da União
Europeia (doravante SREUE).
Este instrumento assume um grande interesse pelos mais
diversos motivos. Desde a complexidade enquanto realidade administrativa típica
da administração infra-estrutural, que implica uma série de actuações por parte
da administração, no âmbito da relação com o particular à sua realidade
conjugadora de diversos interesses, designadamente, económicos – a defesa dos
consumidores e a concorrência entre produtores –, ambientais e comportamentais.
É sobre este segundo ponto de vista, o de encruzilhada
de interesses, que nos propomos a abordar a questão, concretamente da relação
entre o ambiente e a regulação comportamental, levada a cabo pela “behavioural law and economics”.
II. O
Rótulo Ecológico da União Europeia
Tem
interesse, em vez de “mergulhar de cabeça” no tema que nos propusemos abordar,
apreciar o regime de atribuição do REUE em traços gerais, para que possamos
compreender como é que este instrumento se reflecte na posição de mercado, quer
dos produtores, quer dos consumidores.
Antes de
mais devemos esclarecer que o regime do REUE é voluntário, o que significa que
a sua atribuição depende da elaboração de pedido pelo particular, nos termos do
artigo 9.º/1, 2 e 3 do SREUE, à entidade competente que, em Portugal é a
Direcção-Geral das Actividades Económicas (sucessora da Direcção-Geral da
Empresa no Ministério da Economia), de acordo com o Despacho n.º 15 512/2006,
de 28 de Junho de 2006, através da Direcção de Serviços dos Preços e Serviços e
da Sustentabilidade (doravante DSPSS), nos termos do artigo 4.º/m) da Portaria
n.º 292/2012, de 26 de Setembro.
Para que o
requerente possa apor o rótulo no seu produto é necessário que, verificadas as
condições de atribuição do REUE[1],
previstas no artigo 9.º/5, 6 e 7 do SREUE, pela DGAE e pelo Comité do REUE
(composto pela DGAE, pela APA, IP. e pelos organismos especializados que
procedem à avaliação do cumprimento da legislação comunitária e nacional
aplicável aos produtos e serviços em causa – cfr. artigo 3.º/2 do Despacho n.º
15 512/2006, de 28 de Junho de 2006), a entidade competente celebre com o
produtor um contrato, nos termos do qual este se compromete ao cumprimento das
condições de utilização do rótulo, incluindo disposições relativas à subsistência,
cessação e revisão da atribuição do mesmo, de acordo com o artigo 9.º/8 e 9 SREUE,
e ao pagamento de uma taxa anual, prevista no Anexo III do SREUE.
Segue-se,
após a contratação com o produtor, uma terceira fase, em que a DGAE fiscaliza o
cumprimento dos produtos aos quais atribuiu o REUE, a fim de controlar o cumprimento
dos critérios de atribuição mesmo, de acordo com o artigo 10.º SREUE. Também
nesta “fase” da relação jurídica, o produtor irá beneficiar de medidas
promotoras dos produtos rotulados, nos termos do artigo 12.º SREUE.
O REUE é assim, como diz o Prof. Doutor VASCO PEREIRA
DA SILVA, uma realidade de natureza mista, englobando elementos unilaterais
decisórios, relacionados com o acto administrativo, elementos contratuais e actuações
materiais da administração, der que são exemplo a elaboração das listas dos
produtos portadores do REUE e a publicidade feita aos mesmos. Inserindo-se na “nova
administração global” e do Estado Pós-Social, numa lógica de cooperação (ou
cumplicidade) dos particulares com os fins, até há pouco tempo, públicos.
Coexistente com a dimensão administrativa do REUE, há
a dimensão comportamental, derivada da “Behavioural
Law and Economics”, que consiste numa aproximação psicológica e económica
do direito, a fim de prever e condicionar os comportamentos dos seus
destinatários, numa tentativa de tornar mais eficaz a aplicação do Direito.
Esta é uma maneira relativamente recente de perspectivar o Direito que ainda
tem, entre nós, escassa aplicação, pelo que parece apropriado recorrer ao
direito do ambiente, mais uma vez, como “laboratório” para testar outra
realidade, antes da sua absorção geral.
É desta área
que importamos o conceito comportamental de “nudge”. Este é um conceito, originariamente, económico e
psicológico, que consiste num estímulo ou num incentivo para a adopção de uma
conduta (considerada melhor), perante uma situação de escolha. Abstractamente,
um “nudge” encontra aplicação em todas as situações de escolha, inclusive no campo
do Direito, e é fácil ver a relação entre este instrumento e o REUE.
Vejamos, de
seguida, os termos em que o REUE é um estímulo à adopção de um comportamento
desejado pela União Europeia.
IV. Rótulo
Ecológico Enquanto “Nudge”
Ao informar o consumidor de que
determinado bem é produzido através de meios com reduzido impacte no meio
ambiente, comparativamente aos demais produtos equivalentes, o REUE pretende
que os consumidores ponderem, na sua actuação, o factor ambiente, acabando por
agir como um estímulo para a aquisição, por aqueles, desses mesmos produtos
“verdes” em preterição dos outros, mais danosos para o ambiente. Ou seja, num
plano abstracto, visou-se um resultado considerado positivo, que é a protecção
do ambiente (desincentivando a compra de produtos poluentes), cuja prossecução
é possível através da colaboração dos consumidores, aos quais se dá um estímulo
para que ajam da maneira pretendida.
No
entanto os reflexos comportamentais do REUE não se ficam
por aqui, pois sendo bem-sucedido na alteração dos comportamentos dos
consumidores, irá compelir os produtores à adopção de meios de produção menos
gravosos para o ambiente, para actuarem de maneira concorrente com os demais
produtos de “excelência ecológica” e não perderem a sua quota de mercado. A
atribuição do REUE funciona, assim, como um factor de distinção pela positiva dos
produtos rotulados face aos não rotulados, o que cria uma separação do mercado.
Já se viu
que o problema recai sobre a condição em que incide a implementação e o sucesso
do sistema de rotulagem, i.e. na aderência dos consumidores aos fins
prosseguidos pelo REUE, porque, convenhamos, as pessoas não retiram vantagens
imediatas na sua esfera pessoal pela mera aquisição do bem rotulado, isto
porque a atribuição do REUE se prende com os meios utilizados na produção do
bem, que não se reflectem necessariamente na qualidade deste.
E aqui evidencia-se
novamente o “behavioural law and
economics”, minorando a necessidade de “educação ambiental” do consumidor-médio
(consciente da realidade ambiental, mas que não transporta esse conhecimento
para o plano da acção) informando-o dos benefícios do REUE, acabando por o “empurrar”
o consumidor no sentido pretendido pela União Europeia de diminuir a assimetria
informativa dando a conhecer a qualidade do bem através da expressão de ideais
e valores. Assim se transporta para o plano das acções a consciência ecológica
do consumidor, mesmo apesar deste não estar plenamente determinado a agir nesse
sentido, por si.
Resta-nos
concluir que, enquanto instrumento de promoção reflexa do meio ambiente, o
REUE, aliado ao “behavioural law and
economics” tem-se revelado eficaz, tendo ultrapassado vários desafios que
se levantaram (v.g. efeito boleia, entropia informativa, entre outros). Tem, no
entanto, perante si, novos desafios, que aliás conduziram à revisão do regime
em 2012. Não deixa de ser uma mais-valia na defesa do meio ambiente, apenas
possível pela contribuição das ciências “comportamentais” associadas ao direito
do ambiente, contribuindo para um elevado nível de protecção ambiental e efectivação
de recursos naturais.
V.
Bibliografia e Fontes.
GOMES, Carla
Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, 2ª Edição, AAFDL, 2014;
SARAIVA, Rute, O
Direito do ambiente e a Behavioral Law and Economics, intervenção da autora nas
Jornadas de Direito Ambiental e Urbanístico, no dia 7 de Abril de 2014, Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa;
SILVA, Mário Tavares da, O Rótulo
Ecológico Comunitário (REC) e o Eco-Management and Audit Scheme (EMAS). Ensaio
sobre a sua qualificação jus-administrativa, relatório de mestrado em ciências
jurídico-políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2009;
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de
Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002;
SILVA, Vasco Pereira da, Aula Teórica
de Direito do Ambiente de 22 de Abril de 2014, na Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa;
THALER, Richard H./SUNSTEIN,
Cass R., Nudge, Academia do Livro, 2009.
[1] É alvo de várias decisões que densificam os critérios
de atribuição do REUE para diversas categorias de produtos, veja-se, a título
de exemplo: Decisão da Comissão n.º 383/2011, de 28/6/2011, da Comissão
Europeia, que estabelece os critérios ecológicos para a atribuição do REUE a
produtos de limpeza «lava tudo» e a produtos de limpeza para instalações
sanitárias; ou as Decisões da Comissão n.os 263/2011 e264/2011,
ambas de 28/4/2011, ambas da Comissão Europeia e ambas estabelecem os critérios
para a atribuição do rótulo ecológico da UE aos detergentes para máquinas de
lavar louça.
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