sexta-feira, 16 de maio de 2014

O DIREITO DO AMBIENTE COMO LABORATÓRIO PARA A “BEHAVIOURAL LAW AND ECONOMICS”


O RÓTULO ECOLÓGICO COMUNITÁRIO COMO “NUDGE”

I. Introdução; II. O Rótulo Ecológico da União Europeia; III. O “Behavioural Law and Economics e os “Nudges”; IV. Rótulo Ecológico Enquanto “Nudge”; V. Bibliografia e Fontes.

I. Introdução

O Rótulo Ecológico (doravante REUE) é um instrumento uniformizador da União Europeia que visa disponibilizar aos consumidores a informação, em termos compreensíveis, de que determinados produtos ou serviços, designadamente os portadores do rótulo, são produzidos através de técnicas minimizadoras dos impactes ambientais negativos, por comparação com outros bens da mesma natureza, promovendo a adopção, do lado dos produtores, de meios de produção pouco poluidores e, do lado dos consumidores, de comportamentos que lesem o mínimo possível o meio ambiente, que passa, concretamente, pela aquisição dos produtos rotulados.
Criado em 1992, através do Regulamento do Conselho n.º 880/92/CEE, de 23/3/1992 que o regulou inicialmente, sendo posteriormente sucedido pelo Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 1980/2000, de 17/7/2000, até que, a 19 de Fevereiro de 2010 foi substituído na sua vigência, pelo actualmente em vigor Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 66/2010, de 25/11/2009, que estabelece um sistema de rótulo ecológico da União Europeia (doravante SREUE).
Este instrumento assume um grande interesse pelos mais diversos motivos. Desde a complexidade enquanto realidade administrativa típica da administração infra-estrutural, que implica uma série de actuações por parte da administração, no âmbito da relação com o particular à sua realidade conjugadora de diversos interesses, designadamente, económicos – a defesa dos consumidores e a concorrência entre produtores –, ambientais e comportamentais.
É sobre este segundo ponto de vista, o de encruzilhada de interesses, que nos propomos a abordar a questão, concretamente da relação entre o ambiente e a regulação comportamental, levada a cabo pela “behavioural law and economics”.

II. O Rótulo Ecológico da União Europeia

            Tem interesse, em vez de “mergulhar de cabeça” no tema que nos propusemos abordar, apreciar o regime de atribuição do REUE em traços gerais, para que possamos compreender como é que este instrumento se reflecte na posição de mercado, quer dos produtores, quer dos consumidores.
            Antes de mais devemos esclarecer que o regime do REUE é voluntário, o que significa que a sua atribuição depende da elaboração de pedido pelo particular, nos termos do artigo 9.º/1, 2 e 3 do SREUE, à entidade competente que, em Portugal é a Direcção-Geral das Actividades Económicas (sucessora da Direcção-Geral da Empresa no Ministério da Economia), de acordo com o Despacho n.º 15 512/2006, de 28 de Junho de 2006, através da Direcção de Serviços dos Preços e Serviços e da Sustentabilidade (doravante DSPSS), nos termos do artigo 4.º/m) da Portaria n.º 292/2012, de 26 de Setembro.
            Para que o requerente possa apor o rótulo no seu produto é necessário que, verificadas as condições de atribuição do REUE[1], previstas no artigo 9.º/5, 6 e 7 do SREUE, pela DGAE e pelo Comité do REUE (composto pela DGAE, pela APA, IP. e pelos organismos especializados que procedem à avaliação do cumprimento da legislação comunitária e nacional aplicável aos produtos e serviços em causa – cfr. artigo 3.º/2 do Despacho n.º 15 512/2006, de 28 de Junho de 2006), a entidade competente celebre com o produtor um contrato, nos termos do qual este se compromete ao cumprimento das condições de utilização do rótulo, incluindo disposições relativas à subsistência, cessação e revisão da atribuição do mesmo, de acordo com o artigo 9.º/8 e 9 SREUE, e ao pagamento de uma taxa anual, prevista no Anexo III do SREUE.
            Segue-se, após a contratação com o produtor, uma terceira fase, em que a DGAE fiscaliza o cumprimento dos produtos aos quais atribuiu o REUE, a fim de controlar o cumprimento dos critérios de atribuição mesmo, de acordo com o artigo 10.º SREUE. Também nesta “fase” da relação jurídica, o produtor irá beneficiar de medidas promotoras dos produtos rotulados, nos termos do artigo 12.º SREUE.
            O REUE é assim, como diz o Prof. Doutor VASCO PEREIRA DA SILVA, uma realidade de natureza mista, englobando elementos unilaterais decisórios, relacionados com o acto administrativo, elementos contratuais e actuações materiais da administração, der que são exemplo a elaboração das listas dos produtos portadores do REUE e a publicidade feita aos mesmos. Inserindo-se na “nova administração global” e do Estado Pós-Social, numa lógica de cooperação (ou cumplicidade) dos particulares com os fins, até há pouco tempo, públicos.

III. O “Behavioural Law and Economics” e os “Nudges[2]

            Coexistente com a dimensão administrativa do REUE, há a dimensão comportamental, derivada da “Behavioural Law and Economics”, que consiste numa aproximação psicológica e económica do direito, a fim de prever e condicionar os comportamentos dos seus destinatários, numa tentativa de tornar mais eficaz a aplicação do Direito. Esta é uma maneira relativamente recente de perspectivar o Direito que ainda tem, entre nós, escassa aplicação, pelo que parece apropriado recorrer ao direito do ambiente, mais uma vez, como “laboratório” para testar outra realidade, antes da sua absorção geral.
            É desta área que importamos o conceito comportamental de “nudge”. Este é um conceito, originariamente, económico e psicológico, que consiste num estímulo ou num incentivo para a adopção de uma conduta (considerada melhor), perante uma situação de escolha. Abstractamente, um “nudge” encontra aplicação em todas as situações de escolha, inclusive no campo do Direito, e é fácil ver a relação entre este instrumento e o REUE.
            Vejamos, de seguida, os termos em que o REUE é um estímulo à adopção de um comportamento desejado pela União Europeia.

IV. Rótulo Ecológico Enquanto “Nudge”

                        Ao informar o consumidor de que determinado bem é produzido através de meios com reduzido impacte no meio ambiente, comparativamente aos demais produtos equivalentes, o REUE pretende que os consumidores ponderem, na sua actuação, o factor ambiente, acabando por agir como um estímulo para a aquisição, por aqueles, desses mesmos produtos “verdes” em preterição dos outros, mais danosos para o ambiente. Ou seja, num plano abstracto, visou-se um resultado considerado positivo, que é a protecção do ambiente (desincentivando a compra de produtos poluentes), cuja prossecução é possível através da colaboração dos consumidores, aos quais se dá um estímulo para que ajam da maneira pretendida.
            No entanto os reflexos comportamentais do REUE não se ficam por aqui, pois sendo bem-sucedido na alteração dos comportamentos dos consumidores, irá compelir os produtores à adopção de meios de produção menos gravosos para o ambiente, para actuarem de maneira concorrente com os demais produtos de “excelência ecológica” e não perderem a sua quota de mercado. A atribuição do REUE funciona, assim, como um factor de distinção pela positiva dos produtos rotulados face aos não rotulados, o que cria uma separação do mercado.
            Já se viu que o problema recai sobre a condição em que incide a implementação e o sucesso do sistema de rotulagem, i.e. na aderência dos consumidores aos fins prosseguidos pelo REUE, porque, convenhamos, as pessoas não retiram vantagens imediatas na sua esfera pessoal pela mera aquisição do bem rotulado, isto porque a atribuição do REUE se prende com os meios utilizados na produção do bem, que não se reflectem necessariamente na qualidade deste.
            E aqui evidencia-se novamente o “behavioural law and economics”, minorando a necessidade de “educação ambiental” do consumidor-médio (consciente da realidade ambiental, mas que não transporta esse conhecimento para o plano da acção) informando-o dos benefícios do REUE, acabando por o “empurrar” o consumidor no sentido pretendido pela União Europeia de diminuir a assimetria informativa dando a conhecer a qualidade do bem através da expressão de ideais e valores. Assim se transporta para o plano das acções a consciência ecológica do consumidor, mesmo apesar deste não estar plenamente determinado a agir nesse sentido, por si.
            Resta-nos concluir que, enquanto instrumento de promoção reflexa do meio ambiente, o REUE, aliado ao “behavioural law and economics” tem-se revelado eficaz, tendo ultrapassado vários desafios que se levantaram (v.g. efeito boleia, entropia informativa, entre outros). Tem, no entanto, perante si, novos desafios, que aliás conduziram à revisão do regime em 2012. Não deixa de ser uma mais-valia na defesa do meio ambiente, apenas possível pela contribuição das ciências “comportamentais” associadas ao direito do ambiente, contribuindo para um elevado nível de protecção ambiental e efectivação de recursos naturais.

V. Bibliografia e Fontes.

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, 2ª Edição, AAFDL, 2014;
SARAIVA, Rute, O Direito do ambiente e a Behavioral Law and Economics, intervenção da autora nas Jornadas de Direito Ambiental e Urbanístico, no dia 7 de Abril de 2014, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
            SILVA, Mário Tavares da, O Rótulo Ecológico Comunitário (REC) e o Eco-Management and Audit Scheme (EMAS). Ensaio sobre a sua qualificação jus-administrativa, relatório de mestrado em ciências jurídico-políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2009;
            SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002;
            SILVA, Vasco Pereira da, Aula Teórica de Direito do Ambiente de 22 de Abril de 2014, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
            THALER, Richard H./SUNSTEIN, Cass R., Nudge, Academia do Livro, 2009.




[1] É alvo de várias decisões que densificam os critérios de atribuição do REUE para diversas categorias de produtos, veja-se, a título de exemplo: Decisão da Comissão n.º 383/2011, de 28/6/2011, da Comissão Europeia, que estabelece os critérios ecológicos para a atribuição do REUE a produtos de limpeza «lava tudo» e a produtos de limpeza para instalações sanitárias; ou as Decisões da Comissão n.os 263/2011 e264/2011, ambas de 28/4/2011, ambas da Comissão Europeia e ambas estabelecem os critérios para a atribuição do rótulo ecológico da UE aos detergentes para máquinas de lavar louça.
[2]Nudge” traduz-se por: estímulo, empurrãozinho ou toque.

Lourenço Fernandes Tomás, n.º 20691

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