sexta-feira, 23 de maio de 2014

A eficácia dos contratos de adaptação ambiental e o seu confronto com o princípio da legalidade

·         Introdução aos contratos de adaptação ambiental
Os contratos de adaptação ambiental, encontram-se regulados no Decreto-Lei nº 236/98, de 1 Fevereiro (com alterações introduzidas pelo DL 243/2001, de 5 de Setembro), sendo esta a primeira previsão legal expressa e de regulação global dos mesmos – tratou-se claramente de passar a letra da lei o que já era uma prática administrativa- foram criados primordialmente para proteger o meio aquático e melhorar a qualidade da água (nº1), mas têm atualmente sido estendidos a qualquer domínio de combate à poluição[1].
Na verdade, dado o elevado défice de execução dos comandos legais por parte dos agentes poluentes no que respeita ao cumprimento dos limites máximos de emissões de poluentes, a Administração Pública responsabilizada quer do ponto de vista objetivo, ligado ao facto de a Constituição colocar o ambiente como uma tarefa fundamental do Estado (art. 9º al e CRP), quer da perspetiva da tutela das posições jurídico-subjetivas, por este ser um direito fundamental (art. 66º CRP), tem de “ reinventar” os meios através dos quais lhes é possível assegurar o cumprimento “ possível”[2].
Através da celebração destes contratos entre a Administração e as associações sectoriais de indústrias, estipula-se o conteúdo dos mesmos, dando origem a “ contratos-tipo” e numa segunda fase, as empresas aderem a tais contratos (contrato de adesão).
Assim, apesar de existir uma derrogação temporária do cumprimento da legislação ambiental, na verdade a Administração acaba por obter os mesmos resultados que sem o recurso a tal concertação, não lhe seria possível. Tal efetivação decorre da fiscalização que é feita ao cumprimento das metas a que estes se vincularam no contrato, sendo que em caso de incumprimento, nos termos do art. 78 nº7 e nº 8 do presente DL, os particulares são notificados para corrigir a situação, sob pena de se aplicar a sanção mais grave, isto é, a cessão do contrato com a respetiva entidade.

·         O princípio da eficácia ambiental e o princípio da legalidade

Sendo este o objeto central do estudo em causa, cumpre dar resposta à seguinte questão: “ Serão os contratos de adaptação ambiental uma cedência ao princípio da legalidade em nome da eficácia administrativa?”
Nas palavras da Professora ISABEL MOREIRA “(…) o princípio da legalidade vai ceder (…) a Administração tem resultados concretos a atingir (..) “.
Mas, será possível a Administração agir a bem da eficácia administrativa mesmo que em detrimento do princípio da legalidade, nas seguintes vertentes: situação em que o poder é vinculado quanto ao momento e ao conteúdo e a Administração pretende atuar de forma contrária ao estabelecido ou agir sem tal norma habilitante para tal?
O princípio da legalidade cumpre o seu papel garantístico dos direitos dos particulares em face do poder administrativo, quer no princípio democrático, isto é, que toda a atuação da administração pública emane da lei, tal como consagra o art. 266 nº2 da CRP.
Neste sentido, estamos perante uma relação subordinação da Administração à lei.
Não há dúvida que face a rigidez da lei e atendendo às suas características da abstração e sendo gerais, limitar a Administração à execução dos seus comandos é excessivo.
Assim, quando esta contenha uma margem de indefinição quanto aos seus pressupostos, efeitos e o fim visado ou até mesmo quando a lei apenas faz uma mera indicação de valores a salvaguardar, a Administração dispõe de uma maior autonomia na decisão, no momento de escolher os instrumentos e os caminhos para a realização do interesse público definido na lei. Nestes casos podemos afirmar de facto que tem de se dar maior relevo ao princípio da eficácia, e ai o contrato tem um efeito útil, pois o cumprimento rigoroso da lei, não daria as bases suficientes para a Administração atuar e isso refletir-se- ia em prejuízo no ambiente.
Já numa situação oposta, em que a lei define de forma precisa os seus parâmetros ou onde não haja habilitação legal para a Administração atuar de modo diferente ao estabelecido ou ao arrepio da lei, em nome da eficácia administrativa, seria inequivocamente uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da tipicidade das formas da lei, conforme o disposto no art. 112 nº5 da CRP.
Tal entendimento, é sufragado pelo Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, entendendo que estes contratos são uma derrogação ao regime legalmente estabelecido, violando assim o disposto no art. 112 nº5 da CRP, não obstante considerar que ainda assim estes são admitidos, a título excecional e desde que contenha previsão legal, não podendo ser utilizados como uma fraude à lei[3].
Ainda nesta linha a Professora CARLA AMADO GOMES, considera que tal situação e uma “ demissão às responsabilidades públicas de proteção do ambiente e uma violação aos compromissos assumidos perante a União Europeia e um atentado aos princípios norteadores de uma política coerente eficaz e coerente[4].
A Administração tem de respeitar o princípio da hierarquia das fontes consagrada na Constituição entre atos legislativos e administrativos, e isso afasta por completo a possibilidade de o legislador subverter tal hierarquia, através da derrogação ou suspensão de uma lei vigente dispondo em sentido contrário.
 Estaríamos ai a atribuir força de lei formal a esses atos, uma vez que não há uma deslegalizaçao das matérias.
Cumpre ainda dizer que, estando a Administração, por exemplo, vinculada por lei, a aplicar coimas aos agentes poluentes por violação de normas ambientais e desde que se encontrem preenchidos os pressupostos para a sua efetivação, esta não pode ao abrigo de considerações de oportunidade, ou de eficácia dessa legislação decidir não aplicar a sanção ou vincular-se a não exercer o poder sancionatório durante um determinado período de tempo, pois tal seria uma violação ao aos princípios constitucionais da inalienabilidade e irrenunciabilidade dos poderes públicos.
As razões supra referidas, aliadas ao facto de a celebração de contratos de adaptação ambiental gerarem uma tensão com direitos, interesses e valores constitucionalmente protegidos, como por exemplo, a intervenção administrativa dirigida a executar normas, a prossecução e salvaguarda de valores ambientais, a tutela da confiança dos destinatárias da atuação administrativa e o direito fundamental ao ambiente quer na sua vertente objetivista quer subjetivista (defendida pelo Professor VASCO PEREIRA SA SILVA).
De facto, os terceiros não são partes no contrato, mas dos contratos de adaptação ambiental surgem relações jurídicas multilaterais e estes podem vir a ser um verdadeiro atentado” aos direitos subjetivos públicos de terceiros –“ vizinhos ambientais”, pois estavam convictos da aplicação da legislação ambiental vigente.
Pelo exposto, a contratualização do poder público, designadamente através dos contratos de adaptação ambiental é perigosa e exige que a sua celebração seja apenas para casos muito residuais.
Nesse sentido, entendo que deveriam apenas ser aplicados quando a lei habilitante apenas indica valores ambientais a salvaguardar, cabendo à Administração escolher os meios de atuação que lhe pareçam eficazes.


Sara Silva, nº 20714


[1] Cumpre advertir para o facto de o início da celebração destes contratos terem ocorrido com a publicação do DL 74/90 de 7 de Março.
[2] Nas palavras do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA “ é indiscutível que a utilização de formas de atuação contratual se tornou o modo normal de realização do interesse público”

[3] SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2002,pp 209-220
[4]GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2012, pp. 101-112
5- KIRKBY, Mark Bobela-Mota, Os contratos de adaptação ambiental, Lisboa, AAFDL, 2001

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