Natureza
Jurídica da Licença Ambiental
Quando
nos referimos à Licença Ambiental (LA) estamos a referir-nos a um “instrumento
preventivo”[i]
que tem como principal função o controlo de certas actividades levadas a cabo
por particulares e que podem vir a ser uma fonte de poluição. A LA tem o seu
enquadramento legal no DL nº 127/2013, de 30 de Agosto que tem como objecto “o
regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados
da poluição” (art.1º). Acentuando o âmbito preventivo do referido instrumento,
temos desde logo o art.3º al.ii) que define a LA como a “decisão que visa
garantir a prevenção”, mas também várias outras referências ao longo do DL nº
127/2013, tal como na sua parte introdutória.
A
primeira questão a discutir, e que se enquadra especificamente no tema deste
post, é saber qual a natureza do acto que culmina o procedimento de
conformidade ambiental e se esse mesmo acto é um verdadeiro acto
administrativo.
A doutrina, independentemente da
concepção de acto administrativo que os vários autores têm, aqui converge:
estamos perante um acto administrativo!
Rogério Soares e
Figueiredo Dias[ii]
afirmam que a LA é um verdadeiro acto administrativo, na medida em que contém
todos os elementos que caracterizam um acto administrativo (decisão como
estatuição autoritária, relativa a uma situação individual e concreta,
produzida por um sujeito de direito administrativo).
Vasco Pereira da Silva
afirma, igualmente, que a LA é um acto administrativo, lançando mão à sua
concepção ampla de acto administrativo, enquanto decisão de realização do
interesse público de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
O próprio legislador no
já referido art. 3º ii) do DL nº 127/2013, define a LA como uma “decisão que
visa garantir a prevenção…”, logo o próprio legislador afasta que a LA se trate
de uma parecer ou de uma mera informação e não de um acto administrativo.
Mas qual a natureza (ou a
classificação) do acto administrativo em causa? Será um acto administrativo
autorizativo constitutivo de direitos? Será um acto permissivo de direitos já
existentes? Será um acto administrativo prévio?
Vamos então analisar o acto aqui em causa e ver com qual deles se identifica a
LA.
Os
actos administrativos podem ser classificados de acordo com vários critérios,
nomeadamente: os destinatários, o conteúdo, o autor, a colaboração dos
interessados, a eficácia e a função[iii].
No
caso dos actos administrativos autorizativos constitutivos de direitos estamos
perante uma classificação atendendo ao conteúdo do acto, ou seja, são
constitutivos quando criam, modificam ou extinguem situações jurídicas[iv].
Já
no caso dos actos administrativos permissivos de direitos (cujo critério é
também o conteúdo), o particular mediante o cumprimento de certos requisitos
legais pode exercer um direito ou actividade já integrante da sua esfera
jurídica, mas sujeita a um controlo prévio pela administração, para o seu
exercício, ou seja, o direito já existe na esfera do particular mas não pode
ser exercido sem controlo prévio. Ou seja, facultam o exercício de uma
actividade que de outro modo não seria consentida ou possibilitam a omissão de
uma conduta que de outro modo seria imposta.
Por
fim no caso do acto administrativo prévio sendo assim classificado o acto
atendendo à sua função[v]. Estamos
perante pré-decisões ou actos administrativos intermédios praticados a
propósito de decisões administrativas complexas. Aqui podemos encontrar os
actos administrativos prévios e os actos administrativos parciais: no primeiro
caso, o acto contém uma decisão final sobre questões isoladas que dependem de
uma autorização global, estando a sua eficácia jurídica limitada a essa parte
específica da decisão uma vez que no momento da prática do acto administrativo
em causa ainda não é possível obter uma autorização global; no segundo caso, o
acto administrativo contém uma decisão final sobre uma parte do procedimento
que guia à autorização principal, logo já tem em si um carácter permissivo. Isto
é, os actos parciais resolvem imediatamente a pretensão formulada pelo
particular.
Por
outro lado, o particular tem o direito de desenvolver actividades económicas
(61º nº1 CRP), no entanto é duvidoso se aí se inserem os valores e interesses
ambientais que aí se manifestam e cujo exercício está sujeito a autorização,
interesses que cabe à LA tutelar. Ou seja, o particular tem condicionamentos à
prossecução de actividades privadas, o que é o caso da actividade industrial,
sendo necessário conciliar interesses públicos e privados.
Para
Raquel Carvalho estamos perante actos administrativos permissivos. O
procedimento autorizativo-licenciador principal, onde se integra a LA, é um
acto administrativo que contribui para o exercício de um direito que já existe
na esfera jurídica do particular, mas que não pode ser exercido sem que antes a
Administração avalie e proteja os interesses ambientais.
Para
o Prof. Vasco Pereira da Silva, atendendo ao seu conteúdo, estamos perante um
acto criador de direitos[vi],
mas também de deveres e encargos para o seu titular, integrando-se numa relação
jurídica duradoura entre a Administração e os particulares.
Independentemente
das diferenças doutrinárias classificatórias que anteriormente foram referidas,
existe consenso quanto à classificação segundo a sua função: estamos perante um
acto administrativo prévio[vii]!
A
LA é um acto administrativo prévio. As decisões prévias são actos
administrativos que contêm uma decisão final sobre questões isoladas das quais
depende a atribuição da autorização global. A LA é um acto administrativo
prévio porque a administração no momento em que a emite ainda não está em
condições de decidir sobre a autorização global (licenciamento da instalação).
Ou seja, a LA não tem por si só um efeito permissivo, na medida em que o
operador só pode exercer o direito após o licenciamento da actividade e não
após a emissão da LA (11º nº2 DL nº 127/2013).
Quanto
à classificação atendendo ao critério do conteúdo do acto também nos parece que
estamos perante um acto administrativo autorizativo constitutivo de direitos.
De facto, o acto administrativo (que inclui a autorização global) vem possibilitar
ao particular exercer um direito que não existia na sua esfera jurídica, sendo
que a Administração só irá conceder a licença quando conclua que aquela
actividade não atenta contra os valores ambientais, protegendo desta forma o
ambiente.
Para
finalizar, cabe ainda dizer que a LA, atendendo ao seu conteúdo, possui a
natureza de um acto administrativo temporário[viii]
na medida em que a mesma é concedida por um período, concretamente, determinado
que quando ultrapassado tem como consequência a caducidade da LA (veja-se o
art. 22º DL nº 127/2013).
Bibliografia:
- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente;
- Carla Amado Gomes, O Procedimento de Licenciamento Ambiental Revisitado;
- Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2º edição;
- José Eduardo Figueiredo Dias, A Licença Ambiental no Novo regime da PCIP, in Revista do Centro de Estudos do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente;
- Raquel Carvalho, Licença Ambiental como Procedimento Autorizativo.
[i] Carla Amado Gomes, O Procedimento
de Licenciamento Ambiental Revisitado, cit. pág.1.
[ii] José Eduardo Figueiredo Dias, A
Licença Ambiental no Novo regime da PCIP, in Revista do Centro de Estudos do
Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, pág.68.
[iii] Marcelo Rebelo de Sousa e André
Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2º edição, pág.95 e
segs.
[iv] Marcelo Rebelo de Sousa e André
Salgado de Matos, ob.cit. pág.97.
[v] Marcelo Rebelo de Sousa e André
Salgado de Matos, ob.cit. pág.103.
[vi] Vasco Pereira da Silva, Verde
Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente, pág.207.
[vii] Assim, Figueiredo Dias, Vasco
Pereira da Silva e Raquel Carvalho.
[viii] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor
de Direito-Lições de Direito do Ambiente, pág.203.
David Carapinha 21010
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