domingo, 25 de maio de 2014

Natureza Jurídica da Licença Ambiental


Quando nos referimos à Licença Ambiental (LA) estamos a referir-nos a um “instrumento preventivo”[i] que tem como principal função o controlo de certas actividades levadas a cabo por particulares e que podem vir a ser uma fonte de poluição. A LA tem o seu enquadramento legal no DL nº 127/2013, de 30 de Agosto que tem como objecto “o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição” (art.1º). Acentuando o âmbito preventivo do referido instrumento, temos desde logo o art.3º al.ii) que define a LA como a “decisão que visa garantir a prevenção”, mas também várias outras referências ao longo do DL nº 127/2013, tal como na sua parte introdutória.

A primeira questão a discutir, e que se enquadra especificamente no tema deste post, é saber qual a natureza do acto que culmina o procedimento de conformidade ambiental e se esse mesmo acto é um verdadeiro acto administrativo.
A doutrina, independentemente da concepção de acto administrativo que os vários autores têm, aqui converge: estamos perante um acto administrativo!
Rogério Soares e Figueiredo Dias[ii] afirmam que a LA é um verdadeiro acto administrativo, na medida em que contém todos os elementos que caracterizam um acto administrativo (decisão como estatuição autoritária, relativa a uma situação individual e concreta, produzida por um sujeito de direito administrativo).
Vasco Pereira da Silva afirma, igualmente, que a LA é um acto administrativo, lançando mão à sua concepção ampla de acto administrativo, enquanto decisão de realização do interesse público de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
O próprio legislador no já referido art. 3º ii) do DL nº 127/2013, define a LA como uma “decisão que visa garantir a prevenção…”, logo o próprio legislador afasta que a LA se trate de uma parecer ou de uma mera informação e não de um acto administrativo.

Mas qual a natureza (ou a classificação) do acto administrativo em causa? Será um acto administrativo autorizativo constitutivo de direitos? Será um acto permissivo de direitos já existentes? Será um acto administrativo prévio? Vamos então analisar o acto aqui em causa e ver com qual deles se identifica a LA.

Os actos administrativos podem ser classificados de acordo com vários critérios, nomeadamente: os destinatários, o conteúdo, o autor, a colaboração dos interessados, a eficácia e a função[iii].
No caso dos actos administrativos autorizativos constitutivos de direitos estamos perante uma classificação atendendo ao conteúdo do acto, ou seja, são constitutivos quando criam, modificam ou extinguem situações jurídicas[iv].

Já no caso dos actos administrativos permissivos de direitos (cujo critério é também o conteúdo), o particular mediante o cumprimento de certos requisitos legais pode exercer um direito ou actividade já integrante da sua esfera jurídica, mas sujeita a um controlo prévio pela administração, para o seu exercício, ou seja, o direito já existe na esfera do particular mas não pode ser exercido sem controlo prévio. Ou seja, facultam o exercício de uma actividade que de outro modo não seria consentida ou possibilitam a omissão de uma conduta que de outro modo seria imposta.

Por fim no caso do acto administrativo prévio sendo assim classificado o acto atendendo à sua função[v]. Estamos perante pré-decisões ou actos administrativos intermédios praticados a propósito de decisões administrativas complexas. Aqui podemos encontrar os actos administrativos prévios e os actos administrativos parciais: no primeiro caso, o acto contém uma decisão final sobre questões isoladas que dependem de uma autorização global, estando a sua eficácia jurídica limitada a essa parte específica da decisão uma vez que no momento da prática do acto administrativo em causa ainda não é possível obter uma autorização global; no segundo caso, o acto administrativo contém uma decisão final sobre uma parte do procedimento que guia à autorização principal, logo já tem em si um carácter permissivo. Isto é, os actos parciais resolvem imediatamente a pretensão formulada pelo particular.

Por outro lado, o particular tem o direito de desenvolver actividades económicas (61º nº1 CRP), no entanto é duvidoso se aí se inserem os valores e interesses ambientais que aí se manifestam e cujo exercício está sujeito a autorização, interesses que cabe à LA tutelar. Ou seja, o particular tem condicionamentos à prossecução de actividades privadas, o que é o caso da actividade industrial, sendo necessário conciliar interesses públicos e privados.

Para Raquel Carvalho estamos perante actos administrativos permissivos. O procedimento autorizativo-licenciador principal, onde se integra a LA, é um acto administrativo que contribui para o exercício de um direito que já existe na esfera jurídica do particular, mas que não pode ser exercido sem que antes a Administração avalie e proteja os interesses ambientais.

Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, atendendo ao seu conteúdo, estamos perante um acto criador de direitos[vi], mas também de deveres e encargos para o seu titular, integrando-se numa relação jurídica duradoura entre a Administração e os particulares.
Independentemente das diferenças doutrinárias classificatórias que anteriormente foram referidas, existe consenso quanto à classificação segundo a sua função: estamos perante um acto administrativo prévio[vii]!

A LA é um acto administrativo prévio. As decisões prévias são actos administrativos que contêm uma decisão final sobre questões isoladas das quais depende a atribuição da autorização global. A LA é um acto administrativo prévio porque a administração no momento em que a emite ainda não está em condições de decidir sobre a autorização global (licenciamento da instalação). Ou seja, a LA não tem por si só um efeito permissivo, na medida em que o operador só pode exercer o direito após o licenciamento da actividade e não após a emissão da LA (11º nº2 DL nº 127/2013).

Quanto à classificação atendendo ao critério do conteúdo do acto também nos parece que estamos perante um acto administrativo autorizativo constitutivo de direitos. De facto, o acto administrativo (que inclui a autorização global) vem possibilitar ao particular exercer um direito que não existia na sua esfera jurídica, sendo que a Administração só irá conceder a licença quando conclua que aquela actividade não atenta contra os valores ambientais, protegendo desta forma o ambiente.

Para finalizar, cabe ainda dizer que a LA, atendendo ao seu conteúdo, possui a natureza de um acto administrativo temporário[viii] na medida em que a mesma é concedida por um período, concretamente, determinado que quando ultrapassado tem como consequência a caducidade da LA (veja-se o art. 22º DL nº 127/2013).




 Bibliografia:

- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente;

- Carla Amado Gomes, O Procedimento de Licenciamento Ambiental Revisitado;

Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2º edição;

José Eduardo Figueiredo Dias, A Licença Ambiental no Novo regime da PCIP, in Revista do Centro de Estudos do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente;

- Raquel Carvalho, Licença Ambiental como Procedimento Autorizativo.




[i] Carla Amado Gomes, O Procedimento de Licenciamento Ambiental Revisitado, cit. pág.1.
[ii] José Eduardo Figueiredo Dias, A Licença Ambiental no Novo regime da PCIP, in Revista do Centro de Estudos do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, pág.68.
[iii] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2º edição, pág.95 e segs.
[iv] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, ob.cit. pág.97.
[v] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, ob.cit. pág.103.
[vi] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente, pág.207.
[vii] Assim, Figueiredo Dias, Vasco Pereira da Silva e Raquel Carvalho.
[viii] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente, pág.203.






David Carapinha 21010

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