domingo, 1 de junho de 2014

O Direito Fundamental ao Ambiente
O seu conteúdo, evolução jurisprudencial e necessidade no ordenamento Jurídico Português

Bibliografia
Jorge Miranda, Direito do Ambiente . Pag 353° a constituição e o direito do ambiente
Jorge Miranda, Rui Mendeiros. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I- Coimbra Editora
Gomes Canotilho e Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" 3ª edição, pág. 348
A jurisprudência portuguesa no domínio do direito do ambiente – Augusto Ferreira do.o Amaral pg 449
Textos dispersos sobre direito do Ambiente : O Direito do Ambiente- Carla Amado Gomes pag. 20 e ss

Introdução

Com este trabalho pretende-se por um lado analisar o conteúdo do Direito Fundamental ao Ambiente numa perspetiva histórica, seguindo-se de uma perspetiva jurisprudencial para, com base disso se indagar da necessidade da consagração constitucional deste Direito.
O Surgimento...
É no pós anos 70, no resquício da Segunda Grande Guerra que se tornaram patentes os efeitos negativos conjugados da industrialização, urbanização e motorizaçao no planeta e diversas sociedades. Antes disso, estava já consagrado em 1822 o artigo 223° cujo conteúdo se traduzia no essencial a uma incumbência dada às câmaras municipais a tarefa de promover a plantação de árvores nos baldios e nas terras dos concelhos. 
Contudo e até à primeira metade da década de 70, as referências constitucionais eram escassas.
É em 1976 que se consagra explicitamente o direito fundamental ao ambiente associado por sua vez a um conjunto de incumbências estaduais inserido no âmbito da constituição material portuguesa. Surge como um direito subjetivo fundamental, constitucionalmente reconhecido.
O ambiente surge assim como um bem merecedor de tutela jurídica, um bem jurídico que é tutelado em si e por si mesmo.


O conteúdo..

O Direito ao ambiente é composto tanto por faculdades, como como deveres quanto ao Estado e entidades públicas e quanto aos particulares tal como salienta o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2000 enunciando "O direito ao ambiente é um direito subjectivo fundamental, constitucionalmente reconhecido e pertencente a qualquer pessoa. É um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo." (disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/834c69580dac60ed80256b7a0053783e?OpenDocument).
Não há em rigor um direito a que não se verifiquem poluição ou erosão, a usufruir de reservas e parques naturais e de Recreio, paisagens e sítios ou zonas históricas muito menos um direito a uma correta localização de atividades.
A sua localização sistemática na Constituiçao da Republica Portuguesa suscita à sua indagação como Direito Social ou Direito de Liberdade, sendo que e não obstante não concordando com possíveis diferenças de regime a aplicar conforme a conclusão, concordo com JORGE MIRANDA; qualificando-o como um direito de natureza análoga a um Direito de Liberdade.
É o artigo 9º da Constituição da República Portuguesa impõe como tarefas fundamentais do Estado:a promoção, a efectivação dos direitos ambientais e a defesa da natureza e do ambiente (alíneas d) e e)) que por sua vez se traduz no prórpio artigo 66º da Lei Fundamental.

Direito esse que é simultaneamente um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo.
A Constituição não se encarrega contudo de definir o conceito de ambiente, optando por sua vez por traçar os princípios fundamentais de uma política do ambiente (artigo 9º, alínea e), 66º, nº2 , artgo 81º alínea a) e l) e ainda artigos 90º e 93º alínea d))
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA densificam por sua vez os principios fundamentais de tal politica como sendo: a) princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la à "posterior"; b) o princípio da participação colectiva, ou seja, a necessidade de os diferentes grupos sociais interessados intervirem na formulação e execução da política do ambiente; c) o princípio da cooperação que aponta para a procura de soluções concertadas com outros países e organizações internacionais; d) o princípio do equilíbrio que se traduz na criação de meios adequados a assegurar a integração das políticas de crescimento económico e social e de protecção da natureza (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" 3ª edição, pág. 348)

O dever de defender o ambiente trata-se de dever fundamental do qual decorrem consequências de incumprimento. Assim não decorre diretamente da previsão de um direito mas da consagração autónoma deste.
O seu escopo é manifestamente o de conservar o ambiente isto é, atendendo à posição em subjetiva vivida pelo particular em dado momento,  há um dever de abstenção, de non facere, de respeito . o que significa, da parte do particular, o surgimento de uma pretensão em cada pessoa em “não ver afetado hoje, o ambiente em que vive e em, para tanto, obter os indispensáveis meios de garantia”.
Parece ser este o seu núcleo essencial.
Pode-se incluir, por sua vez, agora fora do núcleo essencial, uma panóplia de pretensões nomeadamente, o direito à informação sobre o ambiente, de diferentes quadrantes (66°, n°1, 37°,n°1; 48°, n°2, 268°, n° 1 e 2 da CRP); direito a constituir associações de defesa do ambiente (46°, n°2); direito de participação na formação das decisões asministrativas relativas ao ambiente (artigo 66°, n°1 conjugado com o artigo 267°, n°4), direito de impignar contenciosamente decisões administrativas que possam provocar a degradação do ambiente 268°, n°4; direito de promover a prevenção, cessação ou perseguição judicial de stops tendentes à degradação do ambiente (artigo 52°, n°3, alínea a), 1ª parte.); direito de requerer ora aolesado ou lesados pela degradação do ambiente a correspondente indemnização (artigo 52°, n°3, alínea a), 2ª parte; direito de resistência a qualquer ordem ou a qualquer agressão de particular que ofenda o direito ao ambiente.(artigo 21°))
Por sua vez, e sendo um direito de conteúdo amplo tem também uma vertente positiva da facere, uma vertente promocional e prestacional da parte do Estado que conduzam a criação de um ambiente de visa humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66°, n°1) ao qual se associam o preceituado no artigo 59°/1/c) e 2 al c), 3ª parte bem como o artigo 65°, n°1 e 72°, n° 1
Inegavel é a sua subordinação  e dependência à Ciencia e aderência à realidade biofísica.
Por outro lado e, ao invés de normas de Direito civil, trata-se de um direito que não é neutro, criado para efetivar medidas, interessado, engagé.
Está na base de um intrumento de política ambiental de caráter teleológico e que vê no seu âmbito serem introduzidos vários ramos do ordenamento juridico, por isso se diz que "corta o universo jurídico horizontalmente."
Como conseguimos verificar só pela leitura atenta do artigo presente na Lei Fundamental, este direito comporta diversos institutos, dos quais convém salientar: a defesa antipoluição, a proteção da natureza, o licenciamento de atividades, o ordenamento do território e estudos de impacte ambiental.
Há outra vertente de extremo relevo que é inseparavel deste Direito que se traduz no Princípio da Solidariedade Intergeracional que na opinião de CARLA AMADO GOMES revela um antropologismo alargado.
SIgnifca isto que o ambiente não se protege por si, mas também não se trata de um mero instrumento do bem estar do Homem.
Deverá ser preservado porque é condição de existência dos seres humanos, os quas, por sua vez, são dele partes integrantes. investe-se o Homem da responsabilidade, por este direito, de promover e não perturbar de forma grave e irreversívelmente lesida o equilíbrio ecológico.
Também SENDIM salienta esta tutela antropocêntrica alargada que se traduz basicamente na possibilidade e necessidade de proteger a capacidade e funcionalidade ecológica independentemente da sua utilidade direta para o Homem. Fundamenta-se por isso na consideração do interessse público na integridade e estabilidade ecológica da Natureza o que pode, por sua vez, justificar que determinados interesses humanos, no aproveitamento imediato dos bens naturais, sejam sacrificados.
Se é verdade que na atualidade muitas decisões jurisprudenciais se baseiam neste direito constitucionalmente consagrado, não significa isto que esta noção fosse absolutamente alheia à jurisprudência portuguesa mesmo antes da consagração constitucional o que se prolongou nos primeiros anos de vida do respetivo direito.
Na verdade reconhecemos no Direito do ambente um verdadeiro subjetivo (quando referente aos interesses humanos) que se revela não só na presença em Constituição da República como também e preceitos do Código Civil referentes à saúde, violações da integrdade física, direito ao descanso e até direito de propriedade. 

Evolução jurisprudencial...

À data de 1966 eram estas as jusificações utilizadas para fundamentação de jurisprudência em matérias deste género. A jurisprudência era feita preferencialmente à luz do acervo de normas mais convencionais, tradição que se prolongou nos primeiros anos de vigência.
O Acórdão do STJ de 28/4/77 revela isso precisamente, quando o Metropolitano de Lisboa, numa açao contra ele por parte de uma pessoa singular por ofensa dodireito ao descanso e à saúde se revela procedente, tendo sido obrigado a indemnizar a particular por violaçao de direitos de personalidade presentes no artigo 70ºCC.
Por sua vez a tendência repetiu-se a 4/07/78 e 13/03/86 onde o fundamento da decisão foi uma vez mais baseado em direitos de personalidade e absolutamente relacionado com o Direito à Saúde.
Também o Tribunal da Relação de Coimbra a 25/10/83 condena ao pagamento de indemnização um estabelecimento causador de maus odores e atração de insectos com base numa violação de Direitos de Personalidade e saúde da população circundante e ainda na aplicaçao não do Direito do ambiente mas de uma disposição do Código Civil.  nomeadamente o artigo 1346º que visa proteger proprietários de um imóvel contra as emissões de fumo, fuligem (vapores, calores ou ruídos, bem como à trepidação e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédios vizinhos sempre que tais factos importem prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem de utiliziação normal do prédio. 
A 12/04/80 por sua vez, o mesmo tribunal utilizando os mesmos referidos anteriormente alude ao "movimento ecologista à escala Mundial" o que se revelou positivo embora juridicamente pouco correto, na inclusão destas preocupações nas decisões jurisprudenciais que se avizinhavam.
É por sua vez já nos finais dos anos 80, princípios dos anos 90 que as decisões parecem ter em conta o verdadeiro Direito do ambiente, como direito autónomo, individualizável face aos Direitos com que concorre nomeadamente nos acórdaos do STA de 20/06/89 e 12/03/92 onde o interesse público à não poluição se demonstrou com maior peso face aos interesses laborais e até económicos. isto é, confrontado com por um lado a poluição do rio, provocado por lançamento de resíduos tóxicos e por outro o desemprego iminente de 38 chefes de família que resultaria do encerramento da fábrica bem como a dependência ecoómica da localidade da produçao decorrente do funcionamento da fábrica em questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça por este interesse ambiental, o que revelou desde logo uma das possíveis vantagens da inclusão em preceito constitucional de um Direito deste género.
Ora isto não significou desde logo uma separação estanque entre este direito e o de Propriedade, prova disso foi a decisão do Supremo Tribunal de Justiça em 27/01/93 não obstante em momentos anteriores nos anos 90 terem sido proferidas sentenças verdadeiramente "ambientais" abstraídas portanto da propriedade enquanto bem tutelado pelo ordenamento atendendo unicamente a áreas protegidas e a zonas ecologicamente frágeis a 31/05/90 e ainda uma sentença proferida pelo Juíz de Coruche de 23/03/90 onde o proprietário foi punido por abate de árvores na sua propriedade que abergavam,por sua vez,  espécies protegidas.
Mais recentemente aprofundou-se esta evolução jurisprudencial no Acórdão do STJ de 27/01/2000.


Conclusões
Revela-se portanto que este Direito teve princípio conturbado na jurisprudência tendo demorado até à sua admissão em absoluto pelos Juízes dos diversos Tribunais na medida em que a sua fraca experiência histórica condicionou muitas decisões jurisprudenciais à sua confusão com direitos subjetivos de personalidade e não há consideração do ambiente como um bem em si mesmo considerado. 
Não significa isto que, em parte, as decisões não tenham sido corretas e não demonstrem que à época, a consciência já existia, não obstante os problemas term sido resolvidos com recurso a componentes como o "dano", como o "prejuízo", como a afetação da qualidade de vida dos particulares e não como a afetação do próprio meio como preocupação não só para a qualidade de vida das gerações vindouras como da própria preservação ambiental. 
Atualmente esta crítica parece não poder ser feita pela extensão do artigo 66º que se revela por vezes perniciosa.
Vejamos, como pude demonstrar pela analise jurisprudencial, as decisões dos diversos tribunais pareceram acertadas, não obstante não recorrerem expressamente ao Direito Fundamental ao Ambiente. Assim, cumpre indagar não só pela necessidade como pelo próprio conteúdo do Direito. Não seria afinal este tutelado por outros institutos como o direito de propriedade, o direito à vida entre outros direitos subjetivs de personalidade? Não bastariam Outros?
Na minha opinião faz todo o sentido a sua consagração, não só como Direito Fundamental como até mais relevantemente como Dever Fundamental de Proteger o ambiente. Não significa isto adotar uma perspetica ecocêntrica ou antropocêntrica ou até antropocêntrica alargada, mas adotar uma perspetiva garantistica da nossa geração, das gerações vindouras e dos próprios seres vivos que nos rodeiam e que vivem uma vida própria e independente sem quaisquer influência direta face ao ser humano.
Ao argumento garantístico alia-se um argumento de insuficiência dos restantes direitos fundamentais.
Na verdade, se não houvesse Direito ao Ambiente per se, não se poderia obstar a um comportamento de um proprietário que atentasse contra a sua fauna, a sua flora entre outros desde que o fizesse na sua propriedade. Assim poderiam os latifundiários incendiar campos isolados na sua totalidade, atolhar lixeiras entre outros desde que com isso não afetassem as populações circundantes.
Por outro lado a nível de legitimidade para intentar ações também estaria limitada para quem sofresse o dano, sendo a consagração deste Direito um benefício para o alargamento subjetivo da legitimidade ativa para a interposição de ações contra afetações de bens públicos e simultaneamente privados e ainda qualificados como interesses difusos. Não se limitando a Constituição a reconhecer o direito ao ambiente, mas impondo a todos o dever de defesa desse mesmo ambiente, confere a todos os cidadãos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente (artigo 52º nº 3, alínea a)) (GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA).

A própria inclusão neste direito fundamental de um dever fundamental a proteger o ambiente atribui às pessoas a possibilidade de exigirem do Estado comportamentos ativos e omissivos face a um bem que é de impossíel proteção meramente individual e que carece claramente de recursos materiais e económicos públicos.
Por outro lado, a consagração deste direito atribui às gerações futuras uma garantia que de outra forma seria impossível de reivindicar e por sua vez uma lógica preventiva  em vez de meramente punitiva ou ate ressarcitória que decorria da consagração dos outros direitos.
Como argumento à fortiori podemos ainda acrescentar que, da introdução do preceito em Constituição, resulta a força e vinculação que lhe são característicos e isto significa uma interpretação e execução conforme à Constituição e portanto a consagração deste direito como de nível superior face a outros direitos inscritos em lei substantiva o que se revela útil nomeadamente ao nível da resolução de conflitos de direitos conforme revela o artigo 335ª do Código Civil (CC), circunstância esta que se revelou nos Acórdãos proferidos pelo 3º Juízo Cível do Porto de 12/10/86 e ainda do Juiz de Cantanhede de 30/10 do mesmo ano.
Concordamos com a opinião de CARLA AMADO GOMES quando salienta que este direito, não se encontra, mesmo na letra do artigo 66º," autonomizado tanto de direitos subjetivos tais como a vida, a integridade física como de objetivos constitucionais como o ordenamento do território e proteção do património cultural natural e constituído bem como da promoção da saúde pública, entre outros (Textos dispersos de Direito do Ambiente - Direito do Ambiente, pag 17-20), mas a meu entender, isto não representa necessariamente uma desvantagem para a tutela dos bens jurídicos em questão.
A meu ver, portanto, a inclusão do Direito Fundamental ao Ambiente apresenta-se benéfica e garantística e significará um incremento de tutela para os particulares e para o bem ambiente e é precisamente isso que deve a Constituição promover enquanto guardiã escrita dos direitos de pendor social e global relevante.

Rita Ginestal, nº 20663, Ano 4, subturma 1

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