Do Sistema Certificação Energética dos
Edifícios, da ADENE e dos Peritos
Sistema de Certificação
Energética dos Edifícios
O Sistema de Certificação Energética dos Edifícios surge da necessidade
de adopção de medidas destinadas à redução da dependência energética dos
edifícios e as emissões de gases com efeito de estufa. Assim, o Sistema
Certificação Energética dos Edifícios (doravante, SCE) é um instrumento de
política energética que visa a eficiência energética e a utilização de energia
renovável nos edifícios. Este sistema foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º
78/2006, de 5 de Abril, encontrando-se hoje regulado no Decreto-Lei n.º
118/2013 (RSCE), de 20 de Agosto, que transpôs a Directiva n.º 2010/31/EU do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 2010.
O SCE integra os edifícios de habitação, através do Regulamento de
Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação (REH), que vem previsto no capítulo III do RSCE, e os edifícios de
comércio e serviços, constantes do Regulamento de Desempenho Energético dos
Edifícios de Comércio e Serviços (RECS),
arrolado no capítulo IV do RSCE.
São abrangidos pelo SCE edifícios ou
fracções novos ou sujeitos a grande intervenção (art. 3.º n.º 1 do RSCE), assim
como, edifícios ou fracções existentes aquando da sua venda, dação em
cumprimento ou locação (art. 3.º n.º 4). Não se encontram abrangidos,
nomeadamente, instalações industriais, agrícolas ou pecuárias, edifícios
unifamiliares com área útil igual ou inferior a 50 m2 ou edifícios
em ruínas, por força do artigo 4.º.
A fiscalização do SCE é da competência
da Direcção-Geral de Energia e Geologia (art. 10.º), enquanto a gestão é
atribuída à Agência para a Energia (ADENE), nos termos do artigo 11.º. A qualidade
do ar interior é supervisionada pela Agência Portuguesa do Ambiente (art. 12.º).
Como principais documentos temos o pré-certificado
e o certificado. O primeiro
corresponde a um certificado SCE emitido em fase de projecto antes do início da
construção ou grande intervenção (art. 2.º alínea qq)). O certificado SCE é um
documento emitido por um perito qualificado para um determinado edifício ou fracção,
caracterizando-o em termos de desempenho energético (art. 2º alínea h)). O
pré-certificado converte-se em certificado SCE mediante a apresentação de termo
de responsabilidade do autor do projecto e do director técnico atestando que a
obra foi realizada de acordo com o projecto pré-certificado (art. 15.º n.º 2).
Em regra, os pré-certificados e os certificados SCE têm um prazo de validade de
10 anos (art. 15.º n.º 3).
Cabe fazer referência à certificação com base noutro edifício ou fracção
(art. 7.º) e à afixação do certificado (art. 8.º). Com base no Decreto-Lei n.º
118/2013 passou a ser possível a certificação de uma fracção com base na
certificação de todo o edifício. Como se pode constatar do vocábulo pode trata-se de uma faculdade. Sendo
necessária a emissão de um certificado energético para uma fracção, esta pode
ser realizada com recurso a informação constante do processo de certificação do
edifício como um todo[1].
Quanto à afixação do certificado. Nos casos previstos nas várias alíneas
do artigo 8.º n.º 1, os proprietários têm a obrigação de afixar na entrada do
edifício ou da fracção o certificado SCE (art. 14.º n.º 1 alínea g)), sob pena
de incorreram em responsabilidade contraordenacional, nos termos do artigo 20.º
n.º 1 alínea a). Esta obrigação apenas se aplica aos edifícios de comércio e
serviços, já que são espaços privados de acesso público.
A existência do pré-certificado e do certificado SCE deve ser verificada,
nos termos do artigo 5.º n.º 2, aquando do controlo prévio da realização de
operações urbanísticas, pela entidade competente; da celebração de contratos de
compra e venda ou locação; e da fiscalização das actividades económicas, pelas
autoridades administrativas competentes.
A não obtenção de pré-certificado e
de certificado SCE, assim como a utilização de um pré-certificado ou certificado
SCE inválido, sujeita o proprietário do edifício ou fracção a uma
contraordenação, nos termos do artigo 20.º.
Uma última consideração para os
edifícios com necessidades quase nulas de energia (art. 16.º): o Direito do
Ambiente, quer através do princípio da prevenção, quer do princípio da
precaução, tem como finalidade diminuir na máxima medida possível o impacto
negativo das acções humanas sobre o ambiente. No tocante à eficiência
energética pretende-se, a partir das datas previstas no artigo 16.º n.º 3, generalizar
a existência de edifícios com necessidades quase nulas de energia, ou seja, que
os edifícios de então estejam dependentes de energia proveniente de fontes
renováveis.
ADENE
A ADENE é uma pessoa colectiva de tipo associativo de utilidade pública (art.
2.º do Decreto-Lei n.º 223/2000). Dentre as suas competências legalmente
atribuídas encontra-se, nomeadamente, a competência para colaborar com os
organismos da Administração Pública na execução de actividades essenciais à
concretização de políticas e medidas para o sector da energia e para a promoção
de projectos na área da utilização racional de energia e das energias
renováveis (art. 10.º do Decreto-Lei n.º 223/2000).
Um dos problemas actuais da ADENE prende-se com os seus associados. Inicialmente
eram associados somente entidades públicas (art. 12.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º
223/2000), mas na actualidade, devido à liberdade de associação prevista no
artigo 13.º, são associadas da ADENE diversas entidades privadas.
Miguel Raimundo[2]
entende que pode estar em causa a constitucionalidade
da delegação de competências na ADENE, invocando a possibilidade de
existirem conflitos de interesses que possam colocar a entidade numa situação
de exercer em benefício próprio os seus poderes. Que pensar desta posição?
Como refere o mesmo Autor, a Constituição
não impede a delegação de poderes públicos de autoridade a associações pelo
simples facto de terem associados privados[3].
Quanto ao conflito de interesses, não podemos olvidar que a ADENE está vinculada
aos princípios gerais de Direito Administrativo. Em primeiro lugar, a ADENE não
pode limitar/privilegiar o acesso dos peritos qualificados, já que o direito a
integrar as listas de peritos oficiais se trata de um verdadeiro direito
subjectivo público[4]. Por outro lado, as
empresas associadas à ADENE dificilmente conseguirão favorecimento na
emissão/renovação de certificados SCE. O estatuto de independência face à ADENE
para tal contribui, assim como a circunstância de a ADENE apenas actuar em momento
posterior ao processo de certificação efectuado pelo perito. Desta forma,
consideramos que não existirá conflito de interesses.
Como referimos, à ADENE é atribuída
a gestão do SCE (art. 11.º), que compreende a gestão da qualidade da actividade
dos técnicos do SCE (art. 11.º n.º 2 alínea a)).
Como técnicos do SCE temos os peritos qualificados (PQ) e os técnicos de
instalação e manutenção (TIM), nos termos do artigo 13.º n.º 2. As categorias distinguem-se
através do título profissional que detêm e pelas competências atribuídas: o PQ
é um técnico com título profissional de perito qualificado para a certificação
energética, nos termos da Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto (art. 2.º alínea
mm)); por sua vez, o TIM é um técnico detentor de título profissional de
técnico de instalação e manutenção de edifícios e sistemas, nos termos da Lei
n.º 58/2013, de 20 de agosto (art. 2.º alínea aaa). As competências do PQ
compreendem, nomeadamente, a avaliação energética dos edifícios a certificar, a
emissão dos pré-certificados e certificados e a colaboração nos processos de
verificação de qualidade do SCE (art. 13.º n.º 3). Os TIM tem a seu cargo actividades
de planeamento, verificação e gestão da utilização de energia (art. 13.º n.º 4).
Compete à ADENE a verificação da qualidade e identificação das situações
de desconformidade dos processos de certificação efectuados pelo PQ e pelo TIM,
com base em critérios estabelecidos em portaria do membro do Governo
responsável pela área da energia (art. 19.º n.º 1 e 6). Actualmente, os
critérios vêm previstos no anexo V da Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de
Novembro.
A
principal fonte de financiamento da ADENE provém da cobrança de taxas pela
certificação (art. 18.º).
Peritos
O estatuto dos peritos reveste a
máxima importância no Sistema de Certificação Energética dos Edifícios.
Coerentemente, a Directiva n.º 2010/31/EU do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 19 de maio de 2010, fazia menção ao estatuto dos peritos.
Artigo 17.º
Peritos independentes
Os Estados-Membros asseguram que a certificação do desempenho energético
dos edifícios e a inspecção dos sistemas de aquecimento e de ar condicionado
sejam efectuadas de forma independente por peritos qualificados e/ou
acreditados, actuando por conta própria ou ao serviço de organismos públicos ou
de empresas privadas.
Os peritos são acreditados tendo em conta a sua qualificação.
Os Estados-Membros facultam ao público informações sobre formação e
acreditações. Asseguram igualmente que sejam facultadas ao público listas
periodicamente actualizadas de peritos qualificados e/ou acreditados, ou listas
periodicamente actualizadas de empresas acreditadas que ofereçam os serviços
desses peritos.
Compete à ADENE criar e manter no
seu sítio na internet uma bolsa de técnicos do SCE[5] e
emitir a respectiva carteira de qualificação no SCE (ponto 1.1 do anexo I da
Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro).
O Decreto-Lei n.º 118/2013, ao
proceder à revogação dos Decretos-Leis n.º 78/2006, n.º 79/2006 e n.º 80/2006,
de 4 de Abril (art. 55.º) apenas contém uma referência lacunar às competências
dos peritos. Como referimos, as normas relevantes no que respeita aos peritos são
o artigo 13.º n.º 3 e 19.º do Decreto-Lei n.º 118/2013 e a Portaria n.º
349-A/2013, de 29 de Novembro.
Cumpre averiguar a eventual responsabilização
dos peritos após o procedimento de certificação.
Verificando-se o incumprimento das
regras e demais requisitos de qualidade definidos pelo SCE, cabe à ADENE promover
a substituição dos registos efectuados pelos peritos (ponto 4.3 do anexo I da
Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro).
No tocante à responsabilidade contraordenacional. O Decreto-Lei n.º 78/2006, de
4 de Abril estatuía como contraordenações as práticas dos proprietários de
imóveis e dos peritos (art. 14.º n.º 1 alínea e) e f)), podendo a condenação
dar origem a suspensão do exercício da actividade do perito, com a duração
máxima de dois anos (art. 15.º n.º 1 alínea c) e n.º 3). Actualmente, apesar de
o Decreto-Lei n.º 118/2013, no seu artigo 20.º, não prever a responsabilidade
contraordenacional dos peritos, continua a existir essa responsabilização.
Consequentemente, constitui contraordenação o incumprimento pelos peritos de
deveres profissionais, a prática de actos sem o respectivo título profissional
e a aplicação incorrecta das metodologias técnicas e regulamentares previstas
no REH e no RECS (artigo 7.º n.º 1 a 3 da Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto).
A Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto,
prevê a punição da negligência e da tentativa, nos termos do artigo 7.º n.º 4 e
5. Também se mantém a possibilidade de aplicação de sanções acessórias de
interdição do exercício da actividade com a duração máxima de dois anos (art. 7.º
n.º 6, 7 e 8 da Lei n.º 58/2013).
Quanto à responsabilidade disciplinar. RUTE SARAIVA[6] e MIGUEL
RAIMUNDO[7] defenderam
que existiria responsabilidade disciplinar dos peritos. Em nossa opinião, o
regime actual não permite tal dedução. Do Decreto-Lei n.º 118/2013 e da Portaria
n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro, não conseguimos extrair a permissão para a
ADENE responsabilizar disciplinarmente os peritos, apenas se prevendo a possibilidade
de suspensão do exercício da actividade de perito com a duração máxima de dois anos,
que cabe ao director-geral de Energia e Geologia (art. 8.º n.º 1 da Lei n.º
58/2013). O afastamento da responsabilidade disciplinar dos peritos deriva do
seu estatuto de independência. Assim, a aplicação de sanções disciplinares cabe
à associação pública profissional em que o perito esteja inscrito.
No que toca à responsabilidade objectiva do Estado. Como refere MIGUEL RAIMUNDO[8], os
danos provenientes do processo de certificação circunscrevem-se à relação
perito-proprietário, pelo que apenas poderá ocorrer a responsabilização do
perito ou, em certas circunstâncias, da ADENE.
Para além da responsabilidade
disciplinar e contra-ordenacional do perito, cabe analisar a responsabilidade
directa deste para com o proprietário do imóvel. MIGUEL RAIMUNDO[9] defende
uma responsabilidade contratual do
perito, já que existe uma relação contratual entre o perito e o proprietário do
imóvel. O Autor afirma que o perito poderá ser responsabilizado pelos gastos
excessivos e não previstos de energia, assim como, pelos gastos com medidas de
redução do consumo aconselhadas pelo perito e que sejam desproporcionadas ou tecnicamente
desadequadas[10]. Da nossa parte, vemos
como possível a responsabilização pelos gastos com medidas de redução do
consumo aconselhadas pelo perito, já que consubstanciará um aconselhamento prejudicial
(art. 485.º n.º 2 do Código Civil). Contrariamente, consideramos que a
responsabilização pelos gastos excessivos e não previstos de energia será de
difícil aplicação prática. Em primeiro lugar, o SCE visa a redução de emissões
de gases com efeito de estufa, e não a diminuição de gastos energéticos para o proprietário
do imóvel. Por outro lado, haverá que contar com a necessidade de provar o nexo
de causalidade entre a omissão de informação no processo de certificação e os
gastos energéticos, o que dificilmente seria possível.
ADENE,
Decreto-Lei
n.º118/2013 Anotado, versão 0, 2013.
DIAS, José Eduardo Figueiredo,
A certificação e
a eficiência energéticas dos edifícios, in Temas de Direito da Energia,
Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, pp. 139-162.
RAIMUNDO, Miguel Assis,
Eficiência
Energética, sector imobiliário e ambiente – algumas notas, in Actas do Colóquio
Ambiente & Energia, e-book, Lisboa, ICJP, 2011, pp. 179-205.
SARAIVA, Rute,
Qualificações
profissionais no âmbito do rendimento energético dos edifícios e da qualidade
do ar interior, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
47, (1-2), 2006, pp. 111-154.
[1] Assim, Adene, Decreto-Lei
n.º118/2013, que dá como exemplo a informação relativa às componentes do
edifício ou sistemas técnicos, exigindo para tal que o perito ateste a adequabilidade
das mesmas à fracção.
[2] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 191.
[3] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 191.
[4] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 197.
[5] http://www.adene.pt/sce/micro/peritos-qualificados.
[6] Saraiva, Rute, ob. cit., pág. 127.
[7] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 193.
[8] Raimundo, Miguel, ob. cit., nota 47, pág. 195.
[9] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 194.
[10] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 194.
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