domingo, 1 de junho de 2014

Do Sistema Certificação Energética dos Edifícios, da ADENE e dos Peritos


Do Sistema Certificação Energética dos Edifícios, da ADENE e dos Peritos





Sistema de Certificação Energética dos Edifícios

O Sistema de Certificação Energética dos Edifícios surge da necessidade de adopção de medidas destinadas à redução da dependência energética dos edifícios e as emissões de gases com efeito de estufa. Assim, o Sistema Certificação Energética dos Edifícios (doravante, SCE) é um instrumento de política energética que visa a eficiência energética e a utilização de energia renovável nos edifícios. Este sistema foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/2006, de 5 de Abril, encontrando-se hoje regulado no Decreto-Lei n.º 118/2013 (RSCE), de 20 de Agosto, que transpôs a Directiva n.º 2010/31/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 2010.
O SCE integra os edifícios de habitação, através do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação (REH), que vem previsto no capítulo III do RSCE, e os edifícios de comércio e serviços, constantes do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços (RECS), arrolado no capítulo IV do RSCE.
            São abrangidos pelo SCE edifícios ou fracções novos ou sujeitos a grande intervenção (art. 3.º n.º 1 do RSCE), assim como, edifícios ou fracções existentes aquando da sua venda, dação em cumprimento ou locação (art. 3.º n.º 4). Não se encontram abrangidos, nomeadamente, instalações industriais, agrícolas ou pecuárias, edifícios unifamiliares com área útil igual ou inferior a 50 m2 ou edifícios em ruínas, por força do artigo 4.º.
            A fiscalização do SCE é da competência da Direcção-Geral de Energia e Geologia (art. 10.º), enquanto a gestão é atribuída à Agência para a Energia (ADENE), nos termos do artigo 11.º. A qualidade do ar interior é supervisionada pela Agência Portuguesa do Ambiente (art. 12.º).
Como principais documentos temos o pré-certificado e o certificado. O primeiro corresponde a um certificado SCE emitido em fase de projecto antes do início da construção ou grande intervenção (art. 2.º alínea qq)). O certificado SCE é um documento emitido por um perito qualificado para um determinado edifício ou fracção, caracterizando-o em termos de desempenho energético (art. 2º alínea h)). O pré-certificado converte-se em certificado SCE mediante a apresentação de termo de responsabilidade do autor do projecto e do director técnico atestando que a obra foi realizada de acordo com o projecto pré-certificado (art. 15.º n.º 2). Em regra, os pré-certificados e os certificados SCE têm um prazo de validade de 10 anos (art. 15.º n.º 3).
Cabe fazer referência à certificação com base noutro edifício ou fracção (art. 7.º) e à afixação do certificado (art. 8.º). Com base no Decreto-Lei n.º 118/2013 passou a ser possível a certificação de uma fracção com base na certificação de todo o edifício. Como se pode constatar do vocábulo pode trata-se de uma faculdade. Sendo necessária a emissão de um certificado energético para uma fracção, esta pode ser realizada com recurso a informação constante do processo de certificação do edifício como um todo[1].
Quanto à afixação do certificado. Nos casos previstos nas várias alíneas do artigo 8.º n.º 1, os proprietários têm a obrigação de afixar na entrada do edifício ou da fracção o certificado SCE (art. 14.º n.º 1 alínea g)), sob pena de incorreram em responsabilidade contraordenacional, nos termos do artigo 20.º n.º 1 alínea a). Esta obrigação apenas se aplica aos edifícios de comércio e serviços, já que são espaços privados de acesso público.
A existência do pré-certificado e do certificado SCE deve ser verificada, nos termos do artigo 5.º n.º 2, aquando do controlo prévio da realização de operações urbanísticas, pela entidade competente; da celebração de contratos de compra e venda ou locação; e da fiscalização das actividades económicas, pelas autoridades administrativas competentes.
            A não obtenção de pré-certificado e de certificado SCE, assim como a utilização de um pré-certificado ou certificado SCE inválido, sujeita o proprietário do edifício ou fracção a uma contraordenação, nos termos do artigo 20.º.
            Uma última consideração para os edifícios com necessidades quase nulas de energia (art. 16.º): o Direito do Ambiente, quer através do princípio da prevenção, quer do princípio da precaução, tem como finalidade diminuir na máxima medida possível o impacto negativo das acções humanas sobre o ambiente. No tocante à eficiência energética pretende-se, a partir das datas previstas no artigo 16.º n.º 3, generalizar a existência de edifícios com necessidades quase nulas de energia, ou seja, que os edifícios de então estejam dependentes de energia proveniente de fontes renováveis.


ADENE

A ADENE é uma pessoa colectiva de tipo associativo de utilidade pública (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 223/2000). Dentre as suas competências legalmente atribuídas encontra-se, nomeadamente, a competência para colaborar com os organismos da Administração Pública na execução de actividades essenciais à concretização de políticas e medidas para o sector da energia e para a promoção de projectos na área da utilização racional de energia e das energias renováveis (art. 10.º do Decreto-Lei n.º 223/2000).
Um dos problemas actuais da ADENE prende-se com os seus associados. Inicialmente eram associados somente entidades públicas (art. 12.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 223/2000), mas na actualidade, devido à liberdade de associação prevista no artigo 13.º, são associadas da ADENE diversas entidades privadas.
Miguel Raimundo[2] entende que pode estar em causa a constitucionalidade da delegação de competências na ADENE, invocando a possibilidade de existirem conflitos de interesses que possam colocar a entidade numa situação de exercer em benefício próprio os seus poderes. Que pensar desta posição?
            Como refere o mesmo Autor, a Constituição não impede a delegação de poderes públicos de autoridade a associações pelo simples facto de terem associados privados[3]. Quanto ao conflito de interesses, não podemos olvidar que a ADENE está vinculada aos princípios gerais de Direito Administrativo. Em primeiro lugar, a ADENE não pode limitar/privilegiar o acesso dos peritos qualificados, já que o direito a integrar as listas de peritos oficiais se trata de um verdadeiro direito subjectivo público[4]. Por outro lado, as empresas associadas à ADENE dificilmente conseguirão favorecimento na emissão/renovação de certificados SCE. O estatuto de independência face à ADENE para tal contribui, assim como a circunstância de a ADENE apenas actuar em momento posterior ao processo de certificação efectuado pelo perito. Desta forma, consideramos que não existirá conflito de interesses.
            Como referimos, à ADENE é atribuída a gestão do SCE (art. 11.º), que compreende a gestão da qualidade da actividade dos técnicos do SCE (art. 11.º n.º 2 alínea a)).
Como técnicos do SCE temos os peritos qualificados (PQ) e os técnicos de instalação e manutenção (TIM), nos termos do artigo 13.º n.º 2. As categorias distinguem-se através do título profissional que detêm e pelas competências atribuídas: o PQ é um técnico com título profissional de perito qualificado para a certificação energética, nos termos da Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto (art. 2.º alínea mm)); por sua vez, o TIM é um técnico detentor de título profissional de técnico de instalação e manutenção de edifícios e sistemas, nos termos da Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto (art. 2.º alínea aaa). As competências do PQ compreendem, nomeadamente, a avaliação energética dos edifícios a certificar, a emissão dos pré-certificados e certificados e a colaboração nos processos de verificação de qualidade do SCE (art. 13.º n.º 3). Os TIM tem a seu cargo actividades de planeamento, verificação e gestão da utilização de energia (art. 13.º n.º 4).
Compete à ADENE a verificação da qualidade e identificação das situações de desconformidade dos processos de certificação efectuados pelo PQ e pelo TIM, com base em critérios estabelecidos em portaria do membro do Governo responsável pela área da energia (art. 19.º n.º 1 e 6). Actualmente, os critérios vêm previstos no anexo V da Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro.
            A principal fonte de financiamento da ADENE provém da cobrança de taxas pela certificação (art. 18.º).


Peritos

            O estatuto dos peritos reveste a máxima importância no Sistema de Certificação Energética dos Edifícios. Coerentemente, a Directiva n.º 2010/31/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 2010, fazia menção ao estatuto dos peritos.

Artigo 17.º

Peritos independentes

Os Estados-Membros asseguram que a certificação do desempenho energético dos edifícios e a inspecção dos sistemas de aquecimento e de ar condicionado sejam efectuadas de forma independente por peritos qualificados e/ou acreditados, actuando por conta própria ou ao serviço de organismos públicos ou de empresas privadas.
Os peritos são acreditados tendo em conta a sua qualificação.
Os Estados-Membros facultam ao público informações sobre formação e acreditações. Asseguram igualmente que sejam facultadas ao público listas periodicamente actualizadas de peritos qualificados e/ou acreditados, ou listas periodicamente actualizadas de empresas acreditadas que ofereçam os serviços desses peritos.

            Compete à ADENE criar e manter no seu sítio na internet uma bolsa de técnicos do SCE[5] e emitir a respectiva carteira de qualificação no SCE (ponto 1.1 do anexo I da Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro).
            O Decreto-Lei n.º 118/2013, ao proceder à revogação dos Decretos-Leis n.º 78/2006, n.º 79/2006 e n.º 80/2006, de 4 de Abril (art. 55.º) apenas contém uma referência lacunar às competências dos peritos. Como referimos, as normas relevantes no que respeita aos peritos são o artigo 13.º n.º 3 e 19.º do Decreto-Lei n.º 118/2013 e a Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro.
            Cumpre averiguar a eventual responsabilização dos peritos após o procedimento de certificação.
            Verificando-se o incumprimento das regras e demais requisitos de qualidade definidos pelo SCE, cabe à ADENE promover a substituição dos registos efectuados pelos peritos (ponto 4.3 do anexo I da Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro).
            No tocante à responsabilidade contraordenacional. O Decreto-Lei n.º 78/2006, de 4 de Abril estatuía como contraordenações as práticas dos proprietários de imóveis e dos peritos (art. 14.º n.º 1 alínea e) e f)), podendo a condenação dar origem a suspensão do exercício da actividade do perito, com a duração máxima de dois anos (art. 15.º n.º 1 alínea c) e n.º 3). Actualmente, apesar de o Decreto-Lei n.º 118/2013, no seu artigo 20.º, não prever a responsabilidade contraordenacional dos peritos, continua a existir essa responsabilização. Consequentemente, constitui contraordenação o incumprimento pelos peritos de deveres profissionais, a prática de actos sem o respectivo título profissional e a aplicação incorrecta das metodologias técnicas e regulamentares previstas no REH e no RECS (artigo 7.º n.º 1 a 3 da Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto).
            A Lei n.º 58/2013, de 20 de agosto, prevê a punição da negligência e da tentativa, nos termos do artigo 7.º n.º 4 e 5. Também se mantém a possibilidade de aplicação de sanções acessórias de interdição do exercício da actividade com a duração máxima de dois anos (art. 7.º n.º 6, 7 e 8 da Lei n.º 58/2013).
            Quanto à responsabilidade disciplinar. RUTE SARAIVA[6] e MIGUEL RAIMUNDO[7] defenderam que existiria responsabilidade disciplinar dos peritos. Em nossa opinião, o regime actual não permite tal dedução. Do Decreto-Lei n.º 118/2013 e da Portaria n.º 349-A/2013, de 29 de Novembro, não conseguimos extrair a permissão para a ADENE responsabilizar disciplinarmente os peritos, apenas se prevendo a possibilidade de suspensão do exercício da actividade de perito com a duração máxima de dois anos, que cabe ao director-geral de Energia e Geologia (art. 8.º n.º 1 da Lei n.º 58/2013). O afastamento da responsabilidade disciplinar dos peritos deriva do seu estatuto de independência. Assim, a aplicação de sanções disciplinares cabe à associação pública profissional em que o perito esteja inscrito.
            No que toca à responsabilidade objectiva do Estado. Como refere MIGUEL RAIMUNDO[8], os danos provenientes do processo de certificação circunscrevem-se à relação perito-proprietário, pelo que apenas poderá ocorrer a responsabilização do perito ou, em certas circunstâncias, da ADENE.  
            Para além da responsabilidade disciplinar e contra-ordenacional do perito, cabe analisar a responsabilidade directa deste para com o proprietário do imóvel. MIGUEL RAIMUNDO[9] defende uma responsabilidade contratual do perito, já que existe uma relação contratual entre o perito e o proprietário do imóvel. O Autor afirma que o perito poderá ser responsabilizado pelos gastos excessivos e não previstos de energia, assim como, pelos gastos com medidas de redução do consumo aconselhadas pelo perito e que sejam desproporcionadas ou tecnicamente desadequadas[10]. Da nossa parte, vemos como possível a responsabilização pelos gastos com medidas de redução do consumo aconselhadas pelo perito, já que consubstanciará um aconselhamento prejudicial (art. 485.º n.º 2 do Código Civil). Contrariamente, consideramos que a responsabilização pelos gastos excessivos e não previstos de energia será de difícil aplicação prática. Em primeiro lugar, o SCE visa a redução de emissões de gases com efeito de estufa, e não a diminuição de gastos energéticos para o proprietário do imóvel. Por outro lado, haverá que contar com a necessidade de provar o nexo de causalidade entre a omissão de informação no processo de certificação e os gastos energéticos, o que dificilmente seria possível.




ADENE,
            Decreto-Lei n.º118/2013 Anotado, versão 0, 2013.

DIAS, José Eduardo Figueiredo,
A certificação e a eficiência energéticas dos edifícios, in Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, pp. 139-162.

RAIMUNDO, Miguel Assis,
Eficiência Energética, sector imobiliário e ambiente – algumas notas, in Actas do Colóquio Ambiente & Energia, e-book, Lisboa, ICJP, 2011, pp. 179-205. 

SARAIVA, Rute,     
Qualificações profissionais no âmbito do rendimento energético dos edifícios e da qualidade do ar interior, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 47, (1-2), 2006, pp. 111-154.




[1] Assim, Adene, Decreto-Lei n.º118/2013, que dá como exemplo a informação relativa às componentes do edifício ou sistemas técnicos, exigindo para tal que o perito ateste a adequabilidade das mesmas à fracção.
[2] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 191.
[3] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 191.
[4] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 197.
[5] http://www.adene.pt/sce/micro/peritos-qualificados.
[6] Saraiva, Rute, ob. cit., pág. 127.
[7] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 193.
[8] Raimundo, Miguel, ob. cit., nota 47, pág. 195.
[9] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 194.
[10] Raimundo, Miguel, ob. cit., pág. 194.

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