O ambiente, enquanto bem jurídico impessoal e, na vertente de bem
colectivo, deve ser tutelado.
Sendo o direito do ambiente um ramo voltado para a protecção da
integridade das componentes ambientais naturais, é primordial evitar impactos
que se possam converter em danos ecológicos. Conclui-se pela necessidade de
garantir uma certa ordem e organização social, o bem-estar e qualidade de vida
dos cidadãos.
O Direito Sancionatório do Ambiente é um fenómeno muito recente que possibilita
a reacção punitiva da ordem jurídica contra agressões ambientais.
A tutela contra-ordenacional traduz-se numa realidade principalmente
pecuniária, com a sua vantagem de celeridade, assente na necessidade de
prevenção geral e especial. Permite a aplicação de sanções por mero
incumprimento de deveres legais de protecção, prescindindo do dano. Por outras
palavras, uma contra-ordenação não pressupõe um dano, por duas razões:
1) basta a mera violação de deveres de prevenção do
risco para que exista ilícito administrativo;
2)
a
conduta típica situa-se à margem dessa factualidade.
A tutela sancionatória possui vantagens, nomeadamente:
1)
maior celeridade e eficiência na punição do
infractor ambiental;
2)
tanto responsabiliza os indivíduos como as
pessoas colectivas;
3)
salvaguarda a autonomia do Direito Penal, já que
não necessita de estar subalternizado às estatuições das entidades
administrativas.
Todavia, também há desvantagens. Assim, contra a tutela sancionatória
ambiental efectuada por via administrativa, temos os seguintes argumentos:
1)
diminuição das garantias de defesa dos
particulares devido à transferências das questões delituosas para a esfera
administrativa;
2)
tendência para a banalização das actuações
delituais;
3)
tendência para a transformação da sanção
pecuniária num custo da actividade económica poluente que pode tornar proveitoso
um crime ambiental.
Pergunta-se: esta via pode ser uma alternativa à tutela penal do ambiente
quando se visa reprimir comportamentos menos gravosos, mas ofensivos da
legalidade ambiental? Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva as sanções
penais com as sanções de natureza administrativa devem ser combinadas, de forma
equilibrada.
Lei 50/2006 de 29 de Agosto
Origem
O direito contra-ordenacional intensificou a sua actividade, alargando o
seu âmbito de actuação a todas as áreas da actividade económica, incluindo o
ambiente.
A Lei 50/2006, de 29 de Agosto, teve origem na proposta de lei 20/X do
XVII Governo Constitucional. A aprovação desta proposta permitiu adaptar e
conformar os diplomas de matéria ambiental com as novas exigências.
O motivo para a elaboração de um regime das contra-ordenações ambientais
residia na necessidade de unificação das múltiplas previsões pulverizadas pelas
miríades de diplomas. Deste modo, assumia-se a necessidade de unidade da ordem
jurídica devido ao crescimento de uma consciência ambiental colectiva.
O regime
O n.º1 do artigo 1.º indica que esta lei estabelece o regime aplicável às
contra-ordenações ambientais.
Já o artigo 1.º/2 define a contra-ordenação ambiental: “constitui
contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um
tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares
relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual
se comine uma coima.” Existe alguma dificuldade na definição, no segmento
“consagrem direitos”, já que não é fácil configurar situações
contra-ordenacionais por violação de direitos individuais dos particulares, pois
o direito do ambiente caracteriza-se pela defesa de interesses difusos, de
natureza pública, cuja violação constitui o verdadeiro alicerce das
contra-ordenações.
Além disso, desta definição também não consta a culpa como pressuposto de
imputação, mas unicamente o carácter censurável do facto constitutivo.
A toda a conduta contra-ordenacional terá que lhe estar inerente a
respectiva proibição legal.
Em conclusão, este artigo consagra o princípio da legalidade, o da
tipicidade (nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege) e ainda o princípio da culpabilidade
(nullum crimen sine culpa).
De notar que o as contra-ordenações ambientais são reguladas por esta lei
e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações (RGCO), tal como
consta do artigo 2.º. Contudo, a LQCA é bem mais detalhada do que o RGCO e, por
isso, a aplicação dos preceitos do RGCO cingir-se-á à fase judicial do
processo. Os regimes do Código Penal, do Código de Processo Penal, do Código do
Processo Civil e do Código do Procedimento Administrativo também serão
aplicáveis.
O princípio da legalidade encontra consagração no artigo 3.º, uma vez que
só pode ser punido como contra-ordenação ambiental o facto descrito e declarado
passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática. Retrata o
princípio da não retroactividade da lei sancionatória (previsto no artigo 1.º
do Código Penal e 29.º/1 e 3 da Constituição).
O artigo 4.º não prevê a aplicação de lei posterior mais favorável ao
arguido condenado por decisão definitiva e transitada em julgado, mas ainda não
executada. Nuno Salazar Casanova e Cláudio Monteiro entendem que esta solução
não parece ser de aplicar em sede de direito contra-ordenacional. Porém, deverá
seguir-se o regime do RGCO e, por força do artigo 32.º do RGCO, no caso de a
lei nova deixar de punir facto até ali punível, deverá adoptar-se o regime do
Código Penal (artigo 2.º/2).
O momento e lugar da prática do facto encontram-se consagrados no artigo
6.º e 7.º respectivamente.
Quanto à responsabilidade pelas contra-ordenações, cabe averiguar o
artigo 8.º.
A pessoa colectiva é um centro de imputação do ilícito contra-ordenacional,
sendo responsável pelas contra-ordenações realizadas por toda e qualquer pessoa
que com ela tenha conexão material e jurídica e cuja actuação seja manifestação
do ente colectivo.
Carlos Adérito Teixeira, in Revista
do Ministério Público n.º 85, fala da consagração do “agir juridicamente
relevante” da pessoa colectiva: acção e vontade identificam-se com as
manifestadas pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes
ou meros trabalhadores que tenham, como já disse, uma conexão funcional e
actuem no interesse e por conta desse ente. Esse agir converte-se numa unidade de sentido social,
passível de responsabilização desse ente.
O artigo 8.º/3 prevê a responsabilização dos titulares do órgão de
administração das pessoas colectivas e entidades equiparadas, bem como os
responsáveis pela direcção ou fiscalização de áreas de actividade em que seja
praticada alguma contra-ordenação. Se estas entidades conhecerem ou devam
conhecer a prática da infracção, incorrem na sanção prevista para o autor,
especialmente atenuada, se não adoptarem as medidas adequadas para lhe pôr fim.
Cessa o disposto se a pessoa colectiva provar que cumpriu todos os deveres de
que era destinatária (art.º 8.º/4).
Há um dever de conhecimento. Todavia, as autoridades administrativas
aplicadoras de coimas não podem ser tentadas a aplicar, burocrática ou
automaticamente, coimas a todos aqueles titulares com a mera justificação do
dever de conhecimento.
Não se pune a acção directa dos representantes da pessoa colectiva, mas
apenas a omissão de dever que sobre eles recai de impedir a prática de
infracção.
Contudo, o legislador não deixou de consagrar a acção de tais órgãos,
integrando-os no conceito amplo de autores previsto no artigo 15.º.
A acção directa cairá no artigo 8.º/2. O agente só será responsabilizado
pelas contra-ordenações que pratique se não agir em nome e por conta do ente
colectivo e fora do exercício das suas funções.
De acordo com o artigo 9.º, as contra-ordenações são puníveis a título de
dolo ou negligência.
O art.º 9.º/3 indica que o erro sobre elemento do tipo, sobre a proibição
ou sobre o estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a
culpa do agente exclui o dolo.
É necessário dizer ainda que a tentativa é punível nas contra-ordenações
graves e muito graves, segundo o artigo 10.º.
O artigo 11.º trata da responsabilidade subsidiária. Não deve ser feita
uma interpretação literal deste artigo já que a mesma conduziria à
responsabilização de todos os sócios, gerentes ou administradores por actos
praticados por qualquer pessoa singular em representação da pessoa colectiva,
de acordo com o artigo 8.º/1. Logo, a referência a “respectivos” sócios,
gerentes ou administrativos deve ser entendida como prevendo a responsabilidade
solidária, pelo pagamento da coima aplicada à pessoa colectiva, do agente
individual que tenha actuado em seu nome e representação, culposamente.
O erro sobre a ilicitude consta do artigo 12.º, sendo que age sem culpa
quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for
censurável. Caso o erro lhe seja censurável, aplica-se o n.º2 e há uma
atenuação da coima.
O artigo 18.º indica que as autoridades administrativas, no exercício das
suas funções inspectivas, de fiscalização ou vigilância, têm entrada livre nos
estabelecimentos e locais onde se exerçam as actividades a inspeccionar.
O RGCO determina que não é permitida a prisão preventiva, a intromissão
na correspondência ou nos meios de comunicação nem a utilização de provas que
impliquem a violação do segredo profissional (artigo 42.º/1 RGCO). Também não
são permitidas as provas que colidam com a reserva da vida privada, bem como os
exames corporais e prova de sangue, se não forem consentidas de quem de
direito.
Também não é possível proceder a exames de pessoas e lugares de acesso
reservado (artigo 171.º CPP), revistas e buscas (art.º 174.º CPP). As
apreensões estão previstas no artigo 48.º- A do RGCO e 178.º CPP.
A entrada em casa habitada, nos termos do artigo 177.º/1 do CPP, também
não é permitida.
O artigo 18.º/2 da LQCO indica que os responsáveis pelos espaços também
têm de apresentar documentos se lhes forem exigidos. Esta obrigação abrange
correspondência (artigo 42.º do RGCO e 179.º do CPP), documentos abrangidos
pelo segredo profissional (180.º/2 CPP), entre outros.
Além deste direito, podem ainda determinar o embargo de quaisquer
construções em áreas de ocupação proibida ou condicionada em zonas de protecção
estabelecidas por lei ou em contravenção à lei, aos regulamentos ou às
condições de licenciamento ou autorização (artigo 19.º LQCO). Este preceito tem
natureza puramente administrativa e deve ser pautado pelo princípio da
igualdade, proporcionalidade e boa fé.
Nuno Salazar Casanova e Cláudio Monteiro indicam que a inclusão deste
preceito na LQCO deve-se à confusão entre medidas de tutela da legalidade e ilícitos
de mera ordenação social, já que o embargo visa reintegrar a legalidade e
distingue-se, na sua natureza, das sanções contra-ordenacionais.
O título III consagra as coimas (que se classificam em leves, graves e
muito graves) e sanções acessórias.
O artigo 20.º determina a medida de coima com base na gravidade da
contra-ordenação, na culpa do agente e na situação económica do mesmo e nos benefícios obtidos com a prática do
facto. Podem ainda ser tomadas em conta a conduta anterior e posterior do
agente, bem com as exigências de prevenção.
A coacção, falsificação e falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento
que possa ser utilizado pelo agente, bem como actos de ocultação ou
dissimulação podem ser atendíveis.
O artigo 22.º diz respeito ao montante das coimas. Parece estar pensado
para as grandes organizações industriais e empresariais que controlam e
dominam, olvidando-se das pequenas empresas sem capacidade económica para
suportar elevados montantes.
O artigo 24.º estabelece que se a contra-ordenação consistir na omissão
de um dever, o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento
se este ainda for possível.
Outro
preceito inovador da LQCA, nomeadamente o artigo 25.º, prevê como ilícito
contra-ordenacional o incumprimento de ordens ou mandados legítimos da
autoridade administrativa transmitidos por escrito aos seus destinatários.
Já o artigo 28.º tem especial relevância. Consagra o concurso de
infracções, ou seja, se o mesmo facto constituir crime e contra-ordenação,
simultaneamente. Deve o arguido ser responsabilizado por ambas as infracções,
instaurando-se processos distintos.
As sanções acessórias estão previstas nos artigos 29.º e seguintes. O
catálogo destas sanções está previsto no artigo 30.º e os seus pressupostos no
artigo 31.º. A alínea j) do artigo 30.º/1 tem uma estatuição genérica e, por
isso, as autoridades devem escolher e fundamentar as medidas. Já a alínea b),
conjugada com o artigo 32.º, consagra a sanção acessória mais severa que exige
uma redobrada cautela das autoridades. Assim, é necessário fundamentar, em
termos de razoabilidade e proporcionalidade, sob pena do despacho poder ser
impugnado por falta ou insuficiência de fundamentação e da medida ser declarada nula.
A acessoriedade duma qualquer sanção relativamente à penalização
principal pressupõe adequação e complementaridade entre elas.
É possível a suspensão da sanção nos termos do artigo 39.º. O legislador
não impõe à autoridade administrativa quaisquer condições, já que esta tem o
domínio da situação concreta para decidir com total equidade.
A parte II estabelece o regime adjectivo das contra-ordenações
ambientais.
As medidas cautelares estão enunciadas nos artigos 41.º e ss. Devem-se
aplicar com prudência, já que qualquer abuso poderá acarretar responsabilidade
civil.
Nuno Salazar
Casanova e Cláudio Monteiro defendem que “a admissão, à
semelhança do que sucede nas sanções acessórias, de medidas cautelares que
se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da
situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes
da mesma é de legalidade e constitucionalidade duvidosa.”1
Também é possível a apreensão cautelar, segundo o artigo 42.º.
O regime das notificações está previsto no artigo 43.º. Esta são
efectuadas por carta registada, com aviso de recepção.
Quanto ao processamento, caberá seguir os artigos 45.º e seguintes. O
auto de notícia consta do artigo 45.º e deve conter os elementos enunciados no
artigo 46.º/1.
A instrução encontra-se prevista no artigo 48.º.
Fundamental
é o direito de audiência e defesa do arguido que consta do artigo 49.º. Este
preceito vem consagrar a obrigação de a entidade instrutora notificar o arguido
sobre o sentido provável da decisão.
Em
conclusão, o direito contra-ordenacional nasceu em Portugal, inspirado pelo
modelo alemão das ordnungswidrigkeiten, por via do Decreto-Lei n.o
232/79, de 24 de Julho.
A via penal e contra-ordenacional devem
ser vistas como complementares, revelando-se imprescindíveis para assegurar a
prevenção geral e especial. Às infracções mais graves deverá corresponder a tutela
penal (tem sempre como pressuposto um dano ecológico) e às menos graves a
contra-ordenacional.
A lei quadro
assenta em princípios sólidos e apresenta uma tramitação para os processos de
contra-ordenação ambiental adaptada à sua especificidade.
[1] - In comentários à lei-quadro
das contra-ordenações ambientais, Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 16-2007
Bibliografia
- GOMES, Carla Amado, As contra-ordenações
ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: considerações gerais e
observações tópicas, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles,
Coimbra, 2012;
- NOGUEIRA, Lourenço, Comentário à
Lei-quadro das contra-ordenações ambientais, in Revista Portuguesa do
Direito do Consumo, nº 57, Coimbra, 2009;
- SILVA, Vasco Pereira da – Breve nota sobre o
direito sancionatório do ambiente, in Direito Sancionatório das autoridades
reguladoras, coord. Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias, Paulo Sousa
Mendes, Coimbra Editora, 2009.
Outros elementos:
http://www.uria.com/documentos/publicaciones/1740/documento/art04.pdf?id=2137
Mónica Pita, n.º 20616
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