Um espectro paira sobre o Regime Jurídico da Rede
Natura 2000 (RJRN2000) – O espectro da avaliação de incidências ambientais (AIncA).
Previsto no art.º 10, do Decreto-Lei n.º140/99 a AIncA do ponto de vista teórico
apresenta-se como um importante instrumento de protecção preventiva do
ambiente. Definida pelo diploma no seu artigo 3.º nº1 al. p) como “a avaliação
prévia das incidências ambientais das acções, planos ou projectos, que incumbe
à entidade competente para a decisão final ou à entidade competente para emitir
parecer ao abrigo do presente diploma.”
O âmbito de aplicação do regime surge prima facie previsto no nº1 do art.º 10.º
do RJRN2000, nele se estabelece a sujeição a AIncA de acções, planos ou
projectos que, não se relacionando directa ou indirectamente com a gestão da área
protegida, sejam susceptíveis de a afectar de forma significativa, quando considerados
quer individualmente quer conjugados com outras acções, planos ou projectos.
O recurso ao conceito indeterminado forma significativa, para qualificar a
afectação, embora seja censurável, por introduzir “uma elevada dose de
incerteza e subjectividade na determinação das actividades” [1]sujeitas
a AIncA, não deverá ser a principal objecção à forma como quer as directivas
quer o diploma nacional delimitam o âmbito de aplicação do regime. Em nosso entender,
a grande debilidade está no facto de a norma exigir um juízo de prognose ao
intérprete, independentemente da adjectivação ou não da afectação, que tem por
objecto a mesma realidade que a AIncA visa determinar, não conseguimos compreender,
de que forma a sujeição ou não a um regime jurídico pode ser determinada por um
juízo de existência ou não de factos que este mesmo regime jurídico visa delimitar
e controlar.
Esta constatação lógico-formal que em nosso entender
acaba por suplantar os leque de críticas fundado na utilização de conceitos
indeterminados, só não procederá caso se entenda que a AIncA apenas visa uma
análise de afectações já previamente determinadas não tendo por fito
identificação de possíveis impactes ambientais, no entanto tal interpretação não
nos parece a mais correcta atendendo ao conteúdo da al. c) do nº 6 do art.º
10.º do RJRN2000.
A delimitação realizada nos parágrafos anteriores foi,
como supra referido, realizada prima facie, porque realizada apenas
numa perspectiva estática, cumpre agora proceder a um recorte mais pormenorizado
tendo por base uma perspectiva dinâmica, isto é, considerando a AIncA nas
relações que estabelece com as suas congéneres, Avaliação de Impacte Ambiental
(AIA) e Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)[2].
Relativamente à relação entre a AIncA e a AAE, o
primeiro aspecto a referir, prende-se com o facto de o âmbito de aplicação do
primeiro instrumento determinar a extensão do âmbito de aplicação do segundo,
nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 3.º do DL n.º 232/2007, o que origina uma
sobreposição, resolvida pelo mesmo art.º 3.º nos n.ºs 8 e 9, que determinam a absorção
do procedimento de AIncA pelo de AAE, pelo que, como bem afirma Tiago Antunes, a
AIncA “deixo de existir a se quanto a planos, mantendo-se apenas
para acções e projectos”[3].
Também relativamente às situações de sobreposição ente
AIA e AIncA o legislador optou pela internalização do segundo regime no
primeiro, o que resulta de forma clara do disposto no n.º 2 do art.º 10.º, o
que determina que mesmo em relação a acções e projectos a existência de uma AIncA
autónoma é uma realidade residual.
Para além das duas internalizações referidas nos
parágrafos anteriores, o art.º 10.º no seu nº 5, ainda opera uma terceira, ao
remeter a AIncA para os pareceres, quando a eles haja lugar, das CCDRS ou ICNF,
nºs 2, 3 e 5 do art.º 9.º do RJRN2000.
Como ficou demonstrado o regime da AIncA foi construído
recorrendo a um conjunto de remissões que acabam por abranger uma parte
significativa das situações ao qual este se aplica. Assemelhando-se em termos
estruturais a uma empresaria sem existência física e que cujo processo
produtivo é todo ele realizado por recurso a mecanismos de outsourcing.
No entanto é possível, ainda assim, encontrar um
conjunto de situações às quais se aplica de forma directa o regime em análise e
em relação às quais não operam as referidas remissões, para estes casos importa
pois identificar qual o regime procidemental.
Em matéria de tramitação processual, o art.º 10.º do
RJRN2000, apenas vem prever, no seu nº 5, a análise será sempre que necessário
precedida de consulta pública. Quanto à competência para a elaboração da AIncA,
prevê o nº 3 do art.º 10.º do RJRN2000 que cabe às entidades competentes para a
decisão das acções, planos e projectos em causa. Não se encontra estabelecido
nenhum prazo para a decisão, ao contrário do que é previsto para os diversos
casos abrangidos pela remissão, pelo que coerentemente é também natural que do
silêncio da administração não se possa deduzir o deferimento tácito. Por
último, resulta de forma inequívoca, embora excepcionável, do art.º 10.º nº 9 do
RJRN2000, que a análise, tem força vinculativa, uma vez que dela depende a
autorização ou o licenciamento, das actividades abrangidas.
Por último resta-nos referir de forma breve os
regimes dos n.ºs 10 e 11 do art.º 10.º, os quais têm sido entendidos, por um
lado como uma incoerência dos regimes de avaliação ambiental considerados como
um todo, por outro, como um mecanismo de flexibilização da rigidez do regime da
AIncA[4],
sendo que ambas as realidades se cruzam se atendermos que a flexibilidade
resulta de um incoerência e vice-versa.~
Desconsiderando
as diversas leituras que têm sido feitas dos preceitos em análise, referiremos
apenas que, embora considerando que as interpretações restritivas, isto é,
considerando apenas as situações de DIAs condicionais, não se adequam em
primeiro lugar à letra do enunciado normativo e em segundo ao espirito das
directivas transposta, em nosso entender, as normas dos n.ºs 10 e 11 do art.º
10.º do RJRN2000, foram de forma tácita parcialmente revogadas, nos casos em
que a AIncA opera por remissão para o regime da AIA, pela entrada em vigor das
normas que estabelecem o sui generis
regime (discricionário?) de atribuição de competência para a emissão da DIA,
art.º 16.º nº 7, do DL n.º 151-B/2013, entendido no sentido, de que apenas o
Ministro do Ambiente é competente para a emissão de AIA desfavorável, uma vez
que caso se admita a vigência das referidas normas a incoerência deixaria de
ser apenas do sistemas jurídico, e passaria a ser também de natureza orgânica,
devendo em nosso entender o Ministro ao decidir com fundamento no art.º 16.º nº
7 do RAIA, ter em consideração nesta fase os factos ponderativos resultantes do
art.º 10.º n.ºs 10 e 11. do RJRN2000
Em suma, atendendo ao carácter residual e secundário
da avaliação de incidências ambientais, haverá que concluir pela escassa relevância
autónoma da figura, podendo a sua consagração legal se entendida, utilizando a
o conceito do filósofo Português José Gil, como um acto de “não inscrição” ou empregando
o novel neologismos de significado idêntico, um “inconseguimento” normativo.
José Miguel de Freitas Toste,
nº20876
Bibliografia:
Tiago
Antunes, Singularidades de um Regime Ecológico - O
regime jurídico da Rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências da
análise de incidências ambientais, in No Ano Internacional da Biodiversidade -
Contributos para o estudo do Direito da protecção da biodiversidade, coord. de Carla Amado
Gomes, 2010, E-book, ICJP.
Carla
Amado Gomes, Introdução ao Direito do
Ambiente, Lisboa, AAFDL, 2014
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