domingo, 1 de junho de 2014

A certificação energética de edifícios: abordagem à luz da Directiva 2010/31/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 2010


           O direito europeu desde cedo assumiu preocupações ao nível ambiental, ainda que o marco da política ambiental europeia apenas tenha sido o Acto Único Europeu, em 1987[1]. Assim, por ter precedido os direitos nacionais no que toca à regulação normativa das matérias ambientais, poder-se-á dizer que o direito europeu está mais avançado do que os direitos dos Estados-membros, nomeadamente do que o direito português. Isto é comprovado ainda na actualidade no que concerne à certificação energética de edifícios, que será objecto de um estudo mais atento nesta sede.

A matéria de certificação energética de edifícios é regulada, actualmente, pela Directiva 2010/31/UE, que veio substituir e actualizar a anterior directiva, a Directiva 2002/91/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002. A directiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de Agosto, que não irá ser analisado neste trabalho.

A Directiva 2010/31/UE assume diversos objectivos, assumidamente de carácter global. Mais do que cumprir o Protocolo de Quioto de 1992 visa, através do aumento da eficiência energética, a redução da emissão de gases de efeito de estufa (considerando 3) e manter a subida da temperatura global abaixo dos 2 º C. Do prisma das necessidades da UE, a directiva permitirá uma redução em 20% da dependência energética da União até 2020, a promoção da segurança do aprovisionamento energético, a promoção de avanços tecnológicos, a criação de oportunidades de emprego, ao mesmo tempo que se promove o desenvolvimento regional. Em síntese, está em causa a protecção ambiental enquanto valor global carecido de protecção (em especial, ao nível supraestatal) e a construção sustentável da UE. Assim se procurará combater ao aumento gradual do consumo de energia na União, já que este tende a aumentar a par do crescimento económico e da expansão do sector imobiliário.

A Directiva implementa um sistema de certificação energética, para o qual a União contribuirá através de diversos instrumentos financeiros (considerando 18) – a título exemplificativo, uma PPE relativa à iniciativa «Edifícios europeus eficientes em termos energéticos», que visa a promoção de tecnologias verdes e o desenvolvimento de sistemas e materiais eficientes em termos energéticos, entre outros. Sistemas técnicos de edifícios – artigo 8.º.

Analisemos detalhadamente cada um dos aspectos do sistema de certificação energética:

Âmbito subjectivo: são destinatários os sujeitos privados que sejam proprietários ou locatários de edifícios ou fracções autónomas. Um dos objectivos do regime do certificado energético é incutir a promoção da eficiência energética pelos particulares (considerando 22), o que permitirá uma prossecução mais perfeita, porque descentralizada, do objectivo do aumento da eficiência energética da União – logo, a uma regulação vertical da matéria soma-se uma cooperação horizontal por particulares. De forma a permitir esta participação privada, o certificado energético deve conter a informação (artigo 20.º) relativa aos métodos e práticas que contribuem para a melhoria do desempenho energético e indicar formas de melhorar esse desempenho.

Também se verifica uma cooperação horizontal com autoridades locais e regionais, que devem envolver-se em questões de planeamento e aplicação da directiva (considerando 28).

O sector público do Estado tem o encargo especial de obtenção de certificado energético. A Directiva refere esse encargo ao indicar que o Estado deve dar o exemplo nos edifícios ocupados por entes públicos (considerandos 21 e 23). Ademais, os planos nacionais deverão estabelecer objectivos mais ambiciosos para os edifícios ocupados por autoridades públicas.

Âmbito objectivo: estão obrigatoriamente sujeitos à certificação os edifícios novos e os edifícios existentes sujeitos a grandes obras de renovação.

Certificação energética: a matéria da certificação energética exige que sejam tidos em consideração factores não estritamente energéticos, tais como as condições climáticas externas, as condições locais, as exigências em matéria de clima interior e de rentabilidade económica, o que demonstra que se trata de uma matéria complexa. Ainda que a eficiência energética corresponda a um objectivo «primário» da UE no que respeita às medidas ambientais, a certificação energética não oblitera quaisquer outros interesses relevantes que possam estar presentes, como sejam a acessibilidade, segurança e utilização prevista do edifício (considerando 8).

A certificação energética realiza-se na emissão de um certificado energético (regulado nos artigos 11.º, 12.º e 13.º), que vai indicar o nível de desempenho energético de um edifício. Este corresponderá, de acordo com o art. 2.º/4 da Directiva, à «energia calculada ou medida necessária para satisfazer a procura de energia associadas à utilização típica do edifício, que inclui, nomeadamente, a energia utilizada para o aquecimento, o arrefecimento, a ventilação, a preparação de água quente e a iluminação».

Os requisitos mínimos do desempenho energético (artigo 4.º) são estabelecidos de acordo com métodos harmonizados (métodos de ensaio e de cálculo, previstos no Anexo I do diploma, que prevê o quadro geral comum para a metodologia de cálculo) e atendendo a categorias de eficiência energética. Orientam-se pela procura de um equilíbrio óptimo ao nível da rentabilidade económica entre os investimentos iniciais efectuados e os custos de energia poupados ao longo do ciclo de vida do edifício. A posteriori, a Comissão Europeia vai elaborar um quadro comparativo para calcular os níveis óptimos de rentabilidade dos requisitos mínimos de desempenho energético. A exigência de requisitos mínimos para o desempenho energético não pode, contudo, constituir um entrave injustificável ao mercado, o que denota que a tutela ambiental e energética no plano europeu vive a par das preocupações relativas ao funcionamento do mercado interno.

O certificado energético tem a validade máxima de 10 anos (art. 11.º/8), o que significa que após esse lapso temporal o nível de desempenho energético do edifício nele atestado terá que ser sujeito a uma nova avaliação.

Fiscalização e controlo: o funcionamento do sistema depende da realização de inspecção (artigos 15.º e 16.º) e certificação regulares por técnicos especializados independentes (artigos 17.º e 18.º). A inspecção e certificação em causa devem observar uma abordagem comum, de forma a permitir o nivelamento das condições, no que respeita aos esforços desenvolvidos nos Estados-membros em matéria de económica de energia no sector dos edifícios (considerandos 26 e 27).

O desrespeito pelas prescrições resultantes do sistema de certificação energética dá lugar à aplicação de sanções, que serão estabelecidas pelos Estados-membros, respeitando as orientações da UE - as sanções deverão ser efectivas, proporcionais e dotadas de um efeito dissuasor.

Inovações da Directiva 2010/31/UE: surgimento da noção de edifício com necessidades quase nulas de energia (art. 2.º/2, anexo I), que se reporta aos edifícios com um desempenho energético muito elevado, isto é, com necessidades de energia muito reduzidas e satisfeitas através de energia proveniente de fontes renováveis, incluindo a que seja produzida no local ou nas proximidades do mesmo (novamente, ressalta o objectivo de desenvolvimento regional).

De acordo com o artigo 9.º, estes edifícios deverão existir nos Estados-membros até ao final do ano de 2020, no que se refere aos edifícios novos, ou até ao final de 2018, no caso dos edifícios a cargo de entidades públicas. Este aumento do número de edifícios com necessidades quase nulas de energia deve ser proporcionado por planos nacionais (artigo 9.º/1), que podem incluir objectivos diferenciados consoante a categoria de edifícios em causa.

Planos nacionais:

  1. Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética (PNAEE 2016), aplicável a diversos sectores, entre os quais o sector imobiliário, que contempla uma poupança de energia prevista de 8,2% até 2016. Este plano foi sujeito a revisão para o período 2013-2016 (Estratégia para a Eficiência Energética) através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2013, de 10 de Abril.
  2. Plano Nacional de Acção para as Energias Renováveis (PNAER 2020), que prevê a realização de metas assumidas pela U.E de redução de 20% dos consumos de energia primária até 2020, o objectivo geral de redução no consumo de energia primária de 25% e o objectivo para a Administração Pública de redução de 30% e a introdução de fontes de energias renováveis (FER) em três grandes sectores - aquecimento e arrefecimento, eletricidade, transportes. A revisão do PNAER para o período 2013-2020 foi contemplada na Estratégia para as Energias Renováveis, que também foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2013, de 10 de Abril.
  3. Programa de Eficiência Energética para a Administração Pública (ECO.AP), lançado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º2/2011, cujo objectivo é alcançar um nível de eficiência energética na ordem dos 30% até 2020 nos organismos e serviços da Administração Pública, sem que tal importe um aumento da despesa pública. Concomitantemente, deverá ser possível estimular a economia no sector das empresas de serviços energéticos, mediante um enquadramento legal das mesmas e a contratação pública de gestão de serviços energéticos. De forma a divulgar o desempenho energético da Administração Pública foi instituído o Barómetro de Eficiência Energética, que também serve o propósito de através de promover a competição entre as entidades públicas, através da divulgação pública do ranking de desempenho energético dos serviços e organismos da administração direta e indireta do estado, através de uma bateria de indicadores de eficiência energética.

 

Considerações finais: consideramos que a Directiva 2010/31/UE representou um passo em frente no que toca ao aumento da eficiência energética da União, nomeadamente face à circunstância de ter introduzido a noção de edifícios com necessidades quase nulas de energia. Este diploma representou um aumento da carga normativa sobre a matéria, o que se compreende, à luz do contexto actual de afirmação político-económica da UE [2]. A adopção de instrumentos jurídicos que permitam a efectivação dos objectivos supranacionais passou pelo Decreto Lei n.º 118/2013 e pelos Planos nacionais supra referidos. O sistema actual ainda está a ser testado pela ADENE (Agência para a Energia), que exerce a competência de gestão do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE) implementado pelo decreto-lei referido. A aplicação do modelo pensado nas instâncias europeias no contexto português permitirá testar adequação das medidas impostas pela Directiva aos objectivos ambientais por ela prosseguidos.

                                                                                                                          
                                                                                                                          Luísa Pereira, n.º 20880
 
Bibliografia:

DIAS, José Eduardo Figueiredo, A certificação e a eficiência energéticas dos edifícios, in Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, pp. 139-162.

RAIMUNDO, Miguel Assis, Eficiência Energética, sector imobiliário e ambiente – algumas notas, in Actas do Colóquio Ambiente & Energia, e-book, Lisboa, ICJP, 2011, pp. 179-205.



[1] Para mais desenvolvimentos sobre a evolução das preocupações ambientais no plano europeu e no plano internacional, vide o nosso outro artigo neste blog, «A Lei de Bases do Ambiente (LBA) no ordenamento jurídico-ambiental actual: surgimento a par do direito internacional e do direito europeu do ambiente; revisão e futuro da LBA».
[2] Raimundo, Miguel Assis, ob. cit., p. 183.

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