Avaliação de Impacto Ambiental, objectivo:
Prevenir
A
Constituição da República Portuguesa consagra o direito do ambiente em duas
vertentes: obrigação/dever do Estado em protegê-lo (Art. 9ºd), e)), e como
direito fundamental (Art. 66º/2 a)).
Falando sobre
o tema em questão, a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) pode definir-se, como
a forma preventiva de política ambiental, contemplando os efeitos biológicos e
socio-económicos, para que a decisão final[1]
do ponto de vista sustentável, seja a mais concreta e eficaz possível.
Esta decisão é elaborada através de
estudos - que tem por objecto a recolha de informações, relativas a efeitos
ambientais, identificação de áreas de conservação de natureza, etc.- permitem o
conhecimento da viabilidade do projecto, ou a concretização de alternativas.
Sempre com o propósito de protecção e conservação ambiental.
São definidos como objectivos
principais[2]:
·
Avaliação
de riscos, vantagens e consequências do projecto apresentado, que fundamentam a
decisão final (viabilidade ambiental);
·
Garantir
o cumprimento das suas avaliações a
posteriori, ou pelo menos tentar, pela constante monotorização dos
projectos avaliados;
·
Garantir a participação pública, quanto a
audição de interessados, e a sua protecção;
·
Definir
e implementar novas medidas de protecção ambiental.
Podemos
concluir que a concretização da avaliação de impacto ambiental permite fornecer
aos decisores das políticas ambientais, informações sobre as implicações
ambientais, e se possível, identificar acções que possam diminuir os danos
inevitáveis, e promover os aspectos positivos[3].
O
procedimento de avaliação de impacto ambiental é consagrado, enquanto princípio
imprescindível à tutela do ambiente, nos artigos 27º/1 g), 30º e 31º da Lei de
Bases do Ambiente, bem como do DL 151-B/2013.
Refira-se desde já que é um projecto
delimitado em várias fases[4],
nas quais intervêm os interessados e os responsáveis pela tomada de decisão,
numa demostração da vontade de preservação do meio ambiente.
Actualmente a decisão de avaliação de
impacto ambiental pressupõe um acto de licenciamento, ou autorização dos
projectos que a si foram submetidos. Porém não é sinónimo de que apenas isso
aconteça, pois a AIA pode ser de conteúdo condicionante ou favorável[5].
Inteirados
sobre o que se deva entender como AIA, quais os seus objectivos, importa
relacioná-la com os princípios acima referidos.
A doutrina
não é unânime, ou pelo menos não existe apenas uma definição oficial da
definição do princípio da Prevenção. Para o professor Gomes Canotilho pauta-se
pela tentativa de evitar a ocorrência de danos, e com isso o gasto
desnecessário de verbas com a sua reparação, de qualquer das formas aceita e
assume que o princípio da prevenção é a âncora do direito do ambiente[6];
nas palavras da professora Carla Amado Gomes o interesse é na mesma a protecção
do ambiente, mas por se reconhecer que, a futura actuação humana pode vir a
lesar bens ambientais. Uma posição intermédia, que conjuga os factores das
anteriores é adoptada pelo Professor Vasco Pereira da Silva[7].
A ideia nuclear subjacente é a
protecção do ambiente, o afastamento do dano ambiental, possivelmente originado
por uma actuação futura, pela poupança de verbas no sentido de prevenir e não
apenas remediar (situação que se traduz no principio da precaução). Revela-se
pela antecipação da agressão ambiental, na consciência da escassez dos recursos
ambientais. A protecção está subjacente a este princípio, e referida no Art.
66º/2a) CRP, e no Art. 3º Lei de Bases do Ambiente. A nível internacional, tem consagração
legal no Art. 3º/3 e Art. 11º TUE e Art. 191º- 193º TFUE, exactamente nos
mesmos termos[8], pressupondo
a ideia de que é um princípio fundamental de direito ambiental europeu, não
apenas nacional; num aspecto pouco “aperfeiçoado” foi encontrado na Carta
Mundial da Natureza (aprovada pela Assembleia-Geral da ONU a 29 de Outubro de
1982), e na Declaração do Rio sobre ambiente e desenvolvimento de 1992[9].
Sendo a
protecção o conceito implícito ao princípio da prevenção, é também a concepção
diferenciadora para o princípio da precaução. Este último assenta na ideia do “in dubio pro”, tal como refere o
professor Gomes Canotilho, não havendo conclusões claras e provas suficientes
para que se entenda claramente existir um dano futuro e irreversível, deve-se
permitir que a actividade desenvolvida prossiga[10]. Ou seja, enquanto um dos princípios necessita
da averiguação e confirmação de um nexo de causalidade ente o comportamento e a
possível ocorrência do dano – princípio da prevenção; o outro- princípio da
precaução- impõe o cuidado e a política de diminuição de danos ambientais, não
exige a análise do nexo causalidade, pois permite a actuação do Homem,
acreditando na sua consciência ambiental.
Mais que isso, e segundo a opinião da
professora Alexandra Aragão, o principio da precaução visa premeditar e
controlar as áreas ambientais em que se sabe que existem riscos futuros e
irreversíveis, que por muito que se queiram evitar já não será possível.
Promovendo o objectivo de regular estes riscos ambientais, de forma a colmatar,
tanto quanto possível o impacto negativo que possam vir a ter[11].
E ainda que, do ponto de vista
prático seja mais fácil aplicar o princípio da prevenção, pois sabemos que
riscos se querem evitar, e reagimos antes da sua existência, a precaução não deve
simplesmente ser abandonada. Este último visa mesmo a reacção a um dano já
evidente, que por diversos motivos possa não ter sido detectado e evitado, que
deve agora ser combatido. Quer o mesmo se apresente como um dano presente, ou
mostre características que permitem saber que vai afectar, no futuro a mesma
área, tem de ser alvo de uma política de salvaguarda do espaço afectado
O princípio
da precaução elenca assim a característica de reacção a um facto, visando com
as suas medidas, apenas submetidas ao mesmo, mas com um âmbito alargado a todos
os efeitos que do mesmo possam advir. Não existe a função de previamente se
evitar o dano, até porque pode não se verificar; mas a concreta percepção de
que se o dano era inevitável que acontecesse é agora necessária controlá-lo, por
medidas proporcionais ao caso, evitando a sua propagação[12].
A meu ver, a
tese[13]
defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, sobre a distinção entre os
dois princípios, com o devido respeito, não é tão fácil de sustentar, como a
posição da restante doutrina, pois o âmbito de aplicação de cada um deles é
distinto. Concordo antes com a posição da professora Alexandra Aragão[14],
ou do Professor Gomes Canotilho, que partilham da mesma ideia.
Claro está que os princípios andam
regra geral associados, no entanto a regra apoia o uso do princípio da
prevenção, como garante das situações de claro perigo ambiental, como é exemplo
a avaliação de impacto ambiental. Ou seja, podemos admitir que existe uma maior
relevância do princípio da prevenção, que o princípio da precaução.
O princípio
da prevenção é fundamento para várias acções de protecção do ambiente, sendo
mesmo a base das suas concepções. Ainda que o princípio da precaução não seja
deixado de parte, a intenção é fazer da prevenção expoente máximo do modo de
actuar, evitar em vez de remediar.
Um dos vários
exemplos pode ser a já referida avaliação de impacto ambiental.
A AIA apresenta-se
como um instrumento preventivo[15],
prova disso é, como indicado, a natureza intrínseca da protecção, que assegura
e consubstancia uma actuação apriorística quanto ao dano ambiental que se quer
prevenir.
No regime da AIA, decorre desde logo
preâmbulo[16], a
vertente proteccionista/preventiva, mas também de todo o corpo do diploma, como
é o caso do Art. 1º/2, ou Art. 3º[17].
Em todo o diploma, o mote para um
ambiente sustentável é a ideia de prevenir a alteração do mesmo (no caso
concreto pela aprovação de projectos). A submissão de projectos a esta
avaliação permite analisar detalhadamente, todas as informações relativas à
área em que se realizará, e se vai ou não afectar a sua sustentabilidade. É na
ponderação/estudo – prévio- de todos estes factores que se exponencia a
importância do sistema preventivo de actuação, para com, ou sobre a
natureza.
Revela-se assim como o elemento de
excelência da promoção da prevenção, não sendo porém o único, existindo
diversos diplomas[18]
que o prevêem em várias áreas ambientais.
Em suma, a
fim de que se possam evitar os elevados níveis de poluição que se têm
registado, e a degradação do meio ambiente, tenciona-se, através de um controlo
rigoroso, a emissão, ou a concretização de projectos que se revelem
prejudiciais a tais objectivos.
Como
instrumento ideal do regime da prevenção – ainda que em si se encontrem outros
princípios como o da precaução, o do poluidor-pagador, e correcção na fonte- a
AIA representa a obrigação do Estado de protecção do ambiente (Art. 9º d), e)),
enquanto direito fundamental (Art.66º/2 a)).
O esteio desta política preventiva é
a singularidade ambiental, que é praticamente impossível de repor após a sua
afectação.
Telma
Ezequiel, n. 20442
[1] A
declaração final no âmbito do procedimento AIA é denominada como Declaração de
impacto ambiental (DIA). Define-se como o acto principal, já que é sobre si que
é transmitido o conteúdo da decisão tomada (Art. 18º RAIA - DL 151-B/2013)
[2] Cfr. Art. 5º RAIA (DL 151-B/2013)
- Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito –
lições de direito do ambiente, 2002.
[4]Cfr., a
este respeito Carla Amado Gomes, Introdução ao direito Ambiente, 2012 ( p.117 e
ss.); Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – lições de direito do
ambiente,2002 (p.159 e ss), e Art. 12º e ss RAIA
[5] Conteúdos
referidos no diploma que regula o procedimento de AIA - vide Art. 18º DL 151-B/2013.
[6] “Relações
Jurídicas Poligonais, Ponderação Ecológica de Bens e Controlo Judicial
Preventivo”, cfr. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente (p. 65.)
[7] Nas
palavras do Professor Gomes Canotilho encara-se a definição como: “é
especialmente importante na protecção do ambiente pois é uma regra de mero bom
senso, aquela que determina que, em vez de contabilizar os danos e tentar
repará-los, se tente sobretudo evitar a ocorrência de danos, antes de eles
terem acontecido", Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do
Ambiente,1998 (p.44.)
A professora Carla Amado Gomes apresenta uma
definição, que a meu ver, ainda que menos “diplomática” é de facto mais
realista e prática: “estando-se na presença de bens frágeis, alguns mesmo não
regeneráveis a antecipação de efeitos lesivos produzidos pela acção humana é
determinante” Cfr. Introdução ao estudo direito Ambiente (p. 70.)
Mais contido é o professor Vasco Pereira da Silva,
quando acolhe uma perspectiva que elenca o perigo da acção humana, e não a
certeza de que ela acontecerá. “Tem como finalidade evitar lesões do
meio-ambiente, o que implica capacidade de antecipação das situações
potencialmente perigosas de origem natural ou humana, capaz de por em risco os
componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados
para afastar a sua verificação ou minorar as suas consequências” em Verde Cor
de Direito – lições de direito do ambiente (p.66.)
[8]Não
esquecendo que a nossa ordem jurídica aceita o princípio do primado do direito
internacional – Art. 8º/1 e 2 CRP.
[10] “Significa
que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da duvida quando haja
incerteza, por falta de provas cientificas evidentes, sobre o nexo causal entre
uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do
ambiente.”, Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, (p.
48.)
[11] Cfr. Alexandra
Aragão – Princípio da Precaução. Manual de Instruções, Cadernos CEDOUA,
Almedina (p. 20 e ss.)
[12] No
artigo “Aplicação do Principio da Precaução p. 13 e ss.” de Alexandra Argão, a
autora contempla as medidas de precaução quanto ao dano.
[13] Cfr. P.
66 e ss do manual Verde Cor de Direito – lições de direito do ambiente, 2002.
[14] Cfr. Alexandra
Aragão, “Direito Comunitário do Ambiente”, Cadernos CEDOUA, Almedina, p. 20 - “o
princípio da precaução distingue-se, portanto, do principio da prevenção, por
exigir uma protecção antecipatória do ambiente, ainda num momento anterior
àquele em que o principio da prevenção impõe uma actuação preventiva.”
[15]É
inclusive o título que a professora Carla Amando Gomes dá à parte relativa a
esta matéria. Cfr. a página 112 do manual da professora, Introdução ao Direito
Ambiente
[16] A
primeira referência é no 1º parágrafo: “(…) constituindo um instrumento
preventivo fundamental da política de desenvolvimento sustentável.”; e depois
no 6º parágrafo: “(…) reforçando-se assim a eficácia, robustez e coerência
deste instrumento fundamental da defesa preventiva do ambiente e da política de
desenvolvimento sustentável.”
[17]
Incidência na palavra “prévias ao licenciamento….”
[18]
Exemplos: Declaração do Rio: “Princípio 15 - Para que o ambiente seja
protegido, será aplicado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades,
medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não
será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento
de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental.
Directiva 2008/1/CEE do Parlamento europeu e do
Conselho de 15 de Janeiro de 2008 relativa à prevenção e controlo integrados da
poluição, n.º2 do preâmbulo;
Directiva 92/43/CEE Conselho de 21 Maio de 1992
relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens,
5º parágrafo do preâmbulo;
DL 127/2013 de 30 de Agosto sobre a prevenção e
controlo integrados da poluição; entre outros.
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