quinta-feira, 20 de março de 2014

Avaliação de Impacto Ambiental, objectivo: Prevenir

A Constituição da República Portuguesa consagra o direito do ambiente em duas vertentes: obrigação/dever do Estado em protegê-lo (Art. 9ºd), e)), e como direito fundamental (Art. 66º/2 a)).
Falando sobre o tema em questão, a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) pode definir-se, como a forma preventiva de política ambiental, contemplando os efeitos biológicos e socio-económicos, para que a decisão final[1] do ponto de vista sustentável, seja a mais concreta e eficaz possível.
Esta decisão é elaborada através de estudos - que tem por objecto a recolha de informações, relativas a efeitos ambientais, identificação de áreas de conservação de natureza, etc.- permitem o conhecimento da viabilidade do projecto, ou a concretização de alternativas. Sempre com o propósito de protecção e conservação ambiental.
São definidos como objectivos principais[2]:
·         Avaliação de riscos, vantagens e consequências do projecto apresentado, que fundamentam a decisão final (viabilidade ambiental);
·         Garantir o cumprimento das suas avaliações a posteriori, ou pelo menos tentar, pela constante monotorização dos projectos avaliados;
·          Garantir a participação pública, quanto a audição de interessados, e a sua protecção;
·         Definir e implementar novas medidas de protecção ambiental.
Podemos concluir que a concretização da avaliação de impacto ambiental permite fornecer aos decisores das políticas ambientais, informações sobre as implicações ambientais, e se possível, identificar acções que possam diminuir os danos inevitáveis, e promover os aspectos positivos[3].
O procedimento de avaliação de impacto ambiental é consagrado, enquanto princípio imprescindível à tutela do ambiente, nos artigos 27º/1 g), 30º e 31º da Lei de Bases do Ambiente, bem como do DL 151-B/2013.
Refira-se desde já que é um projecto delimitado em várias fases[4], nas quais intervêm os interessados e os responsáveis pela tomada de decisão, numa demostração da vontade de preservação do meio ambiente.
Actualmente a decisão de avaliação de impacto ambiental pressupõe um acto de licenciamento, ou autorização dos projectos que a si foram submetidos. Porém não é sinónimo de que apenas isso aconteça, pois a AIA pode ser de conteúdo condicionante ou favorável[5].
Inteirados sobre o que se deva entender como AIA, quais os seus objectivos, importa relacioná-la com os princípios acima referidos.
A doutrina não é unânime, ou pelo menos não existe apenas uma definição oficial da definição do princípio da Prevenção. Para o professor Gomes Canotilho pauta-se pela tentativa de evitar a ocorrência de danos, e com isso o gasto desnecessário de verbas com a sua reparação, de qualquer das formas aceita e assume que o princípio da prevenção é a âncora do direito do ambiente[6]; nas palavras da professora Carla Amado Gomes o interesse é na mesma a protecção do ambiente, mas por se reconhecer que, a futura actuação humana pode vir a lesar bens ambientais. Uma posição intermédia, que conjuga os factores das anteriores é adoptada pelo Professor Vasco Pereira da Silva[7].
A ideia nuclear subjacente é a protecção do ambiente, o afastamento do dano ambiental, possivelmente originado por uma actuação futura, pela poupança de verbas no sentido de prevenir e não apenas remediar (situação que se traduz no principio da precaução). Revela-se pela antecipação da agressão ambiental, na consciência da escassez dos recursos ambientais. A protecção está subjacente a este princípio, e referida no Art. 66º/2a) CRP, e no Art. 3º Lei de Bases do Ambiente. A nível internacional, tem consagração legal no Art. 3º/3 e Art. 11º TUE e Art. 191º- 193º TFUE, exactamente nos mesmos termos[8], pressupondo a ideia de que é um princípio fundamental de direito ambiental europeu, não apenas nacional; num aspecto pouco “aperfeiçoado” foi encontrado na Carta Mundial da Natureza (aprovada pela Assembleia-Geral da ONU a 29 de Outubro de 1982), e na Declaração do Rio sobre ambiente e desenvolvimento de 1992[9].
Sendo a protecção o conceito implícito ao princípio da prevenção, é também a concepção diferenciadora para o princípio da precaução. Este último assenta na ideia do “in dubio pro”, tal como refere o professor Gomes Canotilho, não havendo conclusões claras e provas suficientes para que se entenda claramente existir um dano futuro e irreversível, deve-se permitir que a actividade desenvolvida prossiga[10].  Ou seja, enquanto um dos princípios necessita da averiguação e confirmação de um nexo de causalidade ente o comportamento e a possível ocorrência do dano – princípio da prevenção; o outro- princípio da precaução- impõe o cuidado e a política de diminuição de danos ambientais, não exige a análise do nexo causalidade, pois permite a actuação do Homem, acreditando na sua consciência ambiental.
Mais que isso, e segundo a opinião da professora Alexandra Aragão, o principio da precaução visa premeditar e controlar as áreas ambientais em que se sabe que existem riscos futuros e irreversíveis, que por muito que se queiram evitar já não será possível. Promovendo o objectivo de regular estes riscos ambientais, de forma a colmatar, tanto quanto possível o impacto negativo que possam vir a ter[11].
E ainda que, do ponto de vista prático seja mais fácil aplicar o princípio da prevenção, pois sabemos que riscos se querem evitar, e reagimos antes da sua existência, a precaução não deve simplesmente ser abandonada. Este último visa mesmo a reacção a um dano já evidente, que por diversos motivos possa não ter sido detectado e evitado, que deve agora ser combatido. Quer o mesmo se apresente como um dano presente, ou mostre características que permitem saber que vai afectar, no futuro a mesma área, tem de ser alvo de uma política de salvaguarda do espaço afectado
O princípio da precaução elenca assim a característica de reacção a um facto, visando com as suas medidas, apenas submetidas ao mesmo, mas com um âmbito alargado a todos os efeitos que do mesmo possam advir. Não existe a função de previamente se evitar o dano, até porque pode não se verificar; mas a concreta percepção de que se o dano era inevitável que acontecesse é agora necessária controlá-lo, por medidas proporcionais ao caso, evitando a sua propagação[12].
A meu ver, a tese[13] defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, sobre a distinção entre os dois princípios, com o devido respeito, não é tão fácil de sustentar, como a posição da restante doutrina, pois o âmbito de aplicação de cada um deles é distinto. Concordo antes com a posição da professora Alexandra Aragão[14], ou do Professor Gomes Canotilho, que partilham da mesma ideia.
Claro está que os princípios andam regra geral associados, no entanto a regra apoia o uso do princípio da prevenção, como garante das situações de claro perigo ambiental, como é exemplo a avaliação de impacto ambiental. Ou seja, podemos admitir que existe uma maior relevância do princípio da prevenção, que o princípio da precaução.
O princípio da prevenção é fundamento para várias acções de protecção do ambiente, sendo mesmo a base das suas concepções. Ainda que o princípio da precaução não seja deixado de parte, a intenção é fazer da prevenção expoente máximo do modo de actuar, evitar em vez de remediar.
Um dos vários exemplos pode ser a já referida avaliação de impacto ambiental.
A AIA apresenta-se como um instrumento preventivo[15], prova disso é, como indicado, a natureza intrínseca da protecção, que assegura e consubstancia uma actuação apriorística quanto ao dano ambiental que se quer prevenir.
No regime da AIA, decorre desde logo preâmbulo[16], a vertente proteccionista/preventiva, mas também de todo o corpo do diploma, como é o caso do Art. 1º/2, ou Art. 3º[17].
Em todo o diploma, o mote para um ambiente sustentável é a ideia de prevenir a alteração do mesmo (no caso concreto pela aprovação de projectos). A submissão de projectos a esta avaliação permite analisar detalhadamente, todas as informações relativas à área em que se realizará, e se vai ou não afectar a sua sustentabilidade. É na ponderação/estudo – prévio- de todos estes factores que se exponencia a importância do sistema preventivo de actuação, para com, ou sobre a natureza. 
Revela-se assim como o elemento de excelência da promoção da prevenção, não sendo porém o único, existindo diversos diplomas[18] que o prevêem em várias áreas ambientais.
Em suma, a fim de que se possam evitar os elevados níveis de poluição que se têm registado, e a degradação do meio ambiente, tenciona-se, através de um controlo rigoroso, a emissão, ou a concretização de projectos que se revelem prejudiciais a tais objectivos.
Como instrumento ideal do regime da prevenção – ainda que em si se encontrem outros princípios como o da precaução, o do poluidor-pagador, e correcção na fonte- a AIA representa a obrigação do Estado de protecção do ambiente (Art. 9º d), e)), enquanto direito fundamental (Art.66º/2 a)).
O esteio desta política preventiva é a singularidade ambiental, que é praticamente impossível de repor após a sua afectação.

Telma Ezequiel, n. 20442


[1] A declaração final no âmbito do procedimento AIA é denominada como Declaração de impacto ambiental (DIA). Define-se como o acto principal, já que é sobre si que é transmitido o conteúdo da decisão tomada (Art. 18º RAIA - DL 151-B/2013)
[2] Cfr. Art. 5º RAIA (DL 151-B/2013)
[3] Site oficial da Agência Portuguesa Ambiente disponível em: http://www.apambiente.pt, e
- Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – lições de direito do ambiente, 2002.
[4]Cfr., a este respeito Carla Amado Gomes, Introdução ao direito Ambiente, 2012 ( p.117 e ss.); Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – lições de direito do ambiente,2002 (p.159 e ss), e Art. 12º e ss RAIA
[5] Conteúdos referidos no diploma que regula o procedimento de AIA - vide Art. 18º DL 151-B/2013. 
[6] “Relações Jurídicas Poligonais, Ponderação Ecológica de Bens e Controlo Judicial Preventivo”, cfr. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente (p. 65.)
[7] Nas palavras do Professor Gomes Canotilho encara-se a definição como: “é especialmente importante na protecção do ambiente pois é uma regra de mero bom senso, aquela que determina que, em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, se tente sobretudo evitar a ocorrência de danos, antes de eles terem acontecido", Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente,1998 (p.44.)
A professora Carla Amado Gomes apresenta uma definição, que a meu ver, ainda que menos “diplomática” é de facto mais realista e prática: “estando-se na presença de bens frágeis, alguns mesmo não regeneráveis a antecipação de efeitos lesivos produzidos pela acção humana é determinante” Cfr. Introdução ao estudo direito Ambiente (p. 70.)
Mais contido é o professor Vasco Pereira da Silva, quando acolhe uma perspectiva que elenca o perigo da acção humana, e não a certeza de que ela acontecerá. “Tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, o que implica capacidade de antecipação das situações potencialmente perigosas de origem natural ou humana, capaz de por em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou minorar as suas consequências” em Verde Cor de Direito – lições de direito do ambiente (p.66.)
[8]Não esquecendo que a nossa ordem jurídica aceita o princípio do primado do direito internacional – Art. 8º/1 e 2 CRP.
[9] Texto da declaração do rio em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf.
[10] “Significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da duvida quando haja incerteza, por falta de provas cientificas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente.”, Cfr. J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, (p. 48.)
[11] Cfr. Alexandra Aragão – Princípio da Precaução. Manual de Instruções, Cadernos CEDOUA, Almedina (p. 20 e ss.)
[12] No artigo “Aplicação do Principio da Precaução p. 13 e ss.” de Alexandra Argão, a autora contempla as medidas de precaução quanto ao dano.
[13] Cfr. P. 66 e ss do manual Verde Cor de Direito – lições de direito do ambiente, 2002.
[14] Cfr. Alexandra Aragão, “Direito Comunitário do Ambiente”, Cadernos CEDOUA, Almedina, p. 20 - “o princípio da precaução distingue-se, portanto, do principio da prevenção, por exigir uma protecção antecipatória do ambiente, ainda num momento anterior àquele em que o principio da prevenção impõe uma actuação preventiva.”
[15]É inclusive o título que a professora Carla Amando Gomes dá à parte relativa a esta matéria. Cfr. a página 112 do manual da professora, Introdução ao Direito Ambiente
[16] A primeira referência é no 1º parágrafo: “(…) constituindo um instrumento preventivo fundamental da política de desenvolvimento sustentável.”; e depois no 6º parágrafo: “(…) reforçando-se assim a eficácia, robustez e coerência deste instrumento fundamental da defesa preventiva do ambiente e da política de desenvolvimento sustentável.”
[17] Incidência na palavra “prévias ao licenciamento….”
[18] Exemplos: Declaração do Rio: “Princípio 15 - Para que o ambiente seja protegido, será aplicado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental.
Directiva 2008/1/CEE do Parlamento europeu e do Conselho de 15 de Janeiro de 2008 relativa à prevenção e controlo integrados da poluição, n.º2 do preâmbulo;
Directiva 92/43/CEE Conselho de 21 Maio de 1992 relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, 5º parágrafo do preâmbulo;
DL 127/2013 de 30 de Agosto sobre a prevenção e controlo integrados da poluição; entre outros.

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